PICICA: "Falando de energia elétrica,
acredito que agora está um pouco tarde para que a conferência Rio+20 ajude em
alguma coisa o Brasil, principalmente no que tange a energias limpas. Não,
quando o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício
Tolmasquim, e o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio
Zimmermann, vêm a público defender a construção de usinas hidrelétricas, em um
evento na semana passada. Continuam afirmando que a matriz energética
brasileira é a mais limpa do mundo e que isso deve continuar à medida que o
potencial hidrelétrico seja explorado na sua totalidade, ou melhor, os dois
terços restantes que estão quase que totalmente na Amazônia, a maior parte em
Tis e UCs. Nesse clima de falta de disposição das autoridades brasileiras de
rever o planejamento em que se induz a demanda de energia porque tem oferta e
tem oferta porque expande a geração sem, no mínimo, estabelecer metas e
compromisso com programas de eficiência, vai ficar muito difícil ouvirmos
propostas de sustentabilidade energética na Rio+20. As autoridades brasileiras
estão fechadas às discussões que possibilitem rever a composição da matriz
brasileira, mesmo tendo conhecimento de que ela não é renovável, limpa e
barata. Veja que eu disse "conhecimento", pois não é possível que não
leiam ou não tenham acesso a todos os estudos de cientistas e pesquisadores que
são produzidos diariamente, sobre as fontes genuinamente limpas e baratas. No
entanto, acredito que muitos fóruns paralelos da sociedade civil durante a
Rio+20 podem tornar público que o Brasil tem um discurso bem diferente da
prática, e assim desmistificar essa aura de pureza ambiental que tem enganado o
resto do mundo. Não só no que diz respeito à energia elétrica. Seria muito
interessante se no decorrer da conferência oficial alguém apresentasse a
planilha atualizada das termelétricas planejadas pelo Ministério de Minas e
Energia."
Belo Monte: “um conto de fada” disfarçado
Site da imagem: echapora.blogspot.com |
Os feudos eram dados pelo rei aos amigos conforme os interesses vigentes; hoje os nossos "reis" dão feudos às grandes empresas, compara Telma Monteiro
Por:
Thamiris Magalhães
Ao
comparar Belo Monte à Idade Média, Telma Monteiro explica que a
Altamira de hoje, acuada pelas obras de Belo Monte, sofre a falta de estrutura
de forma muito mais intensa do que antes de se pensar no projeto. “Prometer
saneamento básico, água de qualidade, hospitais e escolas, infraestrutura urbana,
são formas de se obter o poder. É o mesmo poder da Idade Média, em que os
senhores feudais tinham as terras e exploravam os camponeses. Belo Monte é, aos
olhos da população de Altamira e região, uma forma de rompimento com um período
atrasado de ausência do Estado para uma nova era classificada de moderna, onde
energia significa progresso”, disse na entrevista que concedeu, por e-mail,
à IHU On-Line. Segundo a pesquisadora, as invasões, expansão desordenada e
a conquista, características da Idade Média, são hoje realidades na região de
Belo Monte. “Quem não viu ou não leu como os aluguéis ficaram mais caros em
Altamira? A infraestrutura viária não comporta o aumento dos automóveis e
motos, faltam leitos no hospital para dar conta dos acidentados. E o esgoto? E
o lixo? O atraso institucionalizado em nome do crescimento e do poder dos
senhores ‘feudais’ da energia.” E questiona: “é ou não é uma espécie de Idade
Média acontecendo na Amazônia? Foi essa época que inspirou os contos de fada
que surgiram no século XIX.” E continua: “aproveito para fazer uma comparação
com a forma que o governo brasileiro tenta impor Belo Monte à sociedade: um
conto de fada”.
Telma Monteiro é pesquisadora independente.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como a senhora avalia o impacto da
construção de hidrelétricas no Brasil, como Belo Monte, Estreito, Santo Antônio
e Jirau?
Telma Monteiro - O governo mente quando diz que os
projetos das usinas do rio Madeira, Santo Antônio e Jirau, e de Belo Monte no
rio Xingu, foram alterados para reduzir os impactos socioambientais. O fato de
diminuir o potencial das usinas não significa em hipótese nenhuma uma garantia
de sustentabilidade nas respectivas regiões. No caso do Madeira, por exemplo, a
turbina bulbo, que foi escolhida por ser compatível com um rio de planície, de
baixa queda, e o desmembramento em duas usinas não evitaram os impactos locais
e regionais. Na verdade, esses impactos sociais e ambientais, alguns inclusive
não diagnosticados no processo de licenciamento, já estão se mostrando maiores
e mais abrangentes do que o que foi diagnosticado no EIA/RIMA. Veja-se como os
conflitos recrudesceram nos canteiros de obras de Santo Antônio e Jirau .
