PICICA: "“O governo estadual elegeu abocanhar o Fundo Previdenciário dos servidores como única forma de sanar a crise financeira em que se meteu”, critica João Stefaniak, ao comentar as razões que motivaram o início da greve dos professores no Paraná,
na semana passada. Segundo ele, os professores são contrários à lei que
propõe mudanças na Previdência, porque “os valores que existem no Fundo Previdenciário - FP,
cerca de oito bilhões de reais, nunca receberam a contribuição patronal
devida, portanto pertencem exclusivamente aos servidores. Ao realizar a
segregação de massa, com a transferência do pagamento de aposentados
que nunca contribuíram para o FP, o governo coloca em risco a solvência
da Paraná Previdência”. Na avaliação do professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa,
a “lei aprovada pela Assembleia Legislativa do PR formaliza um
verdadeiro crime de apropriação indébita do patrimônio dos servidores”.
Na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Stefaniak esclarece ainda que outras razões motivaram a greve dos professores,
como “o não pagamento de 1/3 de férias; a rescisão de contrato de
professores temporários, sem o pagamento de verbas rescisórias; a
tentativa de acabar com direitos históricos como o quinquênio dos
servidores públicos; a suspensão de liberação de verbas de custeio das
universidades públicas; a suspensão de atendimento médico aos
servidores, pela falta de pagamento aos médicos, entre outras”. Para
ele, a atual situação dos servidores públicos no estado do Paraná
representa “um processo já manjado de sucateamento do serviço público
para depois privatizá-lo e entregar às grandes corporações que já
dominam o mercado do ensino privado brasileiro”.
Stefaniak também comenta os atos de violência que marcaram as manifestações na semana passada, e as tentativas do governo Beto Richa de justificar a situação. “O governo tentou primeiramente justificar a ação da polícia como resposta a ação de supostos ‘black blocs’ infiltrados no movimento e agora culpa o comando da PM
pela violência. (...) As polícias militares no país podem ser
ineficazes e inoperantes para o combate ao crime organizado, mas elas
são bem treinadas para reprimir os movimentos sociais.”
João Stefaniak é
graduado em Direito, especialista em Direito do Trabalho e Direito
Processual do Trabalho e mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela
Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG"
Greve dos professores do Paraná: a luta pela defesa da educação pública e de boa qualidade. Entrevista especial com João Stefaniak
“Uma diferença importante é
que a greve dos professores paranaenses não foi motivada por questões
salariais. Foi uma greve contra o ‘pacote de maldades’ do governo
estadual”, afirma o professor.
“O governo estadual elegeu abocanhar o Fundo Previdenciário dos servidores como única forma de sanar a crise financeira em que se meteu”, critica João Stefaniak, ao comentar as razões que motivaram o início da greve dos professores no Paraná,
na semana passada. Segundo ele, os professores são contrários à lei que
propõe mudanças na Previdência, porque “os valores que existem no Fundo Previdenciário - FP,
cerca de oito bilhões de reais, nunca receberam a contribuição patronal
devida, portanto pertencem exclusivamente aos servidores. Ao realizar a
segregação de massa, com a transferência do pagamento de aposentados
que nunca contribuíram para o FP, o governo coloca em risco a solvência
da Paraná Previdência”. Na avaliação do professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa,
a “lei aprovada pela Assembleia Legislativa do PR formaliza um
verdadeiro crime de apropriação indébita do patrimônio dos servidores”.
Na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Stefaniak esclarece ainda que outras razões motivaram a greve dos professores,
como “o não pagamento de 1/3 de férias; a rescisão de contrato de
professores temporários, sem o pagamento de verbas rescisórias; a
tentativa de acabar com direitos históricos como o quinquênio dos
servidores públicos; a suspensão de liberação de verbas de custeio das
universidades públicas; a suspensão de atendimento médico aos
servidores, pela falta de pagamento aos médicos, entre outras”. Para
ele, a atual situação dos servidores públicos no estado do Paraná
representa “um processo já manjado de sucateamento do serviço público
para depois privatizá-lo e entregar às grandes corporações que já
dominam o mercado do ensino privado brasileiro”.
Stefaniak também comenta os atos de violência que marcaram as manifestações na semana passada, e as tentativas do governo Beto Richa de justificar a situação. “O governo tentou primeiramente justificar a ação da polícia como resposta a ação de supostos ‘black blocs’ infiltrados no movimento e agora culpa o comando da PM
pela violência. (...) As polícias militares no país podem ser
ineficazes e inoperantes para o combate ao crime organizado, mas elas
são bem treinadas para reprimir os movimentos sociais.”
