PICICA: "Os conluios entre os poderes políticos e econômicos estão mais
consagrados do que nunca no Brasil, como, aliás, exemplifica a proposta
de Reforma Política defendida por Eduardo Cunha e seus comparsas de
Congresso. Dentro deste contexto, já virou quase um consenso social que
as empreiteiras são parte dos governos de facto e, na prática,
tomam decisões políticas. Por conta disso, o Correio entrevistou Ernesto
Carvalho, do movimento Ocupe Estelita, um cais na cidade do Recife alvo
de um gigantesco empreendimento imobiliário.
“Os problemas que observamos no Recife são típicos de boa parte das
grandes cidades brasileiras de hoje. O que temos são grandes
empreendimentos que promovem uma espécie de privatização extrema do
espaço público, uma recusa a tal espaço. Ou seja, em vez de o poder
público se apropriar de áreas públicas para beneficiar a cidade, vende
estas áreas sistematicamente”, resumiu.
Na conversa, Ernesto explicou um pouco das criativas estratégias do
movimento, cujas ações e produções conseguiram atingir um grande público
e, consequentemente, uma boa aceitação social no sentido de barrar o
projeto chamado ‘Novo Recife’ – que muito se correlaciona, por exemplo,
com o ‘Nova Luz’, tão cortejado pelo ex-prefeito paulistano Gilberto
Kassab, nada menos que o atual ministro das Cidades. Em comum a todos,
apenas a truculência de um poder público ávido em atender interesses
privados.
“A principal característica da estratégia da prefeitura do Recife é
recusar um verdadeiro debate com a população, um processo de escuta real
e, ao mesmo tempo, tentar avançar de maneira impositiva e truculenta
rumo à legalização do projeto, passando-o por todas as vias que o tornem
legal. Cada passo é feito no atropelo, porque é um projeto muito
questionado no próprio Ministério Público. As audiências públicas eram
uma obrigação para que fosse feito um projeto desse porte. Fomos a todas
e eram verdadeiras farsas”, denunciou Ernesto."
Novo Recife: ‘em vez de o poder público se apropriar de áreas para beneficiar a cidade, vende-as sistematicamente’ |
Escrito por Gabriel Brito, da Redação |
Sexta, 22 de Maio de 2015 |
Os conluios entre os poderes políticos e econômicos estão mais consagrados do que nunca no Brasil, como, aliás, exemplifica a proposta de Reforma Política defendida por Eduardo Cunha e seus comparsas de Congresso. Dentro deste contexto, já virou quase um consenso social que as empreiteiras são parte dos governos de facto e, na prática, tomam decisões políticas. Por conta disso, o Correio entrevistou Ernesto Carvalho, do movimento Ocupe Estelita, um cais na cidade do Recife alvo de um gigantesco empreendimento imobiliário. “Os problemas que observamos no Recife são típicos de boa parte das grandes cidades brasileiras de hoje. O que temos são grandes empreendimentos que promovem uma espécie de privatização extrema do espaço público, uma recusa a tal espaço. Ou seja, em vez de o poder público se apropriar de áreas públicas para beneficiar a cidade, vende estas áreas sistematicamente”, resumiu. Na conversa, Ernesto explicou um pouco das criativas estratégias do movimento, cujas ações e produções conseguiram atingir um grande público e, consequentemente, uma boa aceitação social no sentido de barrar o projeto chamado ‘Novo Recife’ – que muito se correlaciona, por exemplo, com o ‘Nova Luz’, tão cortejado pelo ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab, nada menos que o atual ministro das Cidades. Em comum a todos, apenas a truculência de um poder público ávido em atender interesses privados. “A principal característica da estratégia da prefeitura do Recife é recusar um verdadeiro debate com a população, um processo de escuta real e, ao mesmo tempo, tentar avançar de maneira impositiva e truculenta rumo à legalização do projeto, passando-o por todas as vias que o tornem legal. Cada passo é feito no atropelo, porque é um projeto muito questionado no próprio Ministério Público. As audiências públicas eram uma obrigação para que fosse feito um projeto desse porte. Fomos a todas e eram verdadeiras farsas”, denunciou Ernesto. A entrevista completa, novamente produzida em parceria com a webrádio Central3, pode ser lida a seguir. Correio da Cidadania: Para introduzir esse que é um assunto de escala mais regional do que nacional, o que é o movimento Ocupa Estelita e sua pauta? Quais disputas estão colocadas em torno dessa área da cidade do Recife? Ernesto