PICICA: "O Círculo de Cidadania – Círculo Laranja, formado por trabalhadores da
Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) e apoiadores vem, por
este meio, apresentar um apelo urgente acerca do episódio de violação do
direito à greve, à associação, à livre manifestação e outros direitos,
por parte da Comlurb, da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro e do Governo do Estado do Rio de Janeiro, em face dos trabalhadores da limpeza urbana, conforme descrito abaixo."
DOSSIÊ SOBRE OS GARIS DO RIO DE JANEIRO PERSEGUIDOS
O Círculo de Cidadania – Círculo Laranja, formado por trabalhadores da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) e apoiadores vem, por este meio, apresentar um apelo urgente acerca do episódio de violação do direito à greve, à associação, à livre manifestação e outros direitos, por parte da Comlurb, da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro e do Governo do Estado do Rio de Janeiro, em face dos trabalhadores da limpeza urbana, conforme descrito abaixo.
RESUMO
- Perpetradores: Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro e Governo do Estado do Rio de Janeiro.
- Organização postulante: Círculo de Cidadania – Círculo Laranja.
- Circunstâncias: Demissões, transferências e punições em caráter retaliatório ao exercício do direito de greve, associação e livre manifestação dos trabalhadores da Comlurb, cumulada de perseguição com uso do aparato policial: abertura de inquéritos e acusações com propósito intimidatório.
ANTECEDENTES
O serviço de coleta do lixo e varredura de ruas e praias foi organizado pelo governo da cidade do Rio de Janeiro na década de 1880, com a contratação da primeira empresa, dirigida por Aleixo Gary. No final do século 19, considerado pesado e culturalmente desmerecido, o serviço absorve a mão de obra ex-escrava e imigrante. Antes, o serviço era executado por escravos carregadores de tonéis, motivo pelo qual perdura, até hoje, um preconceito histórico contra o exercício da atividade profissional. Hoje, a empresa responsável é a Comlurb, uma sociedade anônima de economia mista, que tem a Prefeitura Municipal como acionista majoritária.
O bom relacionamento no cotidiano com a população do Rio de Janeiro conquistou a simpatia à figura do gari, identificado pelo tradicional uniforme laranja. No total, os garis removem cerca de 9.000 toneladas de lixo por dia. Cada gari que trabalha na coleta carrega, ao final de um dia de trabalho, de 7 a 9 toneladas. Aqueles escalados para a varredura das ruas terão limpado, no final do expediente, de 1.800 a 2.200 m por dia.
A GREVE DE 2014 E SUAS CONQUISTAS
Nos primeiros dias de março de 2014, os trabalhadores da Comlurb realizaram uma greve por fora das instâncias do sindicato. Com muita alegria, criatividade e se fazendo visível durante o carnaval, quando o Rio de Janeiro recebe turistas do Brasil e do mundo, a “onda laranja” foi bem sucedida. Dentro do clima de agitação política em seguida ao ano de 2013, a mobilização obteve o respaldo generalizado de grupos de defesa de direitos, coletivos de mídia e da população em geral.
Com a formação de sucessivas comissões autônomas de greve, os garis realizaram uma negociação direta com a empresa e as autoridades municipais. O acordo foi selado em negociação no Tribunal Regional do Trabalho (TRT), em 8 de março de 2014, garantindo-se: o ajuste de 9% somado à aplicação do adicional de insalubridade, elevando o salário base de R$ 803,00 para R$ 1.100,00, mais o tíquete refeição de R$ 20,00 diários. Apesar de, em termos percentuais, o ajuste conquistado atingir 37%, deve-se levar em conta que o valor de cerca de um salário mínimo e meio, numa metrópole com custo de vista galopante, é ainda baixo para o sustento familiar.
O saldo da greve de 2014 aos trabalhadores como um todo foi um sentimento de dignidade inédito em se fazer visíveis e ser reconhecidos pela população, enquanto sujeito de suas próprias lutas e demandas, o que se alastrou como uma onda de otimismo existencial dentre a categoria.
