Nota do blog: Leia abaixo as observações sobre o modo como os amazonenses manejam a língua na percepção de um filólogo popular. Folclore à parte, recomendo ao anônimo estudioso a leitura da obra do mais amazonense dos autores da taba: Márcio Souza (ih! tem gente que vai chiar). Sua obra, sobretudo a teatral, é marcada por uma crítica implacável ao provincianismo que durante muito tempo "massacrou a inteligência, reduziu a arte a uma convenção e fez da informação uma crônica social inflacionada". E o fez com a linguagem da terra, disposto a romper o marasmo cultural que se abateu sobre Manaus, que nem o lastro erudito do "ciclo da borracha" foi capaz de deter. Márcio estará no Festival Literário Internacional da Floresta - Fifloresta (veja a programação). A propósito, Márcio Souza já merecia ser doutor honoris causa pela nossa universidade pública.
A língua dos amazonenses
Primeiramente, você tem que treinar falar com as pessoas pegando nelas.
No braço, no ombro, no cotovelo. Mas tem de pegar. A linguagem corporal é tão importante para o amazonense, quanto o descanso o é para o baiano e a desconfiança para o mineiro.
Beijinhos de cumprimento são sempre dois. Os paulistas têm de aumentar um e os gaúchos têm de reduzir um. Isso pode causar uma série de beijos órfãos no ar para aqueles que estão em fase de adaptação. O pegar e o beijinho do amazonense não devem ser entendidos, grosso modo, como invasivos, mas como parte mesmo de sua enunciação, parte do sentido do dizer.
Outra coisa: amazonense aponta com a boca. Pergunte a um amazonense onde está algo e ele, muito provavelmente, em vez de levantar a mão e apontar, fará um biquinho em direção à coisa procurada. Aliás, um biquinho não, um beicinho.
Amazonense bom mesmo, típico, é aquele que não respeita sinais de trânsito.
Faixa de velocidade, então, vixe! Nem pensar. Muitos até fazem da faixa uma espécie de guia para centralizar seu carro, como fazem os aviões. E vá tentar andar na faixa? Você é considerado o pior motorista do mundo, com direito a olhares feios e até alguns xingamentos. Por outro lado, se seu carro quebrar,logo aparecem muitos amazonenses querendo dar uma mãozinha.
Amazonense é solidário. Muito. Pergunte e ele responderá.
Peça e ele lhe ajudará. Dê trela e ele grudará.
O amazonense é muito caloroso. Não só pelo calor que faz em Manaus, mas porque facilmente puxa papo e se integra a um grupo. Basta uma possibilida de entrada na conversa e..zapt! estamos dentro, na maior intimidade. Isso pode causar certo choque para as pessoas do sul e sudeste, mais reservadas no assunto amizade. É mais difícil 'aprochegar-se' em São Paulo do que em Manaus, definitivamente. Mas há doces exceções.
Noves fora essas questões de relacionamento, há a questão da língua mesmo. Algumas palavras e expressões que realmente levam algum tempinho para que sejam dominadas e internalizadas. Seguem abaixo algumas palavras e expressões típicas com suas explicações e comentários.
ÉGUA - Égua pode ser usado em várias situações. Alguém faz algo que você não entendeu: 'égua...' Uma situação estapafúrdia? 'Éééguaa, maninho...'
QUE SÓ - Locução adverbial de intensidade, similar a 'pra caramba'. Hoje está quente que só'. 'Ela é lesa que só'. 'A sala estava lotada que só'
LESO (A), LESEIRA - Um leso é alguém que sofre de leseira. Leseira é um abestalhamento momentâneo que acomete o leso. Se a leseira for uma característica contínua, dizemos que o leso sofre de leseira baré. Segundo cientistas da Universidade de Kuala Lumpur, a leseira baré ocorre entre os amazonenses devido ao sol quente na moleira, que frita o cérebro e queima alguns neurônios. Temos ainda as expressões derivadas: 'Deixa de ser leso!' e 'Pára de leseira!'. Mas como tudo tem seus dois lados, dizem que o sol também causa nos amazonense algo chamado tesão de mormaço. Auto-explicativo.
AGORINHA - Diferentemente do uso no sudeste, agorinha quer dizer 'há alguns segundos', referindo-se ao passado e não ao futuro. 'Ela estava aqui agorinha, mas sumiu'.
OLHA JÁ! - Expressão de indignação correspondente a 'Mas que abuso!'. 'E aí, gata, me dá um beijo?' 'Mas, olha já esse aí...Te manca!'
MANO(A) - Tratamento carinhoso entre conhecidos ou não. Muito usado para fazer perguntas e pedidos. 'Mana, faz um favor pra mim'. 'E aí, tudo bem, mano?'
MANINHO(A) - Tratamento não carinhoso usado por pessoas que já estão estressadas 'maninho, tu não tem o que fazer não?'
TELESÉ - é a mesma coisa que 'tu é leso é?'
PITIÚ - Cheiro. Geralmente associado a peixe 'Tá sentindo um pitiú danado aqui?'
BORIMBORA - Vamos embora. 'A gente não tem mais nada a fazer aqui. Borimbora!'
COM BORRA (E TUDO) - Com tudo. Expressão de alopro. 'Ela estava aprendendo a dirigir. Foi entrar na garagem e pisou no acelerador ao invés de pisar no freio. Aí entrou com borra e tudo na garagem, arrebentando o carro todo.
MAS QUANDO? - ( quer dizer que nunca, nem pensar ) - ' Ele disse pra eu ir lá na casa dele.. mas quando. Usado também como TÁ LÁ – ' Me empresta R$ 10,00, ta lá!!!'
MACETA - Grande, imenso, de proporções anormais. 'Eu disse que ia lá brigar com ele e quando eu olhei o cara era maaaaaaaaaaceta. Saí fora...'
QUERIDA - Cuidado! Esse é um falso cognato. O uso da palavra 'querida'. Aqui em Manaus denota um certo sarcasmo ou uma certa ironia. 'Escuta aqui, minha querida. Eu sou a mulher dele, entendeu?' 'Você não está entendendo, querido.? (Significa você é um burro!)
CARAPANÃ - Pernilongo. Só que mais chato e mais chupador. Termo indígena para 'lança voadora', segundo a lenda urbana.
MAIS VOU MERMO - Indica uma afirmativa veemente . 'Vamos a Ponta Negra no domingo? Resposta: Mais vou mermo'. Ainda pode ser usada uma variação MAIS QUERO MERMO, 'Ta afim de um sorvete de creme de cupuaçu? Resposta: Mais quero mermo'. (Obs.: Uma verdadeira Manauara nunca rejeita um sorvete de cupuaçu ou tapioca)
NEM COM NOJO - Indica uma negativa veemente. 'Não empresto dinheiro para ele nem com nojo', 'Vai ter que comer este peixe hoje, sem farinha amarela e sem pimenta. Reposta: Nem com nojo'.
MÁ RAPÁZ - O mesmo que 'Olha já!'. 'Me empresta teu carro?' 'Má rapá!Claro que não!'
ROLOS – Referente à muuuuuiiiittttoooo. ' Hoje choveu rolos,que nem pude sair de casa'
TÁ LÁ - .
Autor: Filólogo anônimo.
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