maio 31, 2015

"Reforma Política? Apenas para silenciar as ruas". Escrito por Raphael Tsavkko Garcia (Correio da Cidadania)

PICICA: "(...) o PT trouxe o tema da Reforma Política como farsa, apenas para silenciar as ruas em 2013. Agora, o feitiço virou contra o feiticeiro.

Eis que, em um momento de estelionato eleitoral e de aparente fraqueza do governo, acuado, vitimado por protestos gigantescos e sem capacidade de reagir – além de envolvido em inúmeros escândalos de corrupção – ou sequer pensar em alternativas, seu principal parceiro político resolve retomar sua agenda e transformá-la no pior dos mundos."

Reforma Política? Apenas para silenciar as ruas Imprimir E-mail
Escrito por Raphael Tsavkko Garcia   
Sexta, 29 de Maio de 2015


O tema da Reforma Política não é novo, porém ganhou força após os protestos de Junho de 2013. O tema sempre vinha e voltava no debate público, mas nunca voltou com tanta força quanto no auge dos protestos. Dilma foi a público anunciar suas propostas para superar o que ela achava ser a crise (e que não tinha relação alguma com o que se pedia nas ruas): Reforma Política.

Imediatamente, após o anúncio feito por Dilma, eu já havia alertado que não passava de uma jogada desesperada e que teria consequências no longo prazo, especialmente pela insistência do PT, posterior, em um modelo grotesco de "constituinte".

O PT imediatamente repassou a tarefa de arregimentar os crentes e movimentos cooptados (como UNE, CUT, MST e o eterno pau-pra-toda-obra PC do B, vulgo PSeudoB, dentre outros) para levar adiante uma consulta e promover uma constituinte "exclusiva". Em linhas gerais, a votação foi um fracasso e ninguém realmente se importou muito, mas a ideia ficou, como uma bola pingando na área esperando que alguém chutasse.

O PSOL infantilmente até tentou aproveitar o momento e adotar a bandeira, mas, no fim, foi Eduardo Cunha quem deu forma à tragédia.

Não vou me alongar na estupidez de pedir por reforma política ou mais ainda, de pedir uma constituinte, estando diante de um congresso conservador e com viés de piora, enquanto temos no poder um governo fraco e estelionatário - a questão, no fim das contas, é a de que o abacaxi adentrou a sala, ou o Congresso, e ameaça se tornar extremamente indigesto para o país. Não acredito que Cunha e sua gangue irão simplesmente deixar pra lá o assunto só porque sofreram uma derrota.

Falemos de responsabilidades, pois. É em grande parte do PT e de quem foi na onda. Ao invés de respostas efetivas aos protestos de Junho, tivemos apenas repressão e propostas pífias ou, no caso em tela, perigosas. Nada, porém, que efetivamente respondesse à voz das ruas, mas apenas algo que grita mais alto em sentido contrário.
 
A intenção de Dilma, PT e movimentos cooptados – também com ajuda do PSOL, que parece ser incapaz de se descolar do PT e se mostrar uma oposição de verdade – era a de jogar uma ideia, fingir que trabalhava nela, para depois jogar debaixo do tapete e continuar a mandar e desmandar, mas tirando proveito da propaganda que toda a mobilização pela Reforma Política causou e poderia vir a causar.

Veio a eleição e tudo foi esquecido. Ou quase.

Petistas entusiasmados com a vitória e com uma campanha francamente mentirosa falavam em resgatar bandeiras de esquerda, mas tudo que vimos até o momento foi o resgate das piores bandeiras do governo FHC, com direito a uma possível implosão do sistema político, que sem dúvida é ruim, mas pode piorar.

O tema da Reforma Política, enfim, voltou graças à tentativa do PT de calar a boca das ruas sem, no entanto, ter real intenção de impor a agenda – oras, se se mantinha no poder com o modelo atual, por que mudar? Melhor apenas usar o tema como propaganda, como tantos outros que nunca saíram do papel e são mesmo propositadamente deixados de lado, como reforma da mídia ou taxação de grandes fortunas. Acabou caindo no colo daquele que pertence ao mesmo partido do vice-presidente (Michel Temer), pese a massa petista o pintar como inimigo.