SOBRE A FRUSTRAÇÃO DO DIREITO DE GREVE, EM 2015
Em 12 de março de 2015, uma assembleia convocada pelo sindicato, com a presença de um número entre 1.000 e 1.500 funcionários, decidiu pelo exercício do direito de greve, em aclamação pela categoria. Desta vez, a Comlurb e a Prefeitura Municipal haviam proposto um reajuste de apenas 3%, inferior à inflação do período, de 6,14% (2014). Além disso, pontos contidos no acordo que deu fim à greve, – como o pagamento de um adicional de final de ano em função da participação nos lucros da empresa, – convenientemente não foram regulamentados pela Comlurb e restaram sem eficácia. Ademais, cerca de 300 trabalhadores foram despedidos entre março e dezembro de 2014, supostamente por “por critérios de avaliação próprios” da empresa. No entanto, vários funcionários que participaram da greve foram incluídos no pacote “meritocrático”. As várias tentativas de obter esclarecimentos sobre as sucessivas demissões não foram atendidas, sendo desconhecido o número real de dispensas nesse período e seus respectivos motivos.
A greve de 2015 começou à meia-noite de 13 de março e, na madrugada, em primeira instância, a Justiça do Trabalho concedeu medida liminar declarando a greve ilegal, impondo a multa de R$ 100.000,00 por dia ao sindicato por dia parado. O argumento, já usual, consiste em apoiar-se na Lei n.º 7.783, de 28 de junho de 1989, que regulamenta os “serviços e atividades essenciais”. Com a ponderação de salvaguardar interesses maiores (a saúde pública), a Justiça do Trabalho suspendeu in casu o exercício do direito constitucional de greve, contido no Art. 9º da Constituição. Isto se deu em sede liminar, isto é, sem ouvir a parte dos trabalhadores.
Sobre o tópico, em artigo intitulado “O massacre do Rio de Janeiro contra os garis” , o juiz, jurista e professor da USP Dr. Jorge Luiz Souto Maior asseverou que, em consonância com o direito constitucional, “deflagrada a greve, que é um direito dos trabalhadores, cumpre a estes e ao empregador, de comum acordo, definirem como serão realizadas as atividades inadiáveis. As responsabilidades pelo efeito da greve não podem ser atribuídas unicamente aos trabalhadores, até porque esses estão no exercício de um direito. Aos empregadores também são atribuídas responsabilidades e a primeira delas é a de abrir negociação com os trabalhadores, inclusive para definir como será dada continuidade às atividades produtivas.”
Em vez disso, a Comlurb e a Prefeitura Municipal não apenas se recusaram a reabrir negociações e buscar os trabalhadores para garantir as atividades inadiáveis e indispensáveis da limpeza pública, como acionaram um plano de contingência recheado de improvisações e ilegalidades. Foram contratados trabalhadores temporários precarizados, muitos deles com a promessa, nem sempre cumprida, de um pagamento diário de R$ 50, R$ 100 ou R$ 150,00, conforme o caso; além de terem sido recrutados moradores em situação de rua e dependentes químicos “no laço”. Nesse período, a má utilização dos equipamentos de proteção individual (EPI) ou sua simples não-utilização foram gerais, com a ocorrência de muitos incidentes e acidentes de trabalho. Ao longo desse mal-ajambrado plano de contingência, a Comlurb passou pelo constrangimento de, além de manifestações dos grevistas, ter sido alvo de protestos por parte dos trabalhadores precários.
Ademais, com a justificativa de “proteger” da ação dos piquetes organizados para conscientizar energicamente os trabalhadores, a Prefeitura Municipal organizou escoltas armadas, – ora guarnecidas por empresas de segurança privada, ora pela Guarda Municipal, ora pela Polícia Militar, vinculada ao Governo do Estado.
Como explica o Dr. Jorge Luiz Souto Maior, no artigo aludido: “Pelos parâmetros legais não é possível obrigar os trabalhadores retornarem ao trabalho, mesmo no caso de atividades essenciais, pois como preconizado pelo art. 12 da lei em comento, não se chegando ao comum acordo, cumpre ao Poder Público assegurar a prestação dos serviços indispensáveis e não conduzir os trabalhadores, manu militari, aos postos de trabalho.”
Nada disso foi levado em conta, quando a Justiça do Trabalho, em primeira instância, decidiu aplicar um interdito proibitório que passou a vedar, durante a greve, a presença de vários grevistas considerados líderes e articuladores, do raio de 500m de qualquer gerência da Comlurb, onde houvesse outros trabalhadores. Dessa maneira, coibiu-se uma das atividades centrais do exercício do direito de greve, que é a organização dos piquetes, voltados a pacificamente promover as razões da greve e esclarecer sobre os direitos do trabalhador.
