PICICA: "Massacre de professores no Paraná é apenas mais um capítulo da
trágica história da promíscua relação da elite brasileira com o aparato
do Estado"
A elite brasileira é burra
Massacre de professores no Paraná é apenas mais um capítulo da trágica história da promíscua relação da elite brasileira com o aparato do Estado
A inaceitável repressão policial aos professores do Paraná, comandada pela Polícia Militar e referendada pelo governador Beto Richa (PSDB),
é, infelizmente, apenas mais um capítulo da trágica história da
promíscua relação da elite brasileira com o aparato do Estado. E aqui
deixo claro que entendo como “elite brasileira” não só aquela velha
minoria – cerca de 10% da população – que detém 75% de toda a riqueza do
país, e, por consequência, exerce desde sempre o Governo de forma
direta ou por meio de prepostos, mas também a nova classe política que,
ascendendo de movimentos populares (sindicatos, associações) ou
pronunciando-se em nome de igrejas evangélicas, tomba emaranhada no
cipoal de corrupção que caracteriza a nossa estrutura de poder.
Parece não haver dúvida – pelo menos a maioria dos discursos, amadores ou profissionais, convergem para a mesma solução – de que para o Brasil desatolar-se do pântano em que está afundado e ancorar-se em terra firme teria que investir em uma ampla e vigorosa reforma educacional. Se começássemos hoje, talvez conseguíssemos salvar a próxima geração. Mas esse projeto, sempre adiado, acabou nos envolvendo em uma frustrante sensação de que somos, em uma festa, aquele sujeito inconveniente que todos evitam e que apenas gera piadas e comentários desabonadores entre os outros convidados.
Quando em 1985 os militares deixaram o poder,
após 21 anos de ditadura, o país estava em ruínas. A inflação
ultrapassava os 200% ao ano, a dívida externa girava em torno de 54% do
Produto Interno Bruto (PIB), o desemprego alcançava 9% da população
economicamente ativa e os sistemas de educação e saúde encontravam-se
desmantelados. Pior que tudo, sem perspectivas, os jovens começaram a
deixar o país. Estima-se que 1,5 milhão de pessoas tenham ido embora
para os Estados Unidos, Japão, Portugal e outros países da Europa.
Cerca de 15 anos depois, com o crescimento do PT e a instalação de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República, notou-se um movimento de regresso ao Brasil – as embaixadas chegaram a deslocar diplomatas para orientar os retornados, tal a demanda. Pouco durou, no entanto, esse entusiasmo. A sucessão de escândalos envolvendo membros da cúpula do PT confirmou o que o escritor e teólogo Frei Betto denunciava há tempos, que o partido trocou um projeto de governo por um projeto de poder.
A educação vem sendo tratada, desde tempos imemoriais, como uma questão de sobrevivência da nossa elite, ou seja, o mais eficaz mecanismo de perpetuação de seus privilégios – econômicos, políticos, culturais. Se é verdade, e é, que o governo petista modificou com ousadia e coragem alguns aspectos do ensino superior – o aumento substantivo de vagas nas universidades públicas, o estabelecimento de cotas raciais e sociais, o financiamento de alunos em universidades privadas – é também verdade que, no que concerne à instrução básica, a situação é desoladora.
Ocupamos os últimos lugares no ranking que avalia o desempenho escolar no mundo: cerca de 10% da população permanece analfabeta e 20% são classificados como analfabetos funcionais – ou seja, um em cada três brasileiros adultos não tem capacidade para ler e interpretar os textos mais simples. As instituições públicas de ensino básico funcionam, na maioria das vezes, em ambientes degradados, com professores desestimulados por conta da baixa remuneração, pequena inserção social, insalubridade, etc, e ainda atormentados pelo medo, medo dos alunos, medo dos pais dos alunos – a ditadura militar conseguiu destruir na sociedade civil a crença na importância da autoridade. Não é tão diferente o quadro nas escolas privadas, cujas mensalidades podem ultrapassar os 1,5 mil dólares: arrogante, a nossa elite trata os mestres de seus filhos como subalternos, não como aliados.