João Stefaniak é
graduado em Direito, especialista em Direito do Trabalho e Direito
Processual do Trabalho e mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela
Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG.
Confira a entrevista.
Foto: fotospublicas.com |
João Stefaniak - O governo estadual deseja se apropriar da poupança previdenciária dos servidores do Paraná para cobrir rombos no caixa do Estado. Os valores que existem no Fundo Previdenciário - FP,
cerca de oito bilhões de reais, nunca receberam a contribuição patronal
devida, portanto pertencem exclusivamente aos servidores. Ao realizar a
segregação de massa, com a transferência do pagamento de aposentados
que nunca contribuíram para o FP, o governo coloca em risco a solvência
da Paraná Previdência. A lei aprovada pela Assembleia
Legislativa do PR formaliza um verdadeiro crime de apropriação indébita
do patrimônio dos servidores. Apesar da conivência dos juízes
paranaenses, que foram agraciados com o auxílio-moradia concedido por Beto Richa, acredito que é possível que seja declarada a ilegalidade da lei aprovada pela Assembleia Legislativa.
IHU On-Line - Que outras razões
motivaram a greve dos professores? Que reivindicações os professores
estão fazendo durante a greve?
João Stefaniak - Foram muitas razões que motivaram a greve
no seu início: o não pagamento de 1/3 de férias; a rescisão de contrato
de professores temporários, sem o pagamento de verbas rescisórias; a
tentativa de acabar com direitos históricos como o quinquênio dos
servidores públicos; a suspensão de liberação de verbas de custeio das
universidades públicas; a suspensão de atendimento médico aos
servidores, pela falta de pagamento aos médicos, entre outras.
Posteriormente ficou claro que muitas das medidas anunciadas pelo
governo eram moeda de troca na negociação, pois a principal intenção do
governador era se apropriar dos valores do Fundo Previdenciário para
tentar salvar as finanças do Estado, que ele quebrou após uma
administração desastrosa.
IHU On-Line - A imprensa
noticiou casos de violência e confronto entre professores e policiais.
Pode nos explicar como a política reagiu às manifestações?
João Stefaniak - As imagens que proliferam na mídia e nas redes sociais retratam o verdadeiro massacre imposto
aos professores, alunos e servidores que protestavam no dia 29 de
abril, data que ficará tristemente marcada na história do Paraná. O
governo tentou primeiramente justificar a ação da polícia como resposta à
ação de supostos “black blocs” infiltrados no movimento e agora culpa o comando da PM pela violência. O comandante da PMPR foi exonerado e saiu atirando contra o secretário Francischini, da Segurança Pública. Alguns políticos se afastaram do desgastado governador e sua base aliada na Assembleia Legislativa do Paraná - ALEP foi reduzida. Muitos municípios estão votando a revogação da lei que concedeu a cidadania honorária ao Beto Richa. A reação da sociedade civil foi muito forte, se colocando ao lado dos professores.
"As imagens que proliferam na mídia e nas redes sociais retratam o verdadeiro massacre imposto aos professores, alunos e servidores que protestavam no dia 29 de abril" |
IHU On-Line - Como analisa a cobertura da imprensa ao episódio?
João Stefaniak - Parte da chamada “grande imprensa”
se limitou a reproduzir a versão do governo, que era obviamente
falaciosa, como, por exemplo, a rede de televisão de propriedade de Ratinho Massa. O seu filho Ratinho Junior é secretário e um dos principais aliados de Beto Richa no Paraná. No entanto, a grande diferença da cobertura jornalística daqui em relação ao resto do país é a rixa da RPC — que é a repetidora da Globo e dona da Gazeta do Povo, principal jornal do Paraná — com o Richa
(desculpe o trocadilho). Em consequência disso podemos afirmar que a
cobertura do movimento dos professores pela imprensa foi relativamente
imparcial.
IHU On-Line - Enquanto no Brasil
ocorria esse episódio de repressão ligado aos professores do Paraná,
nos EUA, em Baltimore, a polícia reprimia duramente as manifestações da
população contra o assassinato de um jovem negro. Vê relação entre o
modus operandi policial em ambos os casos? Por quê?
João Stefaniak - A repressão aos movimentos sociais é articulada globalmente. A PM do Paraná durante o governo Jaime Lerner foi treinada em Israel.
Ela incorporou em seu protocolo de procedimentos as mesmas táticas que
são adotadas contra a rebelião palestina pelas forças armadas daquele
país. As polícias militares no país podem ser ineficazes e inoperantes
para o combate ao crime organizado, mas elas são bem treinadas para
reprimir os movimentos sociais.