Simultaneamente, a Comlurb iniciou uma campanha de desmoralização sistemática dos trabalhadores grevistas, com desinformação e verdadeiras ações difamatórias pelas redes sociais, usando os endereços de correio eletrônico e números de telefone dos funcionários. O objetivo da empresa e da Prefeitura foi procurar, das maneiras mais maquiavélicas, perante a sociedade e a categoria, fazer recair a responsabilidade pela paralisação aos trabalhadores grevistas, um peso que tem por objetivo favorecer o empregador na posterior negociação e isolar os articuladores da mobilização.
A ação dos piquetes se tornou, a seguir, o motivo principal para o rol de perseguições que se seguiria ao final da greve, apesar do Art. 6º da Lei n.º 7.783/89: “são assegurados aos grevistas, dentre outros direitos: I – o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve”.
REPRESÁLIAS DEPOIS DA GREVE DE 2015 - MAIS DE 70 DEMISSÕES:
Na sexta-feira, dia 20 de março, assembleia autoconvocada pelos funcionários da Comlurb decidiu por fim à greve de 2015. Acordou-se por um ajuste de 8%, em vez dos 3% originalmente propostos, além da concessão de horas extras aos garis envolvidos na coleta, e auxílio funeral de até R$ 800,00. Não foi reajustado o valor do tíquete refeição, congelado em R$ 20,00.
Finda a greve, se iniciou uma sequência de perseguições descaradamente orientadas a punir os trabalhadores grevistas, com foco nos principais articuladores. Coincidentemente, esses articuladores teriam acumulado advertências e avaliações de mau desempenho para, no mês seguinte ao final da greve, serem despedidos. Até o final de abril, mais de 70 funcionários da Comlurb foram despedidos, cobrindo as principais lideranças, como Célio Viana e Bruno da Rosa, e grevistas envolvidos nas ações dos piquetes. A Comlurb classificou as demissões como por “justa causa”. Outros funcionários foram transferidos para gerências distantes de onde moram.
Não é preciso maior exercício mental para concluir como as transferências e demissões não decorreram de critérios formais meritocráticos de baixo desempenho, mas foram, sim, retaliações diretas, a fim de punir individualmente e disseminar a cultura do medo coletivamente. É o que pensa, também, o professor da USP Dr. Souto Maior: “Mesmo sem adentrar os detalhes de cada caso específico fica muito fácil perceber que o ato foi uma represália pela greve e mais ainda pela derrota experimentada pela Comlurb e pelo Município na greve do ano passado”.
O caso se agrava se considerarmos que a Comlurb é uma empresa com maioria de capital público, devendo não somente atender à função social, como também garantir a proteção aos direitos do trabalhador e do cidadão.
Em reportagem publicada no Jornal do Brasil, “Garis que fizeram greve são demitidos no Rio” , de 29 de abril, os funcionários relatam a perseguição sistemática que sofreram a partir do final da greve, com advertências e transferências inopinadas. O advogado de vários dentre os despedidos, Dr. Denis Melo, classificou as demissões como “políticas” e “antissindicais”: “Temos a Súmula 316, do Superior Tribunal Federal, que garante não ser falta grave uma paralisação, desde que não haja violência comprovada. Os atos denunciados de supostas violências por parte dos grevistas nem foram apurados ainda e a greve não foi considerada abusiva.”
Paralelamente, foram iniciados inquéritos pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, com o fito de investigar as ações dos piquetes, bem como o descumprimento da ordem judicial de afastamento dos grevistas das aglomerações de trabalhadores nas gerências da Comlurb. Os trabalhadores já perseguidos na esfera do emprego, passaram a também ser procurados criminalmente, num ataque combinado aos direitos constitucionais de associação, manifestação e greve.
Mais do que perseguição a líderes e articuladores, está em curso uma vingança institucional promovida pela empresa e a Prefeitura, contra as conquistas obtidas pela categoria em 2014 e 2015. O objetivo é calar uma categoria historicamente oprimida por múltiplos fatores: invisibilidade da condição laboral, preconceito e racismo. A maioria dos funcionários da Comlurb é negra ou parda, e mora em comunidades ou bairros vulnerabilizados. Como se a dignidade conquistada nos últimos anos fosse, agora, novamente colocada na berlinda por quem não admite a conscientização e mobilização dos garis.
