novembro 06, 2008

Direitos Humanos: violência da polícia contra os Tupinambá

Município de Buerarema - Bahia

30.10.08 - BRASIL

Violência da polícia contra os Tupinambá*

* Pronunciamento da Comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro, enviado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Nota da Associação Brasileira de Antropologia (ABA)

1) pronunciamento da Comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro

Para: Autoridades, imprensa, parceiros, aliados, amigos...

A comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro, no município de Buerarema (sul da Bahia), é uma das maiores produtoras de farinha na região. Aqui vivem 170 famílias que trabalham dignamente. Temos uma organização bastante forte e somos conhecidos pela nossa hospitalidade, pelo nosso trabalho e pela maneira que tratamos e respeitamos a nossa terra sagrada e dela tiramos o sustento para cercade 600 pessoas que aqui vivem. Produzimos, além da melhor farinha doBrasil, muitos dos seus derivados (beiju, goma, puba, bolos, pão, etc) e cultivamos banana, abacaxi, feijão, milho, inhame, abóbora, frutas diversas, girassol e muitos outros produtos para nosso consumo e para abastecermos toda a região.

Hoje a nossa comunidade está bastante indignada e revoltada com a ação da Policia Federal e mais ainda com a negligência da Fundação Nacionaldo Índio (Funai). A Funai até agora não resolveu o problema de nossas terras, mesmo tendo um prazo para encaminhar esta solução. Ela não cumpriu a sua obrigação e causou todo este problema com as nossas comunidades. Entendemos que a grande culpada por tudo é a Funai. Exigimos do Governo Federal que tome uma solução urgente para evitar que uma situação como esta volte a ocorrer com o nosso povo.

Quanto à ação da Policia Federal em nossa área, mesmo cumprindo ordens, foi vergonhosa, violenta e covarde. A começar pela ação do dia 20 de outubro quando entraram em nossa área escondidos sem comunicar nada a Funai e nem a nossa comunidade. Quando nós os questionamos e os convidamos para ir para sede conversar com representantes da Funai que ali se encontravam, eles aceitaram. Depois, no meio do caminho eles nos atacaram covardemente e tiveram a coragem de dizer que fomos nós que os atacamos. Uma pura mentira.

E o que podemos dizer da ação do dia 23, quando uma verdadeira operação de guerra foi montada para prender o nosso cacique? Agrediram nossas crianças, atiraram bombas, quebraram nossas casas, tomaram nossos instrumentos de trabalho, roubaram nossa comida e agrediram os nossos velhos. E ainda mentiram para a sociedade dizendo que nós tínhamos armas, se nós tivéssemos com armas de fogo, como eles dizem, a gente ir se defender com pedras, bordunas e lanças? Eles nos acusam e querem prender nosso cacique por dano ao patrimônio público, mas quem foi mesmo que destruiu o patrimônio público? Fomos nós que nos defendendo da agressão covarde dos agentes da PF, reagimos e destruímos seu carro? Ou foram eles que destruíram toda nossa aldeia, destruíram os carros que prestavam serviços a nossa comunidade - como o transporte escolar -, invadiram nossas casas quebrando as portas, janelas, telhados, camas, nossos móveis, comendo nossas comidas, destruíram nossos arquivos escolares, documentos dos alunos, a nossa merenda escolar, tomaram o nosso leite do fome zero - que é destinado às nossas crianças - e queimaram nossa roça de cacau? Quem realmente destruiu o patrimônio público?

Pedimos a sociedade regional, aos nossos parceiros, a entidades de defesa dos Direitos Humanos, a todos aqueles que podem nos ajudar, que divulguem a verdade, repassem e cobrem providências. Que as providências sejam tomadas para que os culpados por esta situação sejam punidos. Que a Policia Federal seja responsabilizada pela ação covarde que realizou junto a nossa comunidade e quem os autorizou a realizar tal operação. Que a Funai o mais urgente possível providencie a publicação do relatório de identificação do nosso território e demarque a nossa terra.

Comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro

Serra do Padeiro, 24 de outubro de 2008.

[Enviado pelo Cimi]

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NOTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA (ABA)


Causa perplexidade e profunda indignação a forma como foram conduzidas as operações que, desde o dia 20/10, a Polícia Federal vêm realizando em áreas habitadas pelos indígenas Tupinambás nos municípios deIlhéus, Una e Buerarema, no sul da Bahia. O cumprimento de mandatos de reintegração de posse serviu de pretexto para uma ostensiva exibição e um uso indiscriminado de verdadeira parafernália de guerra, envolvendo um helicóptero, o lançamento de bombas de efeito moral e a intervençãode um contingente de mais de uma centena de homens fortemente armados. Dessa ação resultaram 23 pessoas feridas, além de atos inteiramente absurdos e inexplicáveis - como a detenção de um ônibus escolar repleto de crianças indígenas; a prisão de menores; a destruição de casas, veículos e galpões; o confisco de facas de cozinha, canivetes e até de instrumentos agrícolas. Inúteis enquanto instrumento de instauração da ordem, tais iniciativas só contribuíram para instilar o pânico, a insegurança e a revolta entre as famílias indígenas, favorecendo tão somente o aumento do preconceito e estigmatização de que os indígenas são vítimas há décadas no contexto regional.

Se a intenção do Ministério da Justiça ao mobilizar a Polícia Federalfoi de antecipar-se a uma possível ação arbitrária e violenta da Policia Militar, pretendendo assim evitar a repetição de cenas lamentáveis de intolerância étnica e cultural, tal como ocorrido em abril de 2000 em Porto Seguro, nas comemorações dos 500 Anos (cujos registros fotográficos consternaram o Brasil e o mundo), não foi assim infelizmente que as coisas sucederam. Viu-se, ao contrário, em um contexto político federal e estadual completamente distinto, a re-edição daquele triste episódio, contribuindo apenas para sinalizara os regionais o desrespeito com que são tratadas as famílias indígenas e o completo desapreço por seus direitos, seus bens e sua segurança e bem estar. Pior, através da feroz perseguição ao cacique RosivaldoFerreira (Babau), exibiu-se explicitamente o ódio de que são vítimas os legítimos representantes e porta-vozes do segmento indígena da sociedade brasileira.

Fica claro o total desconhecimento pela força-tarefa da PF tanto das peculiaridades do caso quanto da inexistência de uma indispensável sintonia com as ações desenvolvidas pela FUNAI e por outros órgãos governamentais. Enquanto a PF se enredava em uma escala repressiva e passional, a FUNAI e a Procuradoria Geral da República haviam conseguido suspender na justiça as liminares de re-integração de posse, obtendo um novo prazo para a conclusão dos estudos técnicos ora em realização na região. Uma conceituada antropóloga, indicada como perita pela ABA, encontra-se atualmente em campo, integrando uma equipe técnica da FUNAI para conclusão dos estudos de identificação. Dentro desta área, conflagrada pela desastrada intervenção da PF, existem casas, lavouras, escolas, posto de saúde, galpões e construções destinadas ao beneficiamento da produção agrícola e programas de preservação ambiental, inclusive com investimentos do MEC, FUNASA, MDA e MMA. O cacique Babau, que está sendo perseguido como um perigoso facínora, constitui uma das mais expressivaslideranças do movimento indígena brasileiro, uma personalidade bastante conhecida dos antropólogos pela lucidez e coerência com que argumenta e defende a valorização do patrimônio das culturas indígenas.

É fundamental reverter os efeitos lesivos das ações praticadas pelaPF, apurando responsabilidades, garantindo a segurança dos líderes indígenas, de pesquisadores, indigenistas e funcionários que atuam na assistência a essas coletividades, implementando com a maior brevidade todas as iniciativas necessárias ao reconhecimento dos direitos indígenas.