Baixa instrução é sinônimo de ignorância. E ignorância é incapacidade de diálogo, é opção pela violência. De cada 100 assassinatos ocorridos no mundo, 13 ocorrem no Brasil
– proporcionalmente, ocupamos o 11º lugar geral no ranking de
homicídios. Somos ainda o sétimo lugar entre os países com maior número
de mulheres vítimas de violência doméstica, taxa média de 4,5
assassinatos por grupo de 100 mil habitantes, com um saldo, na última
década, de 50.000 mulheres mortas. Outras 50.000 pessoas, em sua maioria
mulheres, são estupradas por ano. Também por ano acumulamos mais de
120.000 denúncias de maus-tratos contra crianças e adolescentes e 313 homossexuais são mortos por conta de suas opções.
Baixa instrução é sinônimo de ignorância. E a ignorância leva a uma enorme predisposição para relativizar princípios éticos. A corrupção, cujo custo anual alcança cerca de 2% do total do PIB, é uma praga que atinge toda a sociedade. Herança de uma certa mentalidade colonial, que toma como privado o bem público, que desdenha o valor do trabalho e que leva em consideração apenas seus interesses pessoais, a cultura da corrupção contamina as instituições federal, estadual e municipal, contagia os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, infecciona o tecido social. O chamado “jeitinho brasileiro”, do qual muitas vezes nos orgulhamos, nada mais é que uma maneira de cometer ilegalidades no dia a dia, envolvendo dinheiro, tráfico de influência ou troca de favores.
Baixa instrução é sinônimo de ignorância. E ignorância é a inabilidade para construir raciocínios sofisticados. Como pensar é exercício penoso, acabamos optando pelo fácil, mas arriscado, caminho da lógica binária. Reduzimos o mundo a um confronto insano entre forças do bem e do mal, sendo que nós e todos os que defendem pontos de vista semelhantes aos nossos representamos o bem, enquanto o mal incorpora-se naquela massa informe que diverge de nossas opiniões. Assim, tornamos rasas nossas discussões, mesquinhas as reivindicações, belicosas as contestações, medíocre a sociedade. Acuados, pouco a pouco nos enterramos em trincheiras fundamentalistas que nos conduzem de maneira rápida e irreversível à barbárie.
Baixa instrução é sinônimo de ignorância. E ignorância é um dique que
erguemos para deter o desenvolvimento econômico. Dos adolescentes
brasileiros de 15 a 17 anos, apenas 44% frequentam o ensino médio. Na
população de 18 a 24 anos, um terço chega à universidade, mas 39% ainda
encontram-se no nível médio e 16% no fundamental. Segundo dados da
Fundação Getúlio Vargas, 15% dos jovens que entram no mercado de
trabalho sem completar o ensino fundamental estão desempregados e 30%
têm emprego sem carteira assinada. Cada ano de escolaridade nos ensinos
médio e superior eleva a renda per capita em meio ponto percentual. A
falta de instrução adequada emperra o crescimento do país pela falta de
mão de obra qualificada.
Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, um professor em início de carreira no ensino público fundamental brasileiro recebe, em média, 10.000 dólares por ano – três vezes menos que a média salarial dos países membros daquela associação. No Paraná, um professor recebe, em regime de 40 horas semanais, 2.400 reais, e um policial militar, 3.600 reais. Um professor educa e instrui, um policial militar reprime. Richa é uma jovem liderança – no próximo dia 29 de julho completará 50 anos – e nome de destaque entre os tucanos. Provavelmente, vamos ouvir falar muito dele ainda. Entre professores e policiais militares, o governador demonstrou sua preferência.
O problema não é que ele pense deste jeito – o problema é que assim pensa nossa elite burra.
Fonte: El País (Brasil)
Parece não haver dúvida – pelo menos a maioria dos discursos, amadores ou profissionais, convergem para a mesma solução – de que para o Brasil desatolar-se do pântano em que está afundado e ancorar-se em terra firme teria que investir em uma ampla e vigorosa reforma educacional. Se começássemos hoje, talvez conseguíssemos salvar a próxima geração. Mas esse projeto, sempre adiado, acabou nos envolvendo em uma frustrante sensação de que somos, em uma festa, aquele sujeito inconveniente que todos evitam e que apenas gera piadas e comentários desabonadores entre os outros convidados.