Vale escutar Celio Viana, o “Celio Gari”, em seu texto-desabafo logo depois da demissão, “Fui demitido porque saí da senzala” . A condição de Celio como cabeça da chapa (candidato a presidente) de oposição na eleição sindical de fevereiro de 2015, não lhe rendeu nenhuma imunidade legal, tendo sido despedido também por “justa causa” apenas um mês depois do fim da greve.
A “coincidência” neste caso foi tão grande que, um dia antes de receber a carta de demissão, Celio havia participado de audiência pública na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, cujo título era: “O direito de greve e manifestação na cidade do Rio de Janeiro” .
CONCLUSÃO
Em face de todo o exposto neste relatório de violações, cujos anexos comprovam cabalmente a sua veracidade, vimos requerer ação urgente no sentido de:
- 1) Esclarecimentos minuciosos por parte da Comlurb, da Prefeitura Municipal e do Governo do Estado do Rio de Janeiro, sobre as ações tomadas durante e depois da greve, aqui relatadas;
- 2) Readmissão dos funcionários demitidos e anulação dos atos administrativos retaliatórios ao exercício do direito de greve, como transferências ou punições;
- 3) Instauração de processos administrativos, cíveis e criminais contra os responsáveis pelos atos abusivos contra os trabalhadores;
- 4) Instauração de CPI na Câmara dos Vereadores para apurar os abusos cometidos pela Comlurb e a Prefeitura, na gestão da greve e na determinação das retaliações e perseguições;
- 5) Medidas urgentes para prevenir a ocorrência de mais violações;
- 6) Ampla divulgação na imprensa e inclusão dos resultados nos Relatórios Anuais sobre Direitos Humanos das entidades competentes.
Atenciosamente,
CÍRCULO LARANJA - CÍRCULO DE CIDADANIA -
Rio de Janeiro, 13 de maio de 2015.
--
Referências:
[1] - . http:// blogdaboitempo.com.br/2015/ 05/04/ o-massacre-do-rio-de-janeir o-contra-os-garis/
[2] - http://www.jb.com.br/rio/ noticias/2015/04/29/ garis-que-fizeram-greve-sao -demitidos-no-rio/
[3] - http://outraspalavras.net/ blog/2015/05/04/ fui-demitido-sai-da-senzala /
[4] - http://tinyurl.com/lwghlv4
Fonte: Círculo de Cidadania
O Círculo de Cidadania – Círculo Laranja, formado por trabalhadores da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) e apoiadores vem, por este meio, apresentar um apelo urgente acerca do episódio de violação do direito à greve, à associação, à livre manifestação e outros direitos, por parte da Comlurb, da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro e do Governo do Estado do Rio de Janeiro, em face dos trabalhadores da limpeza urbana, conforme descrito abaixo.
RESUMO
- Perpetradores: Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro e Governo do Estado do Rio de Janeiro.
- Organização postulante: Círculo de Cidadania – Círculo Laranja.
- Circunstâncias: Demissões, transferências e punições em caráter retaliatório ao exercício do direito de greve, associação e livre manifestação dos trabalhadores da Comlurb, cumulada de perseguição com uso do aparato policial: abertura de inquéritos e acusações com propósito intimidatório.
ANTECEDENTES
O serviço de coleta do lixo e varredura de ruas e praias foi organizado pelo governo da cidade do Rio de Janeiro na década de 1880, com a contratação da primeira empresa, dirigida por Aleixo Gary. No final do século 19, considerado pesado e culturalmente desmerecido, o serviço absorve a mão de obra ex-escrava e imigrante. Antes, o serviço era executado por escravos carregadores de tonéis, motivo pelo qual perdura, até hoje, um preconceito histórico contra o exercício da atividade profissional. Hoje, a empresa responsável é a Comlurb, uma sociedade anônima de economia mista, que tem a Prefeitura Municipal como acionista majoritária.
O bom relacionamento no cotidiano com a população do Rio de Janeiro conquistou a simpatia à figura do gari, identificado pelo tradicional uniforme laranja. No total, os garis removem cerca de 9.000 toneladas de lixo por dia. Cada gari que trabalha na coleta carrega, ao final de um dia de trabalho, de 7 a 9 toneladas. Aqueles escalados para a varredura das ruas terão limpado, no final do expediente, de 1.800 a 2.200 m por dia.