IHU On-Line - Como a população paranaense se manifestou em relação à greve dos professores?
João Stefaniak - A
população paranaense ficou estarrecida e chocada com as cenas que viram.
As pessoas identificaram nas imagens da TV ou divulgadas nas redes
sociais professores e alunos que eram delas conhecidos. Ver pessoas que
você convive no seu dia a dia serem covardemente agredidas deixa qualquer um abalado. E o povo paranaense manifestou toda a sua indignação em eventos públicos: nos jogos do campeonato estadual,
nas apresentações artísticas e em diversas manifestações de apoio
espontâneas que foram convocadas pelas redes sociais. O apoio à greve
dos professores, que era tímido, virou uma grande onda de solidariedade.
O povo do Paraná grita uníssono: Fora Beto Richa!
"As polícias militares no país podem ser ineficazes e inoperantes para o combate ao crime organizado, mas elas são bem treinadas para reprimir os movimentos sociais" |
IHU On-Line - Como Beto Richa
sai desse confronto com os professores? É possível contornar a crise
educacional no estado do Paraná?
João Stefaniak - Avalio que Beto Richa sai politicamente morto desse episódio. Nós tivemos um episódio em 1988, em que o atual senador Álvaro Dias também mandou a cavalaria da PM para cima dos professores. No entanto, a conjuntura atual é outra. As imagens do ataque de Álvaro Dias contra os professores mal chegaram ao conhecimento da população e a “grande imprensa” abafou o episódio. Hoje quem tem acesso à internet pode ver as fotos e vídeos do massacre nas redes sociais, e a Globo deu uma grande cobertura ao evento. O desgaste de Beto Richa é enorme e não existe perspectiva de que o quadro, principalmente financeiro, de seu governo melhore.
Além das medidas contra os servidores
públicos, o governo também aprovou um conjunto de leis que aumentaram
substancialmente os impostos pagos pelo conjunto da população. A insatisfação é generalizada. Em relação à crise da educação,
nós temos que entender que ela é provocada pela gestão neoliberal do
Estado. O secretário da Educação indicado para o segundo governo de Richa, e que já caiu depois do massacre dos professores, foi Fernando Xavier Ferreira, que não entende absolutamente nada de educação. Ele foi braço direito do ex-ministro Sérgio Motta no governo FHC e um dos principais artífices do processo de privatização das teles e desde então foi executivo da Telefônica.
Foi colocado neste posto para comandar a privatização da educação no
Estado do Paraná. Então a “crise” da educação é proposital. É um
processo já manjado de sucateamento do serviço público para depois
privatizá-lo e entregar às grandes corporações que já dominam o mercado
do ensino privado brasileiro. Se o povo tirar estes governos que aplicam
estas políticas privatistas, a crise começará a acabar.
IHU On-Line - Qual a situação de Francischini, secretário de Educação, após os eventos do último dia 29?
João Stefaniak - O secretário Francischini é conhecido aqui no Paraná pelo singelo apelido de Batman.
Como nos seriados antigos, ele está naquele momento crucial onde o
herói é preso pelo vilão do dia e está prestes a ser executado em um
daqueles planos mirabolantes. Mas acredito que o Batman, desta vez, não
vai ser salvo pelo menino prodígio. O Robin do Francischini, no caso, é Beto Richa,
que está tentando de todas as formas repassar o desgaste do episódio do
massacre dos professores para outras costas. Se precisar fritar o
secretário de Segurança, ele fará.
"As PMs são controladas pelos governadores estaduais com o principal papel de reprimir a sociedade" |
IHU On-Line - Há relação entre
as manifestações dos professores paranaenses e as paralizações
dos professores nos outros estados?
João Stefaniak - Uma diferença importante é que a greve dos professores paranaenses não foi motivada por questões salariais. Foi uma greve contra o “pacote de maldades”
do governo estadual. Então a greve foi capitaneada pelos professores e
docentes das universidades estaduais, mas teve a adesão importante de
outras categorias de servidores: agentes penitenciários, da saúde, do
Detran, etc. Como citado anteriormente, a postura do grupo midiático que
retransmite a Globo no estado também foi um
diferencial, pois, no caso das outras greves, como a de São Paulo,
tomamos conhecimento quase que exclusivamente pelas redes sociais. Mas
acredito que existe um elemento unificador que pode dar um novo contorno
às greves docentes em curso, que é a reivindicação de defesa da educação pública e de boa qualidade. É uma pauta que aproxima as reivindicações da categoria com as demandas da população.
IHU On-Line - Quais as expectativas em relação à continuidade da greve? Como os professores devem agir nas próximas semanas?