O PT escolheu o PMDB como aliado. Não existe isso de "não tinha opção", o PT já foi eleito quatro vezes para governar e escolheu o PMDB como aliado preferencial. Ninguém colocou uma arma na cabeça de Lula ou Dilma, nem para se aliar ao PMDB e nem para sair em fotos com Maluf, por exemplo. Escolhas foram feitas, assumam. O partido é aliado feliz do PMDB no Rio de Janeiro, estado de Cunha. Não há espaços para reclamação agora e nem para o consagrado "mimimi".

O modelo de Reforma Política proposto pelo PMDB e por Cunha é o pior dos mundos, com o famigerado "distritão", e conta com o apoio inclusive de Michel Temer, ou seja, conta com apoio no mais alto escalão governamental. Não é caso isolado, não é mera "birra" de Cunha, é uma política apoiada pelo principal aliado do PT.
Mas voltando ao tema, o fato é que o PMDB e especialmente Cunha adotaram o tema da Reforma Política e levaram adiante o projeto (o deles, claro) diante de um PT vendido ou ao menos se fingindo incapaz de resistir.

E digo que se finge porque teve força para impor a aprovação de MPs (664 e 665) ao Congresso que representa o maior retrocesso nos direitos trabalhistas na história recente do país, algo que sequer FHC foi capaz de conseguir (porque o PT, pasme, bloqueava enquanto era oposição). O PT foi capaz de impor pautas regressivas, privatizações, corte de direitos, mas, na hora de pautas progressistas e de esquerda, o congresso milagrosamente se torna um empecilho – ou, na verdade, a desculpa usada por um partido de direita para manter parte de uma militância que se pensa de esquerda na coleira.

Ou seja, o PT, quando quer, consegue impor suas pautas; pena que em geral estas sejam contrárias àquilo que pregavam antes das eleições ou mesmo durante toda sua história. Pautas de direita, retrógradas, contrárias aos interesses do povo e a seus direitos.
Resumindo, o PT trouxe o tema da Reforma Política como farsa, apenas para silenciar as ruas em 2013. Agora, o feitiço virou contra o feiticeiro.

Eis que, em um momento de estelionato eleitoral e de aparente fraqueza do governo, acuado, vitimado por protestos gigantescos e sem capacidade de reagir – além de envolvido em inúmeros escândalos de corrupção – ou sequer pensar em alternativas, seu principal parceiro político resolve retomar sua agenda e transformá-la no pior dos mundos.

Agora, fingindo correr atrás do prejuízo, os petistas tentam tirar o corpo fora: “a culpa é do PMDB”. “É do Cunha”. Oras, não cola. A culpa é de quem usou um tema tão importante apenas como marketing e agora finge ser atropelado pelo partido com quem governa o país em aliança, e com bilhões de reais desviados da Petrobrás como garantia.

Não nego que o modelo proposto por Cunha e PMDB, o "distritão", não seja do agrado de líderes do PT, mas não se trata deste debate. Não importa se o PT gosta ou não do modelo e sim que foi o responsável por permitir que chegássemos a este ponto. Não apenas por permitir, mas por ser o responsável por trazer o tema à tona sem qualquer compromisso em levar adiante o debate buscando dialogar com a sociedade, em busca de um modelo que efetivamente promovesse maior participação e representação democrática.

Em poucos meses após a reeleição de Dilma, tivemos os maiores cortes de direitos da história recente do país e a aprovação de um sistema político lamentável e prejudicial à democracia e aos partidos políticos. E os responsáveis são os mesmos: PT, PMDB, PSDB e seus aliados menores. PSDB, que liberou bancada, PMDB, que propôs a aberração e PT, que finge ser contra, mas cujo governo liberou a bancada. Ou seja...

Quem gritou durante as eleições por "reforma política" que assuma a responsabilidade por uma piora assustadora no sistema político brasileiro. Parabéns aos envolvidos, conseguiram tornar o ruim ainda pior, fingindo responder às ruas, mas na verdade lhes dando um tapa (ou pior).

Por sorte escapamos. Dessa vez. O que ainda nos espera?


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Raphael Tsavkko Garcia, jornalista, doutorando em Direitos Humanos pela Universidad de Deusto (Bilbao) e mestre em Comunicação.

Fonte: Correio da Cidadania

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