24/10/2008.

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Leia a notícia, veiculada pelo Correio da Bahia 23.10.2008 - 19h38

Confronto entre índios e polícia federal deixa 22 feridos

(Notícia atualizada às 22h02)

Pelo menos 14 índios e oito policiais ficaram feridos nesta quinta-feira (23) num confronto entre Tupinambás e Polícia Federal na serra do Padeiro, em Buararema, distrito de Ilhéus, a 458 quilômetros de Salvador. A operação tinha como objetivo cumprir três mandados judiciais da Justiça Federal.

As ordens indicavam a prisão de Rosival Ferreira da Silva, o cacique Babau, e de seu irmão, Jurandir Jesus da Silva, além da apreensão de armas. Foram usados na ação uma força de 109 policiais, um helicóptero e mais de 30 viaturas.

Segundo o delegado-chefe da PF em Ilhéus, Cristiano Sampaio, os índios armaram uma emboscada, e atacaram os policiais com pedras e flechas. APF respondeu com balas de borracha e bombas de gás lacrimogênio. O primeiro mandado cumprido foi contra o irmão de Babau. Jesus da Silva foi encaminhado para o Presídio Regional de Ilhéus após ter sido detido quando dirigia uma ambulância da aldeia em direção à cidade.

Após realizar a prisão de Jesus da Silva, agentes da PF foram até a aldeia tupinambá para tentar realizar a prisão do cacique Babau. No entanto, não conseguiram localizar o chefe da tribo, que é acusado de comandar a reação indígena no início da semana. Segundo Magnólia Jesus da Silva, irmã do cacique, Babau teria ido a Brasília "para resolver o problema das terras".

Porém, Rômulo Cerqueira de Sá, administrador executivo da Funai (Fundação Nacional de Apoio ao Índio), indicou que o cacique teria se refugiado na mata. "O cacique agiu como índio e foi para a mata. Tentaremos junto ao Supremo Tribunal Federal caçar esses mandados para liberar os índios", disse o administrador.

De acordo com a irmã do cacique, a PF conseguiu apreender diversas armas brancas no interior da aldeia. "Eles levaram todas as facas, facões e algumas flechas", relatou a índia.

Entenda o caso

Cerca de 600 nativos vivem na área de três fazendas com cerca de 12 hectares nas serras de Uauá, Olivença e Padeiro, no distrito de Buerarema. Na tarde de segunda-feira (20), os nativos entraram em confronto com os policiais federais que cumpriam liminar da Justiça que solicitava a reintegração de posse das terras ocupadas pelos índios.

Durante a ação, um índio de 73 anos ficou ferido e foi encaminhado, sem gravidade, para o Hospital Municipal. Na manhã de terça-feira(21), a Polícia Federal cumpriu um novo mandado de reintegração de posse na aldeia.

Cerca de 70 índios pertencentes a 20 famílias da tribo deixaram, então, a aldeia Tucum, em Olivença. Os nativos foram para o prédio da Justiça Federal de Ilhéus, a 452 km de Salvador, onde chegaram em três caminhões de móveis.
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Um comentário:

Valdecy Alves disse...

Olá!

Recentemente o Instituto Sangari publicou estudo sobre a violência nos últimos 10 anos no Brasil. Dados alarmantes, que demonstram que a violência que nos assusta no local onde moramos é um fenômeno nacional. O QUE ESTÁ ACONTECENDO? ALGUMAS REFLEXÕES? QUAL O PAPEL DE TODOS? Leia! Divulgue e deixe seu comentário:
www.valdecyalves.blogspot.com
Veja um vídeo do qual participei comentando sobre a violência na mídia:
http://www.youtube.com/watch?v=ljsdz4zDqmE
FELIZ PÁSCOA PARA TODOS! Não deixe de seguir o meu blog e assinar o feed.