A GREVE DE 2014 E SUAS CONQUISTAS
Nos primeiros dias de março de 2014, os trabalhadores da Comlurb realizaram uma greve por fora das instâncias do sindicato. Com muita alegria, criatividade e se fazendo visível durante o carnaval, quando o Rio de Janeiro recebe turistas do Brasil e do mundo, a “onda laranja” foi bem sucedida. Dentro do clima de agitação política em seguida ao ano de 2013, a mobilização obteve o respaldo generalizado de grupos de defesa de direitos, coletivos de mídia e da população em geral.
Com a formação de sucessivas comissões autônomas de greve, os garis realizaram uma negociação direta com a empresa e as autoridades municipais. O acordo foi selado em negociação no Tribunal Regional do Trabalho (TRT), em 8 de março de 2014, garantindo-se: o ajuste de 9% somado à aplicação do adicional de insalubridade, elevando o salário base de R$ 803,00 para R$ 1.100,00, mais o tíquete refeição de R$ 20,00 diários. Apesar de, em termos percentuais, o ajuste conquistado atingir 37%, deve-se levar em conta que o valor de cerca de um salário mínimo e meio, numa metrópole com custo de vista galopante, é ainda baixo para o sustento familiar.
O saldo da greve de 2014 aos trabalhadores como um todo foi um sentimento de dignidade inédito em se fazer visíveis e ser reconhecidos pela população, enquanto sujeito de suas próprias lutas e demandas, o que se alastrou como uma onda de otimismo existencial dentre a categoria.
SOBRE A FRUSTRAÇÃO DO DIREITO DE GREVE, EM 2015
Em 12 de março de 2015, uma assembleia convocada pelo sindicato, com a presença de um número entre 1.000 e 1.500 funcionários, decidiu pelo exercício do direito de greve, em aclamação pela categoria. Desta vez, a Comlurb e a Prefeitura Municipal haviam proposto um reajuste de apenas 3%, inferior à inflação do período, de 6,14% (2014). Além disso, pontos contidos no acordo que deu fim à greve, – como o pagamento de um adicional de final de ano em função da participação nos lucros da empresa, – convenientemente não foram regulamentados pela Comlurb e restaram sem eficácia. Ademais, cerca de 300 trabalhadores foram despedidos entre março e dezembro de 2014, supostamente por “por critérios de avaliação próprios” da empresa. No entanto, vários funcionários que participaram da greve foram incluídos no pacote “meritocrático”. As várias tentativas de obter esclarecimentos sobre as sucessivas demissões não foram atendidas, sendo desconhecido o número real de dispensas nesse período e seus respectivos motivos.
A greve de 2015 começou à meia-noite de 13 de março e, na madrugada, em primeira instância, a Justiça do Trabalho concedeu medida liminar declarando a greve ilegal, impondo a multa de R$ 100.000,00 por dia ao sindicato por dia parado. O argumento, já usual, consiste em apoiar-se na Lei n.º 7.783, de 28 de junho de 1989, que regulamenta os “serviços e atividades essenciais”. Com a ponderação de salvaguardar interesses maiores (a saúde pública), a Justiça do Trabalho suspendeu in casu o exercício do direito constitucional de greve, contido no Art. 9º da Constituição. Isto se deu em sede liminar, isto é, sem ouvir a parte dos trabalhadores.
Sobre o tópico, em artigo intitulado “O massacre do Rio de Janeiro contra os garis” , o juiz, jurista e professor da USP Dr. Jorge Luiz Souto Maior asseverou que, em consonância com o direito constitucional, “deflagrada a greve, que é um direito dos trabalhadores, cumpre a estes e ao empregador, de comum acordo, definirem como serão realizadas as atividades inadiáveis. As responsabilidades pelo efeito da greve não podem ser atribuídas unicamente aos trabalhadores, até porque esses estão no exercício de um direito. Aos empregadores também são atribuídas responsabilidades e a primeira delas é a de abrir negociação com os trabalhadores, inclusive para definir como será dada continuidade às atividades produtivas.”