Carvalho: O movimento Ocupe Estelita é uma mobilização espontânea e pluripartidária – ou seja, não ligada a partidos políticos – que surgiu no Recife com muita força no ano passado, principalmente. Mas decorre de uma mobilização que acontece, no mínimo, desde 2012 em torno de um protesto contra um projeto imobiliário para o centro do Recife, batizado ‘Novo Recife’. Muitas pessoas têm se levantado contra o projeto e denunciado uma série de problemas que ele traz para a cidade. É um projeto de verticalização extrema e segregador, que amplifica uma série de mazelas que a cidade já vivencia. O movimento Ocupa Estelita se mobilizou em torno desse projeto, mas acabou levantando uma discussão bem mais ampla sobre a cidade do Recife de hoje, abordando temas como o direito à cidade, direitos urbanos e sobre o tipo de cidades que vemos se proliferar por aqui. Correio da Cidadania: O que pode nos contar a respeito da votação na Câmara Municipal que aprovou o projeto e como tem sido a atuação do poder público em torno disso? Quem se beneficia com o ‘Novo Recife’? Ernesto Carvalho: O projeto Novo Recife vem de uma espécie de aliança típica e muito poderosa entre o poder financeiro, das grandes empreiteiras e construtoras, e o poder público. Os candidatos eleitos aqui, “por acaso”, tiveram seus financiamentos de campanha advindos em boa parte dessas construtoras e empreiteiras. Assim, fazer frente a um processo como esse, de verdadeira venda e loteamento da cidade, não é fácil. Contamos com mobilizações populares nas ruas que têm tomado conta da cidade já há um ano. Nas últimas semanas, por exemplo, têm crescido muito. Milhares de pessoas foram às ruas aqui no Recife na última semana. Contamos com uma mobilização grande nas redes sociais. Temos feito vídeos, criado panfletos, produzido muita informação, que cada vez mais gente tem consumido, problematizado e circulado. E também temos um apoio jurídico de uma série de advogados ligados a direitos humanos e a processos de remoção urbana. Há um verdadeiro grupo de advogados que tem avançado em causas ligadas ao projeto do Novo Recife. A principal característica da estratégia da prefeitura do Recife é recusar um verdadeiro debate com a população, um processo de escuta real e, ao mesmo tempo, tentar avançar de maneira impositiva e truculenta rumo à legalização do projeto, passando-o por todas as vias que o tornem legal. Cada passo é feito no atropelo, porque é um projeto muito questionado no próprio Ministério Público. Só avança com bastante pressão política da prefeitura. Ao mesmo tempo, a prefeitura coloca constantemente na mídia uma narrativa de que já teria realizado uma escuta com a população, feito audiências públicas etc. As audiências públicas eram uma obrigação para que fosse feito um projeto desse porte. Fomos a todas e eram verdadeiras farsas de debate. A prefeitura armava um circo porque é obrigada a fazê-lo e nós fomos, divulgamos e levamos muitas pessoas, centenas, para falar contra o projeto ‘Novo Recife’. Fizemos um desmonte técnico ao lado de urbanistas, juristas, pessoas de movimentos sociais, enfim, críticas de toda ordem e toda natureza foram feitas para, no dia seguinte, a prefeitura dizer que escutou a população e promoveu um debate. Mas não revê nenhum ponto do projeto. É uma estratégia desonesta e complicada. Por isso gera cada vez mais revolta. Isso culminou em um projeto de lei encaminhado de forma completamente irregular. Pela própria indicação do Ministério Público, o projeto deveria ter sido encaminhado para o Conselho da Cidade, uma das instâncias que temos para discutir projetos de tal porte, mas acabou sendo encaminhado diretamente para a Câmara dos Vereadores. Estamos denunciando improbidade administrativa da prefeitura. Por sua vez, a Câmara dos Vereadores, completamente alinhada à prefeitura, votou em regime de urgência e atropelou todos os procedimentos técnicos formais, não deixando vereadores que se opunham ao projeto falarem. Em sessão de urgência, o projeto foi aprovado no último dia 11 de maio. Naquele momento, centenas de pessoas foram para a porta da Câmara, onde começaram as mobilizações daquela semana, em resposta ao gesto autoritário da prefeitura. Correio da Cidadania: Para além daqueles que estão organizados no sentido de contestar o enfrentar o empreendimento, qual o nível de aceitação social desse projeto pela a população como um todo? Sente que a população se