PICICA: "A
Zona Franca de Manaus, “vaca sagrada” dos governantes de hoje, foi um dos
instrumentos modernos mais eficazes criados para desapropriar o povo Amazônida.
Em 1976, acompanhei o drama das populações, indígena e seringueira do Acre,
quando a Ditadura Militar entregou os seringais à empresários sulistas,
dispensando a mão-de-obra das famílias e comunidades ali existentes e
pressionando-as a saírem sem rumo. Em longa caminhada entre o alto rio Purus e o
Envira e na margem dos mesmos, encontrei famílias perplexas e sem destino.
Tentei convencê-las sobre os seus direitos. No dia seguinte o barquinho do
“marreteiro” em que viajava foi cercado por jagunços dos novos donos do
Seringal Califórnia, já transformado em fazenda. Armados ameaçavam com
xingamentos e apelavam para as novas leis criadas através da SUDAM para o (des)envolvimento
da Amazônia. Dias depois, quando numa favela de Feijó, formada por famílias
seringueiras já expulsas, contava das frutas que havia comido na minha passagem
por seringais abandonados por eles, todos caíram em pranto. Um ano depois
subindo outro rio, o Juruá, me defrontei com dezenas de canoas com tolda
improvisada, descendo o rio rumo Manaus. O refúgio final de toda esta gente foi
a Zona Franca de Manaus. Ali, já
despejados de seus direitos, ficaram meros ”invasores”. 90% dos bairros de
Manaus foram criados por famílias despejadas do território da Amazônia. Vi as
barracas desses “invasores” formando bairros como Compensa, Alvorada, Flores,
até os mais recentes.
Muitos
manauaras, descendentes dessas vítimas, que vivem hoje sobre o asfalto e o
cimento e da “nova” educação imposta pelas autoridades, ainda não se deram
conta a que serviu a Zona Franca, projeto espoliador dos direitos de seus pais
e cremadora do seu futuro, achando que a sua expulsão do interior foi um
benefício que as ditaduras lhes prestaram. Simultaneamente, com a Zona Franca,
instalou-se por todo o território amazônico o agronegócio devastador da
biodiversidade pela monocultura eurocêntrica e contaminadora do território
mediante o uso de agrotóxicos.
As
hidrelétricas começaram a barrar os rios. A população remanescente, já exígua,
se tornou impotente para resistir à esses “monumentos da insanidade humana”:
Balbina, Belo Monte, Girau, Santo Antonio... e hoje já são poucas as
comunidades que dão respaldo aos Munduruku em sua resistência contra os
projetos hidrelétricos ameaçadores do mais belo sistema fluvial do mundo: o
Tapajós.
Mineradoras
e garimpos ferem por toda a parte o ecossistema e agridem as leis do país,
invadindo territórios indígenas e saqueando sem controle as riquezas minerais e
ameaçando a gente que resiste em seus domínios. A propósito leia-se: “Mineração
E Violações De Direitos: O Projeto Ferro Carajás S11D, DA VALE S.A. Relatório
da Missão de Investigação e Incidência de Cristiane Faustino e Fabrina
Furtado.” Nos apontem pelo menos um posto ou centro sério de controle mineral
em toda a região amazônica?"
AMAZONIA:
Velhos e Novos Instrumentos do Saque
No
inicio da invasão europeia os índios eram tolerados porque os portugueses e
espanhóis necessitavam deles para localizar as riquezas de seu interesse e como
mão-de-obra para explorá-las. Mas na medida em que o invasor foi criando os
seus próprios instrumentos para localização e exploração das mesmas, foi
dispensando os donos da casa e ficou agressivo, criando leis e instrumentos de
dominação. Dentre as leis a injusta lei da propriedade privada da terra é
simplesmente arrasadora para os povos indígenas. A brutalidade contra os povos
indígenas vem crescendo desde o início da colonização até hoje. No início
atingia as comunidades enquanto retirava principalmente os homens das aldeias
para escravizá-los aos interesses de exploração das riquezas descobertas e nas
fazendas. No período moderno uma classe desses descendentes europeus procura
simplesmente despojar os povos indígenas de seus territórios tirando-lhes todas
as condições de sobrevivência, cultural e física.
Em
meados do século XX todos os rios já haviam sido explorados e foi preciso ir
território adentro para descobrir e espoliar os últimos depósitos das riquezas
amazônicas. Agora os espoliadores já dispõe de todos os instrumentos, leis favoráveis,
mapeamento das riquezas e maquinário para explorar o território, dispensando
qualquer colaboração autóctone para transpor os obstáculos que se apresentam.
Assim todos os governos, ditatoriais e democráticos, começam a romper as
florestas e o alto dos rios e igarapés como se fossem “vazios demográficos”. A
entrega dos empreendimentos novos na Amazônia à empresas, ficções criadas pelo
homem e por isso, sem consciência e sem responsabilidade, alivia, aparentemente,
a ciência congênita ou consciência dos mandantes dos crimes atuais. E o
almoxarifado da Amazônia começa a ser conhecido e saqueado em todas as suas
dimensões: terra, rios, peixes, seixo, minerais, madeira, plantas medicinais,
fontes energéticas... A gente que está aí, “não existe mais” e se existe não
deveria existir, porque é apenas “estorvo do desenvolvimento”!