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Cerca de 15 anos depois, com o crescimento do PT e a instalação de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República, notou-se um movimento de regresso ao Brasil – as embaixadas chegaram a deslocar diplomatas para orientar os retornados, tal a demanda. Pouco durou, no entanto, esse entusiasmo. A sucessão de escândalos envolvendo membros da cúpula do PT confirmou o que o escritor e teólogo Frei Betto denunciava há tempos, que o partido trocou um projeto de governo por um projeto de poder.
A educação vem sendo tratada, desde tempos imemoriais, como uma questão de sobrevivência da nossa elite, ou seja, o mais eficaz mecanismo de perpetuação de seus privilégios – econômicos, políticos, culturais. Se é verdade, e é, que o governo petista modificou com ousadia e coragem alguns aspectos do ensino superior – o aumento substantivo de vagas nas universidades públicas, o estabelecimento de cotas raciais e sociais, o financiamento de alunos em universidades privadas – é também verdade que, no que concerne à instrução básica, a situação é desoladora.
Ocupamos os últimos lugares no ranking que avalia o desempenho escolar no mundo: cerca de 10% da população permanece analfabeta e 20% são classificados como analfabetos funcionais – ou seja, um em cada três brasileiros adultos não tem capacidade para ler e interpretar os textos mais simples. As instituições públicas de ensino básico funcionam, na maioria das vezes, em ambientes degradados, com professores desestimulados por conta da baixa remuneração, pequena inserção social, insalubridade, etc, e ainda atormentados pelo medo, medo dos alunos, medo dos pais dos alunos – a ditadura militar conseguiu destruir na sociedade civil a crença na importância da autoridade. Não é tão diferente o quadro nas escolas privadas, cujas mensalidades podem ultrapassar os 1,5 mil dólares: arrogante, a nossa elite trata os mestres de seus filhos como subalternos, não como aliados.
A educação vem sendo tratada, desde tempos
imemoriais, como uma questão de sobrevivência da nossa elite, ou seja, o
mais eficaz mecanismo de perpetuação de seus privilégios
Baixa instrução é sinônimo de ignorância. E a ignorância leva a uma enorme predisposição para relativizar princípios éticos. A corrupção, cujo custo anual alcança cerca de 2% do total do PIB, é uma praga que atinge toda a sociedade. Herança de uma certa mentalidade colonial, que toma como privado o bem público, que desdenha o valor do trabalho e que leva em consideração apenas seus interesses pessoais, a cultura da corrupção contamina as instituições federal, estadual e municipal, contagia os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, infecciona o tecido social. O chamado “jeitinho brasileiro”, do qual muitas vezes nos orgulhamos, nada mais é que uma maneira de cometer ilegalidades no dia a dia, envolvendo dinheiro, tráfico de influência ou troca de favores.
Baixa instrução é sinônimo de ignorância. E ignorância é a inabilidade para construir raciocínios sofisticados. Como pensar é exercício penoso, acabamos optando pelo fácil, mas arriscado, caminho da lógica binária. Reduzimos o mundo a um confronto insano entre forças do bem e do mal, sendo que nós e todos os que defendem pontos de vista semelhantes aos nossos representamos o bem, enquanto o mal incorpora-se naquela massa informe que diverge de nossas opiniões. Assim, tornamos rasas nossas discussões, mesquinhas as reivindicações, belicosas as contestações, medíocre a sociedade. Acuados, pouco a pouco nos enterramos em trincheiras fundamentalistas que nos conduzem de maneira rápida e irreversível à barbárie.
Cada ano de escolaridade nos ensinos médio e
superior eleva a renda per capita em meio ponto percentual. A falta de
instrução adequada emperra o crescimento do país
Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, um professor em início de carreira no ensino público fundamental brasileiro recebe, em média, 10.000 dólares por ano – três vezes menos que a média salarial dos países membros daquela associação. No Paraná, um professor recebe, em regime de 40 horas semanais, 2.400 reais, e um policial militar, 3.600 reais. Um professor educa e instrui, um policial militar reprime. Richa é uma jovem liderança – no próximo dia 29 de julho completará 50 anos – e nome de destaque entre os tucanos. Provavelmente, vamos ouvir falar muito dele ainda. Entre professores e policiais militares, o governador demonstrou sua preferência.
O problema não é que ele pense deste jeito – o problema é que assim pensa nossa elite burra.
Fonte: El País (Brasil)
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