Em vez disso, a Comlurb e a Prefeitura Municipal não apenas se recusaram a reabrir negociações e buscar os trabalhadores para garantir as atividades inadiáveis e indispensáveis da limpeza pública, como acionaram um plano de contingência recheado de improvisações e ilegalidades. Foram contratados trabalhadores temporários precarizados, muitos deles com a promessa, nem sempre cumprida, de um pagamento diário de R$ 50, R$ 100 ou R$ 150,00, conforme o caso; além de terem sido recrutados moradores em situação de rua e dependentes químicos “no laço”. Nesse período, a má utilização dos equipamentos de proteção individual (EPI) ou sua simples não-utilização foram gerais, com a ocorrência de muitos incidentes e acidentes de trabalho. Ao longo desse mal-ajambrado plano de contingência, a Comlurb passou pelo constrangimento de, além de manifestações dos grevistas, ter sido alvo de protestos por parte dos trabalhadores precários.
Ademais, com a justificativa de “proteger” da ação dos piquetes organizados para conscientizar energicamente os trabalhadores, a Prefeitura Municipal organizou escoltas armadas, – ora guarnecidas por empresas de segurança privada, ora pela Guarda Municipal, ora pela Polícia Militar, vinculada ao Governo do Estado.
Como explica o Dr. Jorge Luiz Souto Maior, no artigo aludido: “Pelos parâmetros legais não é possível obrigar os trabalhadores retornarem ao trabalho, mesmo no caso de atividades essenciais, pois como preconizado pelo art. 12 da lei em comento, não se chegando ao comum acordo, cumpre ao Poder Público assegurar a prestação dos serviços indispensáveis e não conduzir os trabalhadores, manu militari, aos postos de trabalho.”
Nada disso foi levado em conta, quando a Justiça do Trabalho, em primeira instância, decidiu aplicar um interdito proibitório que passou a vedar, durante a greve, a presença de vários grevistas considerados líderes e articuladores, do raio de 500m de qualquer gerência da Comlurb, onde houvesse outros trabalhadores. Dessa maneira, coibiu-se uma das atividades centrais do exercício do direito de greve, que é a organização dos piquetes, voltados a pacificamente promover as razões da greve e esclarecer sobre os direitos do trabalhador.
Simultaneamente, a Comlurb iniciou uma campanha de desmoralização sistemática dos trabalhadores grevistas, com desinformação e verdadeiras ações difamatórias pelas redes sociais, usando os endereços de correio eletrônico e números de telefone dos funcionários. O objetivo da empresa e da Prefeitura foi procurar, das maneiras mais maquiavélicas, perante a sociedade e a categoria, fazer recair a responsabilidade pela paralisação aos trabalhadores grevistas, um peso que tem por objetivo favorecer o empregador na posterior negociação e isolar os articuladores da mobilização.
A ação dos piquetes se tornou, a seguir, o motivo principal para o rol de perseguições que se seguiria ao final da greve, apesar do Art. 6º da Lei n.º 7.783/89: “são assegurados aos grevistas, dentre outros direitos: I – o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve”.
REPRESÁLIAS DEPOIS DA GREVE DE 2015 - MAIS DE 70 DEMISSÕES:
Na sexta-feira, dia 20 de março, assembleia autoconvocada pelos funcionários da Comlurb decidiu por fim à greve de 2015. Acordou-se por um ajuste de 8%, em vez dos 3% originalmente propostos, além da concessão de horas extras aos garis envolvidos na coleta, e auxílio funeral de até R$ 800,00. Não foi reajustado o valor do tíquete refeição, congelado em R$ 20,00.
Finda a greve, se iniciou uma sequência de perseguições descaradamente orientadas a punir os trabalhadores grevistas, com foco nos principais articuladores. Coincidentemente, esses articuladores teriam acumulado advertências e avaliações de mau desempenho para, no mês seguinte ao final da greve, serem despedidos. Até o final de abril, mais de 70 funcionários da Comlurb foram despedidos, cobrindo as principais lideranças, como Célio Viana e Bruno da Rosa, e grevistas envolvidos nas ações dos piquetes. A Comlurb classificou as demissões como por “justa causa”. Outros funcionários foram transferidos para gerências distantes de onde moram.
