PICICA: "“O que você faz?” é uma pergunta comum
em conversas de apresentação, geralmente respondida com um “Sou
engenheiro, sou médico, sou padeiro, etc…”. Em relatos sobre vida
passadas, impressiona que rainha, sacerdote, barbeiro, escriba ou
capitão venha antes de um nome. Não é curioso que sejamos definidos por
nosso trabalho, como se isso fosse parte fundamental do que somos? Não.
Não em uma sociedade de consumo, utilitária, como a nossa."
Trabalho, logo, não sou
“O que você faz?” é uma pergunta comum
em conversas de apresentação, geralmente respondida com um “Sou
engenheiro, sou médico, sou padeiro, etc…”. Em relatos sobre vida
passadas, impressiona que rainha, sacerdote, barbeiro, escriba ou
capitão venha antes de um nome. Não é curioso que sejamos definidos por
nosso trabalho, como se isso fosse parte fundamental do que somos? Não.
Não em uma sociedade de consumo, utilitária, como a nossa.
Pra
ser sincero, se a intenção é realmente conhecer alguém a pergunta
deveria ser: “Que profissional você seria se dinheiro não fosse
problema?”. Não que as pessoas não insistam em seus sonhos mesmo que
estes sejam desmerecidos pela sociedade. Ou você acha que se tornar
professor é sadismo? No mundo atual – e das vidas passadas – poucos são
os que trabalham simplesmente por gosto. Há – e sempre houve – uma
enorme necessidade de se ter uma renda e pressão social para sermos o
mais bem sucedidos possível. O que muda atualmente é que vivemos sob a
falsa ilusão de que, através do trabalho, todos amontoaremos
incalculáveis fortunas.
Diversas são as motivações que nos levam
ao trabalho, e incalculáveis são as maneiras com que profissionais o
exercem. Então, assim como não supomos que todo advogado é um vigilante
da justiça pronto para defender pessoas de bem dos infortúnios e das
opressões da vida, não faz muito sentido utilizar nossas ocupações como
resumo biográfico. Talvez o que possamos deduzir a partir do trabalho de
alguém é o grau de respeito que a sociedade lhe atribui. Contudo,
apesar de não haver exemplos de ricos e poderosos sem educação formal,
nessa semana fomos, mais uma vez, testemunhas do tratamento desumano
oferecido aos profissionais da educação.
Em uma época que tanto brada o poder transformador do esforço individual,
e que valoriza tanto profissionais com competências múltiplas, é no
mínimo curioso o pouco crédito dispensado à atividade docente. Se
através do estudo somos capazes de transcender nossas dificuldades,
então como as peças fundamentais do ensino são tão desmotivadas em suas
remunerações e condições de trabalho?
Em toda cultura, desde as mais antigas,
aqueles responsáveis pela transmissão do aprendizado sempre foram
valorizados intelectual e moralmente, contudo, é bastante difícil
associar essa atividade a reconhecimento material. Ou seja, o mercado de
trabalho nunca foi lá muito coerente. Nem mesmo o mais essencial dos
cargos diz tudo sobre alguém. Ainda ouvimos falar muito em vocação, mas
raramente damos oportunidades para a exploração individual de nossas
potencialidades. Os anúncios de emprego não dão conta das inúmeras
capacidades e das necessidades humanas. Portanto, estar inserido numa
vaga de emprego, geralmente, diz mais sobre o que abrimos mão de ser
para nos encaixarmos nas exigências do mercado, ao invés daquilo que
idealmente somos ou poderíamos ser.
O mais irônico é que esse mercado
alimenta a ilusão de individualidade para nos fazer consumir mais, ao
passo que coloca-nos como peças iguais de uma engrenagem que não pode
parar. Para ele, somos essenciais, mas também substituíveis, já que a
próxima onda de pessoas a ser validada por seu trabalho está sempre
vindo, em uma maré de fluxo que sempre transborda.
Quando só valemos pelo que fazemos, não
somos pessoas e sim peões. Peças de um jogo. Não vou me surpreender se
de repente, no futuro, as sessões de regressão revelarem que nessa época
só existiam escravos. Pessoas que passaram a vida toda vida
trabalhando, mas não conseguiram construir nada além de um nome limpo ou
dívidas no cartão de crédito.
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Fonte: Portal Fórum
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