coloca mais favorável ou contrária ao projeto Novo Recife? Ernesto Carvalho: Sinto que o principal desafio é a informação e temos feito um trabalho de informar as pessoas. Mas no geral, quando se confronta alguém com o fato de que querem construir um condomínio de luxo – pois é disso que se trata as 13 torres de até 40 andares, sabemos qual perfil social é esperado para comprar ou alugar um apartamento desse –, as pessoas reagem mal. No geral, elas não concordam. Já ouvimos, muitas vezes, que o local deveria ser um parque, deveria ajudar no enorme déficit habitacional da cidade. Em torno da área do empreendimento existem comunidades pobres e ocupações, de modo que a área deveria ser usada em benefício da cidade. Isso a gente escuta muito das pessoas. Por outro lado, também escutamos muito o discurso mais conformista, do tipo “é assim mesmo que acontece, eles fazem assim, nada vai mudar, não adianta protestar”. Mas o fato é que, no primeiro ano de mobilização, já impedimos que o projeto ocorresse. Se não tivéssemos ocupado a área do cais com barracas, até sermos expulsos pela polícia, e continuado as mobilizações, as torres já estariam de pé. No momento, vejo a opinião pública muito favorável. A prefeitura e o consórcio têm tentado armar uma campanha de que nós somos vândalos, pichadores ou pessoas que estão indo quebrar coisas na rua. O que não é o caso. Por outro lado, estão fazendo uma campanha difamatória, dizendo que estamos ligados a algum partido político, que seria coisa do PT ou do PSOL, mas também não é assim. De fato, somos um movimento pluripartidário que não recebe dinheiro de ninguém e se financia vendendo camisetas e adesivos. E assim estamos numa verdadeira queda de braço com o poder político aliado ao poder financeiro na cidade. Correio da Cidadania: Sobre vocês, como é o tipo de organização, de mobilização e as estratégias que usam para divulgar o movimento e tentar barrar o empreendimento? Ernesto Carvalho: Tudo o que o movimento faz é de uma forma bastante espontânea. O movimento se reúne em atos e em assembleias abertas, decide o que fazer a seguir, há muitas pessoas propositivas que dão ideias de ações. A internet e as redes sociais em especial têm sido as nossas plataformas de mobilização e adesão, sem dúvida. Também divulgamos bastante os vídeos que produzimos. Quando vamos para um ato, nunca sabemos o seu destino, pois tudo é decidido na rua, no momento. Correio da Cidadania: O que essa disputa política e econômica traduz do atual jogo de forças na política local? Que resumo você faz das políticas urbanas dessa importante cidade brasileira nos últimos anos? Ernesto Carvalho: Os problemas que observamos no Recife são típicos de boa parte das grandes cidades brasileiras de hoje. O que temos são grandes empreendimentos que promovem uma espécie de privatização extrema do espaço público, uma recusa ao espaço público. Ou seja, em vez de o poder público se apropriar de áreas públicas para beneficiar a cidade, vende estas áreas sistematicamente. Isso acarreta problemas de mobilidade, a exemplo do transporte, que é um caos. Acarreta em perda do espaço público, pois calçadas são quebradas, praças interditadas e abandonadas. E as pessoas entendem que é um problema sistêmico e histórico. Fazemos oposição ao projeto porque é emblemático deste contexto. A forma como a gestão atual da prefeitura o defende também é emblemática no que concerne à aliança entre poder financeiro e poder público. Mas, apesar de tudo, aqui temos uma espécie de ruptura com esse roteiro, na qual os políticos têm de entender que a população não vai deixar barato. Vai se expressar. Temos informações e ferramentas suficientes para mobilização e acho que agora, inclusive, essas empreiteiras vão pensar duas vezes antes de propor que uma praça vire um shopping ou um condomínio de luxo. Eles estão começando a perceber que não podem fazer o que bem entendem, pois as pessoas querem ocupar a cidade e participar das decisões de seus rumos. Eu não sei, nem ninguém sabe, como os debates vão aparecer nas próximas eleições. Infelizmente, o debate vai sendo poluído com a aproximação do período eleitoral, mas o fato é que como antes não será. Áudio da entrevista Leia também: Luta pelo Parque Augusta dialoga com todas as pautas pelo direito à cidade Gabriel Brito é jornalista; colaborou: Raphael Sanz. |
Fonte: Correio da Cidadania
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