maio 31, 2015

"Eleições na Espanha: ‘o Podemos conseguiu o fato histórico de institucionalizar o descontentamento cidadão’". Escrito por Gabriel Brito (Correio da Cidadania)

PICICA: "Se no Brasil os levantes de junho de 2013 ainda não entraram na institucionalidade do país, na Espanha as grandes manifestações de 2011, cujo movimento ficou mundialmente conhecido como Indignados, acabam de desaguar em novos partidos e movimentos dentro da estrutura do poder. Para debater as eleições, seus resultados e a ascensão do Podemos, o Correio conversou com a professora e cientista política Esther Solana, madrilena radicada em São Paulo.

“Independentemente de orientações ideológicas, não podemos negar que a eleição do domingo foi histórica. Os movimentos populares organizados pela via da institucionalização podem chegar ao poder. O bipartidarismo estava completamente esgotado. A tendência na Europa é a radicalização, tanto à direita como à esquerda, e o surgimento de novos atores políticos, que respondem a esta lógica de radicalização do discurso partidário. Em tempos de crise é algo natural”, analisou.

No entanto, Esther alerta para os grandes desafios que se seguirão, especialmente quando vierem as eleições nacionais, nas quais o Podemos corre o risco de se aliar ao PSOE, o desgastado Partido Socialista. Por outro lado, destaca as prefeituras de Madrid, nas mãos de duas mulheres oriundas dos recentes movimentos de rua.

“O desafio será levar a cabo um verdadeiro programa de esquerda nos municípios onde as plataformas cidadãs governem. O programa de Colau (Barcelona) e Carmena (Madri) propõe lutar contra a pobreza urbana e a desnutrição infantil, evitar os cortes de água, luz e eletricidade dos mais afetados pela crise, parar com os despejos, revisar privatizações e contratos. Será difícil”, afirmou a professora da Unifesp." 

Eleições na Espanha: ‘o Podemos conseguiu o fato histórico de institucionalizar o descontentamento cidadão’ Imprimir E-mail
Escrito por Gabriel Brito, da Redação   
Sexta, 29 de Maio de 2015


Se no Brasil os levantes de junho de 2013 ainda não entraram na institucionalidade do país, na Espanha as grandes manifestações de 2011, cujo movimento ficou mundialmente conhecido como Indignados, acabam de desaguar em novos partidos e movimentos dentro da estrutura do poder. Para debater as eleições, seus resultados e a ascensão do Podemos, o Correio conversou com a professora e cientista política Esther Solana, madrilena radicada em São Paulo.

“Independentemente de orientações ideológicas, não podemos negar que a eleição do domingo foi histórica. Os movimentos populares organizados pela via da institucionalização podem chegar ao poder. O bipartidarismo estava completamente esgotado. A tendência na Europa é a radicalização, tanto à direita como à esquerda, e o surgimento de novos atores políticos, que respondem a esta lógica de radicalização do discurso partidário. Em tempos de crise é algo natural”, analisou.

No entanto, Esther alerta para os grandes desafios que se seguirão, especialmente quando vierem as eleições nacionais, nas quais o Podemos corre o risco de se aliar ao PSOE, o desgastado Partido Socialista. Por outro lado, destaca as prefeituras de Madrid, nas mãos de duas mulheres oriundas dos recentes movimentos de rua.
“O desafio será levar a cabo um verdadeiro programa de esquerda nos municípios onde as plataformas cidadãs governem. O programa de Colau (Barcelona) e Carmena (Madri) propõe lutar contra a pobreza urbana e a desnutrição infantil, evitar os cortes de água, luz e eletricidade dos mais afetados pela crise, parar com os despejos, revisar privatizações e contratos. Será difícil”, afirmou a professora da Unifesp.

A entrevista completa com Esther Solano pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Em sua visão, quais os principais destaques das eleições municipais do Estado espanhol?

Esther Solano: A perda de legitimidade do modelo bipartidarista PP-PSOE. Só 52% dos eleitores votaram em algum dos dois partidos.

O PP ganhou as eleições em número de votos, mas diminuiu em 2.444.103 de votos com relação a 2011 e perdeu suas maiorias absolutas, com destaque para lugares emblemáticos como Valência ou Madri, tradicionalmente vinculados ao partido.

As candidaturas cidadãs de unidade popular que integram o Podemos – Barcelona em ComúAhora Madrid – foram as grandes vencedoras da jornada eleitoral

Correio da Cidadania: O que achou, neste sentido, da estreia eleitoral do Podemos? Que rumos a agremiação pode dar à política local? 

Esther Solano: Foi um sucesso porque as candidaturas que ele integra e as outras às quais deu muita força foram amplamente votadas. O Podemos conseguiu o fato histórico de institucionalizar o descontentamento cidadão surgido no movimento 15M (15 de março), transformá-lo em partido político e romper com a lógica bipartidarista. Tudo isso em pouquíssimo tempo. Fato histórico.
Agora, enfrenta o dilema das coalizões, essencialmente, de pactuar ou não com o PSOE para garantir Madri e Barcelona. Estas eleições municipais e regionais são indicativos para as nacionais, que serão em novembro. Tudo indica que o Podemos pode chegar com força ao parlamento nacional e, numa possível aliança com o PSOE, ter uma vitória sem precedentes.