A
Zona Franca de Manaus, “vaca sagrada” dos governantes de hoje, foi um dos
instrumentos modernos mais eficazes criados para desapropriar o povo Amazônida.
Em 1976, acompanhei o drama das populações, indígena e seringueira do Acre,
quando a Ditadura Militar entregou os seringais à empresários sulistas,
dispensando a mão-de-obra das famílias e comunidades ali existentes e
pressionando-as a saírem sem rumo. Em longa caminhada entre o alto rio Purus e o
Envira e na margem dos mesmos, encontrei famílias perplexas e sem destino.
Tentei convencê-las sobre os seus direitos. No dia seguinte o barquinho do
“marreteiro” em que viajava foi cercado por jagunços dos novos donos do
Seringal Califórnia, já transformado em fazenda. Armados ameaçavam com
xingamentos e apelavam para as novas leis criadas através da SUDAM para o (des)envolvimento
da Amazônia. Dias depois, quando numa favela de Feijó, formada por famílias
seringueiras já expulsas, contava das frutas que havia comido na minha passagem
por seringais abandonados por eles, todos caíram em pranto. Um ano depois
subindo outro rio, o Juruá, me defrontei com dezenas de canoas com tolda
improvisada, descendo o rio rumo Manaus. O refúgio final de toda esta gente foi
a Zona Franca de Manaus. Ali, já
despejados de seus direitos, ficaram meros ”invasores”. 90% dos bairros de
Manaus foram criados por famílias despejadas do território da Amazônia. Vi as
barracas desses “invasores” formando bairros como Compensa, Alvorada, Flores..
até os mais recentes.
Muitos
manauaras, descendentes dessas vítimas, que vivem hoje sobre o asfalto e o
cimento e da “nova” educação imposta pelas autoridades, ainda não se deram
conta a que serviu a Zona Franca, projeto espoliador dos direitos de seus pais
ecremadora
do seu futuro, achando que a sua expulsão do interior foi um benefício que as
ditaduras lhes prestaram. Simultaneamente, com a Zona Franca, instalou-se por
todo o território amazônico o agronegócio devastador da biodiversidade pela
monocultura eurocêntrica e contaminadora do território mediante o uso de
agrotóxicos.
As
hidrelétricas começaram a barrar os rios. A população remanescente, já exígua,
se tornou impotente para resistir à esses “monumentos da insanidade humana”:
Balbina, Belo Monte, Girau, Santo Antonio... e hoje já são poucas as
comunidades que dão respaldo aos Munduruku em sua resistência contra os
projetos hidrelétricos ameaçadores do mais belo sistema fluvial do mundo: o
Tapajós.
Mineradoras
e garimpos ferem por toda a parte o ecossistema e agridem as leis do país,
invadindo territórios indígenas e saqueando sem controle as riquezas minerais e
ameaçando a gente que resiste em seus domínios. A propósito leia-se: “Mineração
E Violações De Direitos: O Projeto Ferro Carajás S11D, DA VALE S.A. Relatório
da Missão de Investigação e Incidência de Cristiane Faustino e Fabrina
Furtado.” Nos apontem pelo menos um posto ou centro sério de controle mineral
em toda a região amazônica?
Hoje
a grande preocupação dos mandantes da Amazônia é a construção de mais e mais
portos para acelerar o saque. Estive há poucas semanas em Santarém, hoje um dos
alvos principais, e constatei in loco, a virulência dos saqueadores para
acelerar a construção de portos para a exportação de commodities: madeira,
soja, minérios. E eles vêm do mundo inteiro. A Cargill já controla o principal
porto da cidade. Mas o mais ousado projeto é dos chineses que pretendem
construir em Santarém, além de um porto, uma estrada de ferro Santarém-São
Paulo. Desde o Império praticamente não se construiu mais nenhuma estrada de
ferro de interesse do povo brasileiro: para sua locomoção e para transporte de
seus produtos. Mas quando se trata de saquear a Amazônia, há dinheiro para
tudo. Está aí a estrada de ferro Carajás-São Luiz de propriedade da Vale do Rio
Doce, ex-estatal, praticamente doada pelo Governo FHC a donos privados.
Para
incentivar este modelo de exportação de commodities, modernizam-se portos,
constroem-se hidrelétricas e linhões que conduzem a energia rumo aos centros
onde se articula a entrega da região ao poder multinacional. E toda essa
modernização, apoiada pelas autoridades locais e distantes, só tem uma
finalidade: agilizar o saque do almoxarifado Amazônia. Os interesses das
grandes empresas vão prevalecendo com muito custo econômico para o país e sem
os consequentes benefícios sociais. Todos estes empreendimentos são construídos
sem consulta séria à população afetada, no caso, comunidades indígenas, quilombolas
e ribeirinhas e sem atender a proteção ambiental. Aos pobres atingidos por
estes projetos, como ao povo do Antigo Testamento, em sua impotência, resta
apenas pedir a maldição de Deus para as pessoas que comandam empresas iniquas e
constroem obras da maldade.
Segundo
a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, responsável pela
autorização da atividade portuária, “70% da movimentação de embarcações na
Amazônia hoje é para o transporte de minério de ferro, seguido dos produtos
metalúrgicos e da soja”.
Casa da Cultura do Urubuí, 15 de maio de 2015,
Egydio Schwade
Nenhum comentário:
Postar um comentário