João Stefaniak - Os professores da rede pública e das universidades estaduais continuam mobilizados. No caso da universidade daqui de Ponta Grossa,
a adesão de professores e o apoio dos alunos ao movimento grevista
aumentou. Existe um sentimento geral de indignação. Não tem sentido você
apanhar covardemente da PM num dia e no outro voltar para a sala de
aula. Seria uma capitulação vergonhosa.
IHU On-Line - Como percebe a intensa repercussão nas redes sociais acerca da repressão policial aos manifestantes?
João Stefaniak - As redes sociais
transmitiram em tempo real o que ocorria no Centro Cívico de Curitiba,
alimentadas por material enviado por quem estava lá sofrendo a repressão
da polícia militar. Foi graças às redes sociais que se consolidaram a
indignação e o apoio da população aos professores.
IHU On-Line - Como analisa a
conduta policial no acompanhamento das manifestações contra Dilma, em 15
de março e 12 de abril, e aquela feita pelos professores paranaenses?
Por que houve um tratamento tão diferenciado aos manifestantes?
João Stefaniak - Por
duas razões. A primeira diz respeito à radicalidade das reivindicações e
o estremecimento do cenário político. Na greve dos professores e demais
servidores públicos está em jogo seus direitos previdenciários, pois é
evidente que a aprovação do pacote do Beto Richa
colocaria em risco a própria possibilidade de os atuais e futuros
aposentados receberem seus benefícios. Por outro lado, o governo
estadual elegeu abocanhar o Fundo Previdenciário dos
servidores como única forma de sanar a crise financeira em que se meteu.
A ausência de diálogo por parte do governo, que apostava todas as
fichas na subserviência, tanto dos deputados como dos desembargadores
estaduais, foi o ingrediente explosivo deste contexto. A prepotência de Beto Richa impediu que ele calculasse os efeitos da ação repressiva contra os professores.
Já os movimentos de 12 de abril e 15 de março,
apesar de serem expressivos quantitativamente, não tiveram esta mesma
radicalidade. A maioria das pessoas que participaram destes atos queria
apenas extravasar sua indignação, no caso do dia 15 contra o governo
federal, e depois ir para casa. O dia 13 de março, ao
contrário, na minha avaliação foi um ato “chapa branca” que mal
disfarçou a sua real finalidade de tentar dar apoio à presidente Dilma e ao governo do PT.
A outra questão diz respeito ao papel das polícias militares. Acompanhei a ocupação das Forças Armadas na Favela da Maré, no Rio de Janeiro, e o que me impressionou foi que quando a PM retomou as APPs,
o número de mortes de pessoas não envolvidas com o tráfico aumentou. As
PMs são controladas pelos governadores estaduais com o principal papel
de reprimir a sociedade, em especial os movimentos sociais. Quando o
governador manda bater, eles batem e muitas vezes matam. Nos protestos
dos professores paranaenses, Beto Richa mandou a PM reprimir os professores e eles assim fizeram. No nosso 15M, os PMs tiraram foto ao lado dos manifestantes. Esta militarização dos policiais estaduais tem que ser melhor discutida.
"O governo também aprovou um conjunto de leis que aumentaram substancialmente os impostos pagos pelo conjunto da população. A insatisfação é generalizada" |
IHU On-Line - Em que se
assemelha e em que se diferencia a ação da polícia no Paraná e a ação do
Exército na favela da Maré, no RJ?
João Stefaniak - Em nada. Parafraseando Vandré, os integrantes das Forças Armadas
aprendem nos quartéis a morrer pela pátria e viver sem razão. Já as
polícias militares são treinadas principalmente para reprimir a
população. Elas têm uma razão para existir. E repassam estes
ensinamentos aos seus colegas militares quando vão atuar junto às
comunidades carentes a mando dos governos federais. A lógica é a mesma.
Só mudaram os comandantes, na favela da Maré foi a Dilma; no Centro Cívico de Curitiba, o Beto Richa.
A semelhança está ligada ao modo como a polícia do PR e do RJ tratam os trabalhadores, como se estivessem em guerra, combatendo os inimigos.
Bombas lançadas por helicóptero, atiradores em telhados dos prédios
vizinhos, polícia de choque, operação de guerra, é assim que se pode
descrever essas ocorrências.
Como afirmei anteriormente, a repressão
aos movimentos sociais e as manifestações populares são articuladas
globalmente. Todas as PMs obedecem a um mesmo protocolo de procedimento.
Nota: A fonte da primeira imagem que ilustra esta página é: www.ler-qi.org
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Fonte: IHU
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