novembro 13, 2008

Memórias do hospício (I)

Foto: Rogelio Casado - Hospital Colônia Eduardo Ribeiro - Ala Feminina - Manaus-AM, 1980

Memórias do hospício (I)

Certo radicalismo histérico-retórico costuma vociferar que houve um erro de estratégia ao erguer a bandeira da humanização e democratização do hospital psiquiátrico de Manaus, depois da denúncia de corrupção ali existente até o final dos anos 1970.

Minha geração e a de Felix Valois nomeia essa instituição totalitária, até hoje, como hospício. Faz sentido. Por mais que se faça, o arcabouço médico-jurídico construído ao longo da história contribuiu para seqüestrar os direitos de cidadania dos loucos, e consagrou o hospício como o espaço da exclusão social, ou como quer Rotelli, como um deserto ético, lugar zero de trocas sociais.

Então, como se justifica a implantação de um projeto de reabilitação psicossocial no velho Hospital Colônia Eduardo Ribeiro que resultou no trabalho remunerado e na produção de uma tonelada de verduras por mês, além de roçado de macaxeira, milho, feijão, e a criação de 60 cabeças de porcos?

Decididamente, quando criei o Grupo de Agricultura, que oscilava entre 20 a 25 internos de longa permanência, sem vínculos familiares na sua maioria, há muito combatia a política do quanto pior melhor. Tratava-se de uma profunda convicção de que os humanos marcados pela sua diferença, por serem porta-vozes de um discurso trágico mereciam mais do que um novo olhar, deveriam ser parceiros no processo de desconstrução do hospício, desafio que ganha uma dimensão civilizatória em meados do século XX. Afinal, foi isso o que aprendi com Franco Basaglia, quando fazia formação em Psiquiatria Social em Diadema-SP, entre 1978-1979.

Ademais, o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental definiu como estratégia a ocupação dos hospitais psiquiátricos. Alguns, como eu, exerceram papel de gerentes dos serviços. O salto de qualidade, fruto do amadurecimento político, deu-se em dezembro de 1987, quando nasceu o movimento de Luta Por Uma Sociedade Sem Manicômios.

A baixa adesão do Amazonas ao referido movimento tem a ver, entre outros fatores, com a questão da formação.

Manaus, Novembro de 2008.

Rogelio Casado, especialista em Saúde Mental
Pro-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da UEA
www.rogeliocasado.blogspot.com

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