Correio da Cidadania: Poderíamos dizer que, independentemente das inclinações de certos agrupamentos, esse pleito representa o movimento que ficou mundialmente conhecido como “Indignados”?

Esther Solano: Sem dúvida. Independentemente de orientações ideológicas, não podemos negar que a eleição do domingo foi histórica. Os movimentos populares organizados pela via da institucionalização podem chegar ao poder. Ou seja, os parlamentos e as prefeituras não estão tão longe da população como podem parecer. No entanto, essa população precisa de organização e interesse de utilizar os canais políticos tradicionais, com o intuito de mudá-los desde o interior de sua própria estrutura.

Correio da Cidadania: Chegou-se ao fim do bipartidarismo, período dominado pela polarização entre PP e PSOE? Trata-se de um indicativo do que pode ocorrer em outros países que caíram numa lógica parecida?

Esther Solano: Esse bipartidarismo estava completamente esgotado. Sim, a tendência na Europa é a radicalização, tanto à direita como à esquerda, e o surgimento de novos atores políticos, que respondem a esta lógica de radicalização do discurso partidário. Em tempos de crise é algo natural.

O exemplo de Grécia com Syriza, por um lado, e os neonazistas, pelo outro, é emblemático. Na França, a ultradireitista Frente Nacional nunca teve tanta força. Novos protagonistas políticos, mais polarizados ou velhos atores que se radicalizam (por exemplo, a posição de Cameron na Grã Bretanha, que vem dado uma virada intensa à direita) ,são uma tendência.

Correio da Cidadania: O que o Podemos, em seu entendimento, precisa fazer pra não cair na vala comum e ser apenas um fogo de palha?

Esther Solano: Esse é um grande risco. Preocupa-me, sobretudo, o fato de o Podemos ter uma cúpula muito hierárquica e centralizadora, que tem o risco de se afastar das bases. O discurso de partido sempre tem sido contra a casta e a velha política. Bem, ao se aliar com o PSOE para garantir o governo central, já está se aliando com essa velha política que tanto rejeita. Espero que, em nome da governabilidade, não venda sua alma, como já aconteceu em tantas outras ocasiões, mas não será fácil porque as velhas estruturas de poder continuam em pé

Correio da Cidadania: Em relação às regiões onde se discute a independência da Espanha, houve algum resultado que chamou atenção?

Esther Solano: Talvez o fato mais relevante é que Ana Colau, ativista anti-despejos, ganhe a segunda maior prefeitura do país, Barcelona. É algo altamente simbólico e excepcional. No País Basco, o nacionalismo continua sendo majoritário, o PP perdeu muito espaço e o Podemos entrou com força. Mas a disputa eleitoral continuou entre dois polos políticos nacionalistas: o PNV (Partido Nacionalista Basco, de direita) e o  EHBildu (País Basco Unido, de esquerda)

Correio da Cidadania: Quais as principais questões a serem enfrentadas daqui pra frente?

Esther Solano: Em um primeiro momento, as coalizões, os parceiros que as plataformas cidadãs querem ter no governo. A priori, a escolha mais natural seria que estas se aliassem ao PSOE, pela sua similaridade ideológica. Agora, o PSOE corre o risco de ser engolido pelo Podemos nas eleições nacionais. Outra opção, mais improvável, é um pacto entre PP e PSOE (como já sugerido por Esperança Aguirre) para afastar a Podemos do poder. Esse é o primeiro desafio das coalizões, o que sempre supõe perda de independência.

O segundo será levar a cabo um verdadeiro programa de esquerda nos municípios onde as plataformas cidadãs governem. O programa de Colau (Barcelona) e Carmena (Madri) propõe lutar contra a pobreza urbana e a desnutrição infantil, evitar os cortes de água, luz e eletricidade dos mais afetados pela crise, parar com os despejos, estabelecer uma fiscalização maior nas contas públicas, utilizar imóveis vazios para famílias com poucos recursos financeiros, revisar privatizações e contratos. Será difícil.

Correio da Cidadania: Os novos ventos políticos podem levar a uma rota de choque com os interesses dominantes na chamada comunidade europeia, a exemplo da Grécia e seu novo governo do Syriza?

Esther Solano: Sim, imagino que Alemanha, FMI e Banco Central Europeu não estão felizes com o resultado. Será uma disputa de forças interessante ver até que ponto uma agenda de esquerda pode ser implementada com as pressões da União Europeia e do FMI (que continua insistindo que Espanha deve levar a cabo mais reformas trabalhistas).

Mas isso irá se definir muito mais nas eleições nacionais, já que é o governo nacional quem dialoga diretamente com estas instâncias. Se a aliança Podemos-PSOE ganhar o poder nacional, aí, sim, muitos vão ficar descontentes. Porém, espero que respeitem a soberania do povo espanhol.

Gabriel Brito é jornalista.

Fonte: Correio da Cidadania

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