Não é preciso maior exercício mental para concluir como as transferências e demissões não decorreram de critérios formais meritocráticos de baixo desempenho, mas foram, sim, retaliações diretas, a fim de punir individualmente e disseminar a cultura do medo coletivamente. É o que pensa, também, o professor da USP Dr. Souto Maior: “Mesmo sem adentrar os detalhes de cada caso específico fica muito fácil perceber que o ato foi uma represália pela greve e mais ainda pela derrota experimentada pela Comlurb e pelo Município na greve do ano passado”.
O caso se agrava se considerarmos que a Comlurb é uma empresa com maioria de capital público, devendo não somente atender à função social, como também garantir a proteção aos direitos do trabalhador e do cidadão.
Em reportagem publicada no Jornal do Brasil, “Garis que fizeram greve são demitidos no Rio” , de 29 de abril, os funcionários relatam a perseguição sistemática que sofreram a partir do final da greve, com advertências e transferências inopinadas. O advogado de vários dentre os despedidos, Dr. Denis Melo, classificou as demissões como “políticas” e “antissindicais”: “Temos a Súmula 316, do Superior Tribunal Federal, que garante não ser falta grave uma paralisação, desde que não haja violência comprovada. Os atos denunciados de supostas violências por parte dos grevistas nem foram apurados ainda e a greve não foi considerada abusiva.”
Paralelamente, foram iniciados inquéritos pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, com o fito de investigar as ações dos piquetes, bem como o descumprimento da ordem judicial de afastamento dos grevistas das aglomerações de trabalhadores nas gerências da Comlurb. Os trabalhadores já perseguidos na esfera do emprego, passaram a também ser procurados criminalmente, num ataque combinado aos direitos constitucionais de associação, manifestação e greve.
Mais do que perseguição a líderes e articuladores, está em curso uma vingança institucional promovida pela empresa e a Prefeitura, contra as conquistas obtidas pela categoria em 2014 e 2015. O objetivo é calar uma categoria historicamente oprimida por múltiplos fatores: invisibilidade da condição laboral, preconceito e racismo. A maioria dos funcionários da Comlurb é negra ou parda, e mora em comunidades ou bairros vulnerabilizados. Como se a dignidade conquistada nos últimos anos fosse, agora, novamente colocada na berlinda por quem não admite a conscientização e mobilização dos garis.
Vale escutar Celio Viana, o “Celio Gari”, em seu texto-desabafo logo depois da demissão, “Fui demitido porque saí da senzala” . A condição de Celio como cabeça da chapa (candidato a presidente) de oposição na eleição sindical de fevereiro de 2015, não lhe rendeu nenhuma imunidade legal, tendo sido despedido também por “justa causa” apenas um mês depois do fim da greve.
A “coincidência” neste caso foi tão grande que, um dia antes de receber a carta de demissão, Celio havia participado de audiência pública na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, cujo título era: “O direito de greve e manifestação na cidade do Rio de Janeiro” .
CONCLUSÃO
Em face de todo o exposto neste relatório de violações, cujos anexos comprovam cabalmente a sua veracidade, vimos requerer ação urgente no sentido de:
- 1) Esclarecimentos minuciosos por parte da Comlurb, da Prefeitura Municipal e do Governo do Estado do Rio de Janeiro, sobre as ações tomadas durante e depois da greve, aqui relatadas;
- 2) Readmissão dos funcionários demitidos e anulação dos atos administrativos retaliatórios ao exercício do direito de greve, como transferências ou punições;
- 3) Instauração de processos administrativos, cíveis e criminais contra os responsáveis pelos atos abusivos contra os trabalhadores;
- 4) Instauração de CPI na Câmara dos Vereadores para apurar os abusos cometidos pela Comlurb e a Prefeitura, na gestão da greve e na determinação das retaliações e perseguições;
- 5) Medidas urgentes para prevenir a ocorrência de mais violações;
- 6) Ampla divulgação na imprensa e inclusão dos resultados nos Relatórios Anuais sobre Direitos Humanos das entidades competentes.
Atenciosamente,
CÍRCULO LARANJA - CÍRCULO DE CIDADANIA -
Rio de Janeiro, 13 de maio de 2015.
--
Referências:
[1] - . http://
[2] - http://www.jb.com.br/rio/
[3] - http://outraspalavras.net/
[4] - http://tinyurl.com/lwghlv4
Fonte: Círculo de Cidadania
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