PICICA: "Nós feministas nos comprometemos com
essas mulheres rompendo as estruturas manicomiais. Precisamos articular e
agir a favor da construção da unidade em nossas frentes de batalha!
Todos os avanços que essas mulheres tiveram até hoje foram fruto de
muita luta, a organização e construção da força do Projeto Feminista e
Popular é central para avançarmos na destruição desse sistema que nos
explora e domina."
A luta antimanicomial e a vida das mulheres: o que as feministas têm a ver com isso?
19 de Maio de 2015 por
*Por Gabriela Silva e Laís Mendes
A história da loucura caminha imbricada
com a história da nossa sociedade. As pessoas ditas improdutivas,
consideradas sem capacidades laborais – loucas, doentes, mendigas,
velhas, … – eram levadas para verdadeiros depósitos humanos, os antigos
leprosários, que amontoavam pessoas em condições subumanas. Criados pela
classe dominante, os manicômios surgem no finam do século XVIII
organizados pela lógica do isolamento, exclusão e violência.
Nesse bojo, muitas mulheres foram
amontoadas como mercadorias velhas, que não serviam para serem
exploradas para acumulação de capital: nem para produzir mercadorias nem
para reproduzir a força de trabalho. Expostas a situações de violência,
com seus corpos nus, robotizadas, sob diversos tipos de violência,
tendo suas subjetividades e consciências anuladas, permaneceram sob a
dominação dessa estrutura – muitas delas até a morte. O manicômio passou
a ser o lugar da classificação e de marcas históricas para a vida de
muitas mulheres, que foram estupradas e humilhadas cotidianamente.
Muitas engravidaram e tiveram seus bebês ali mesmo, crianças que também
tiveram suas histórias traçadas pela exclusão e injustiça.
Esse modelo de saúde mental, que
utilizava diversas violências como forma de dominação, começou ser
questionado pelo Movimento da Luta Antimanicomial, que surgiu no
processo da luta pela redemocratização do Brasil e reivindicava uma
Reforma Psiquiátrica, com cuidado humanizado na saúde mental, pautado na
reinserção social e na desinstitucionalização do cuidado.
Infelizmente, a lógica perversa de
encarceramento e tortura perdura, e o enfrentamento ainda é necessário.
Essa luta segue denunciando e combatendo aquela estrutura, mesmo após a
Lei 10.216/2001, que afirma os direitos às pessoas em sofrimento
psíquico a um tratamento humanizado e à integração social. Hoje, como
substituição aos manicômios existe os Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS), que atuam em condições precárias.
Saúde é direito, mas tem sido
historicamente mercantilizada. São inúmeros os ataques do capital
estrangeiro ao Sistema Único de Saúde (SUS) através dos empresários da
saúde que atuam no Congresso Nacional como falsos representantes do
povo, defendendo os seus próprios interesses.
Um exemplo é a PEC 451/2014, que se
aprovada obrigará as empresas a oferecer planos de saúde, causando
consequentemente cortes nos investimentos do Estado na garantia da
qualidade do Sistema Único de Saúde. O SUS foi uma conquista de todo
povo brasileiro, não podemos deixar que os setores privatistas e
conservadores retirem nosso direito à saúde.
As empresas de planos privados de saúde
financiaram R$ 54,9 milhões para 131 candidatos nas eleições de 2014,
sendo que 60 foram eleitos. A luta pelo direito a saúde é também a
defesa de uma Constituinte exclusiva e soberana do Sistema Político como
bandeira política capaz de enfrentar os setores privatistas, atrelados
ao capital financeiro internacional, para os quais a vida do povo é
mercadoria. Para esses empresários é muito mais rentável que as pessoas
consideradas improdutivas permaneçam gerando lucro, seja através do
isolamento e exclusão em manicômios, ou através da exploração dos corpos
e da medicalização. Negando a autonomia, os direitos, não efetivando
uma nova forma de cuidado na saúde mental, que dê base e condições de
reinserção social dessas pessoas.
Quando se trata de pensar a saúde mental
da mulher pelo viés do saber psiquiátrico, apenas as funções biológicas e
reprodutoras são evidenciadas, trazendo as questões do funcionamento
hormonal como o gerador e desenvolvimento do sofrimento psíquico,
excluindo as relações sociais e de poder que estão imbricadas nesse
processo. Nessa lógica a mulher é apenas um corpo cheio de hormônios, e
apresentaria já em si mesma o determinante da loucura. Para pensarmos a
relação saúde mental/mulheres, precisamos compreender que a
subjetividade e as experiências de sofrimento são advindas de um sistema
de dominação e exploração capitalista, patriarcal e racista que se
expressa nas relações sociais, econômicas, políticas e culturais.
De acordo com o Relatório sobre a Saúde
Mental, o grupo social que apresenta maior vulnerabilidade para
manifestar um sofrimento psíquico grave é o das mulheres. A violência é
um dos principais fatores para tal situação, pois organiza a vida das
mulheres através do medo, culpabilização e controle. Outro determinante é
a divisão sexual do trabalho, que responsabiliza as mulheres pelo
cuidado das pessoas com sofrimentos psíquicos, além de nos impor os
trabalhos mais desvalorizados e precários, com intensos abusos morais e
sexuais no espaço público e privado.
Grande parte das mulheres que sangravam
(e ainda sangram) dentro dos manicômios, são negras que tiveram sua
cultura negada, seus cabelos cortados e direitos violados. Com a
Reforma, algumas conseguiram retornar para a sociedade, muitas
permanecem nos manicômios que ainda não foram fechados. Muitas adoeceram
dentro desse sistema capitalista e muitas seguem resistindo e lutando!
Mulheres que provam, cotidianamente, que as usuárias dos serviços de
saúde mental são capazes de ocupar os espaços de poder e reescrever a
sua história!
Nós feministas nos comprometemos com
essas mulheres rompendo as estruturas manicomiais. Precisamos articular e
agir a favor da construção da unidade em nossas frentes de batalha!
Todos os avanços que essas mulheres tiveram até hoje foram fruto de
muita luta, a organização e construção da força do Projeto Feminista e
Popular é central para avançarmos na destruição desse sistema que nos
explora e domina.
Por uma saúde mental cidadã e humana!
Mulheres feministas resistindo e lutando contra os manicômios, por um
Projeto Popular para a Saúde! Constituinte Já!
Fonte: Blog da Marcha Mundial das Mulheres
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