PICICA: "A propósito das comemorações dos 70 anos da gigantesca vitória na Grande Guerra Patriótica (a.k.a. 2ª Guerra Mundial)
Eis o axioma que informa este textículo
(!): toda e qualquer referência laudatória ou promotora de “ditaduras”
deve ser feita pelas forças sociais conservadoras – nunca pelo campo progressista."
Sobre o Significante-Arma, ou: Contra a “Ditadura do Proletariado”
Por Fernando Nogueira
A propósito das comemorações dos 70 anos da gigantesca vitória na Grande Guerra Patriótica (a.k.a. 2ª Guerra Mundial)
Eis o axioma que informa este textículo
(!): toda e qualquer referência laudatória ou promotora de “ditaduras”
deve ser feita pelas forças sociais conservadoras – nunca pelo campo progressista.
Comecemos com rudimentos de Semiótica. Já
dizia o velho Ferdinand de Saussure, retomado por tantos como Roland
Barthes, Roman Jakobson, Jacques Lacan: o signo – principal operador da
linguagem – é composto de dois elementos, não vinculados ontologicamente
entre si: o significante (imagens-que-formam-palavras/ideogramas e
sons-que-formam-fonemas emitidos pelo ser falante) e significado (o
sentido lógico, filosófico, social, político etc que se busca
expressar); a precária junção do significante e significado faz
possível a comunicação lingüística – faz possível se expressar ou se
indicar ou se descrever algo através de palavras ditas ou escritas – ,
mas também torna toda a dinâmica comunicacional humana mais aberta e
instável.
Não à toa que Mikhail Bakhtin, teórico
soviético hoje muito festejado no campo da lingüística, afirmou com
muita contundência o seguinte:
“O ser, refletido no signo, não apenas nele se reflete, mas também se refrata. O que é que determina esta refração do ser no signo ideológico? O confronto de interesses sociais nos limites de uma só e mesma comunidade semiótica, ou seja: a luta de classes.”[1]
O signo – fenômeno central da linguagem –
é um campo de tensões e disputas ininterrupto, onde choques e
enfrentamentos se dão, e guerras de posição e de movimento são travadas a
todo momento.
(…) classes sociais diferentes servem-se de uma só e mesma língua. Conseqüentemente, em todo signo ideológico confrontam-se índices de valor contraditórios. O signo se torna a arena onde se desenvolve a luta de classes.[2]
Daí que até mesmo no ato de fala ou de
escrita há dimensões táticas e estratégicas a serem levadas em conta.
Dizendo com J.L. Austin, pode-se fazer coisas com palavras. Ou seja: há uma dimensão material muito candente em todo e qualquer ato de linguagem.
É o caso do signo “ditadura”, no contexto latino-americano, desde os idos dos anos 60.
O esforço homérico de vagas e vagas de
militantes e ativistas, ao longo de décadas, em se utilizar desse
significante “ditadura” como uma arma contra o arbítrio, a
tortura, o estupro e o extermínio – ao soldar à referida palavra um
significado profundamente pejorativo, ofensivo e também mobilizador –
lança nova luz sobre a (im)pertinência do uso do termo “ditadura do
proletariado” ainda hoje.
Como bem se sabe (salvo a claque
liberal-conservadora, que não sabe ou finge não saber), o que se
investiga sob o incômodo termo “ditadura do proletariado” são as
possibilidades de uma “antiditadura“:
são as formas com que as amplas maiorias – desde sempre alijadas do
processo político e da riqueza socialmente produzida – podem forjar e
gerir um governo de fato democrático – rumo a uma sociedade mais justa e
solidária.
Todavia, evitar “tiros no pé” é necessário.
É preciso que campos mais avançados
politicamente da sociedade abram mão de suas vaidades militantes e/ou
intelectuais e reconheçam de uma vez por todas que 1) uma derrota
acachapante se deu com o fim da Guerra Fria (e deve-se fazer uma
contemporização com isso), e 2) que o discurso é também campo de batalha para a emancipação humana. O
agarrar-se irracionalmente a esses termos – e teorias, e símbolos, e
estilos de direção – arcaicos e “satanizados” desde há muito é, com
efeito, totalmente vazio de dimensões táticas e estratégicas e
não contribui para o repensamento e a recriação de caminhos para uma
sociedade realmente democrática.
Em suma: é inadmissível a reivindicação
de qualquer “ditadura” aqui na América Latina – ainda que, após uma
longa e prolixa explicação, venha a se desfazer o mal-entendido ante um
ou outro interlocutor. Em tempos onde ações coletivas são necessárias,
até se explicar que “focinho de porco não é tomada” muitos dos grupos
que porventura poderiam fazer coro à real democratização da sociedade
brasileira e latinoamericana já terão caído no canto de sereia dos
engodos liberais-conservadores que se postam como antiditatoriais, mas
que na verdade são prenhes de um autoritarismo velado, mas sangrento e
virulento.
O significante “ditadura do proletariado” deve ser abandonado peremptoriamente.
Já quanto ao significado de “ditadura do proletariado” – e sua compreensão/reformulação contemporânea, a história pode ser outra.
[1] BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 12. ed. São Paulo: HUCITEC, 2006. P. 45
[2] BAKHTIN, Mikhail. Op. cit. P. 45
Fonte: Brasil em 5
Nenhum comentário:
Postar um comentário