O efeito dominó dos conflitos vai atingir as demais obras de hidrelétricas na
Amazônia, tanto no que diz respeito à falta de condições dos trabalhadores de
terem garantida uma "estadia" digna no período de trabalho distante
de suas famílias, como nas questões ambientais, como o desaparecimento de
espécies de peixes que já afetam a vida dos pescadores. Belo Monte , apesar das
mudanças de projeto, continua sendo uma obra difícil não só pela localização,
mas pela própria conformação complexa de engenharia que requer várias frentes
de trabalho em ambiente hostil. O governo insiste em dizer que o reservatório
será bem menor e que as terras indígenas não serão alagadas, porém o problema
não é esse. Essa conversa é apenas uma forma de mascarar a verdade. Mesmo com
um reservatório menor, as áreas que estariam alagadas apenas na época das
cheias ficarão perenemente alagadas, o que vai alterar para sempre o
ecossistema regional. Por outro lado, nunca é demais lembrar que os 100
quilômetros da Volta Grande do Xingu, que sofrerão com o desvio de grande parte
das águas do rio, terão um impacto ao contrário, pois áreas que ficariam
permanentemente alagadas passarão a sofrer escassez de água. A verdade é sempre
distorcida pelas autoridades do Planalto, da Agência Nacional de Energia
Elétrica - Aneel, Empresa de Pesquisa Energética - EPE e do ministério de Minas
e Energia, que afirmam que a alteração no tamanho do reservatório e os ajustes
no projeto que prejudicariam a geração de energia foram com o intuito
exclusivamente de evitar impactos. A Terra Indígena Paquiçamba, embora não
recebendo estruturas das obras de Belo Monte, está apenas sete quilômetros em
linha reta da movimentação das obras, o que quer dizer que vai sofrer
interferências diretas, seja pela presença de estranhos, seja pela agressão à
floresta e fuga da fauna, seja pelas alterações na abundância da pesca, ou
ainda quanto à qualidade das águas. Recentemente, o presidente da Empresa de
Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim, comentou que há "dor no
coração" com a perda da capacidade de geração ao assumir fazer
hidrelétricas "a fio d'água só para garantir geração com proteção
socioambiental". Como um ser humano pode falar em "dor no
coração" com perda de produção de uma mercadoria oriunda da destruição
ambiental e da infelicidade de dezenas de milhares de outros seres humanos?
Além do mais, veja que loucura é essa declaração, essa falácia, uma vez que
fazer barragem a fio d'água tanto no rio Madeira como no rio Xingu é a solução
destruidora armada pelo governo e empresas para gerar energia em rios de
planície. Nem o Madeira e nem o Xingu tem grandes quedas, canyons, que
possibilitem reservatórios profundos de armazenamento de água. Isso não quer
dizer, em absoluto, que não sendo de planície, eles poderiam ser barrados.
É lógico que a opção de fazer uma barragem com reservatório ainda maior
do que os que estão planejados na Amazônia não encontraria respaldo na
sociedade, pois a lembrança do cataclisma de Balbina ainda é muito forte.
Quando surgiu a ideia do fio d'água no Madeira, o primeiro a aceitar foi o
Ministério do Meio Ambiente, sob a alegação que os impactos seriam mínimos ou
não existiriam. Outros impactos foram ainda escamoteados durante o processo de
licenciamento ambiental, como a presença de indígenas em isolamento voluntário,
que perambulam nas áreas do entorno de Jirau e Belo Monte. As usinas foram
aprovadas, receberam licenças e só depois foram divulgadas, oficialmente, as
notícias da presença dos isolados e os riscos que estão correndo. Eu chamo este
momento de "nova era do projeto Belo Monte", que depois de tantos
anos de resistência ressurge com a justificativa retrógrada e equivocada de que
já existe um desmatamento crônico na região. Então, não haveria problema em se
criar mais impactos, típica política do fato consumado e que a
"missão" de Belo Monte seria de promover o desenvolvimento e
preservar o meio ambiente, como disse o Tolmasquim, num flagrante desrespeito à
inteligência do brasileiro. Lemos todos os dias na mídia como é que estão
"preservando" alguma coisa lá em Belo Monte, as imagens recentes não
deixam dúvidas sobre a destruição. Para avaliar adequadamente os
resultados de todos os impactos, do desmatamento ao deslocamento compulsório de
milhares de pessoas, seria preciso escrever um tratado em vários volumes.
IHU On-Line – Em que sentido Altamira de Belo Monte,
no Pará, remonta à Idade Média?
Telma Monteiro - Lógico que essa colocação que fiz
em um dos meus artigos foi no sentido figurado. Mas a Altamira de hoje, acuada
pelas obras de Belo Monte, sofre a falta de estrutura de forma muito mais
intensa do que antes de se pensar no projeto. Prometer saneamento básico, água
de qualidade, hospitais e escolas, infraestrutura urbana, são formas de se
obter o poder. É o mesmo poder da Idade Média, em que os senhores feudais
tinham as terras e exploravam os camponeses. Belo Monte é, aos olhos da
população de Altamira e região, uma forma de rompimento com um período atrasado
de ausência do Estado para uma nova era classificada de moderna, onde energia
significa progresso. Quando fiz a comparação, lembrei que, em Rondônia, as terras
em volta dos reservatórios foram desapropriadas em favor dos consórcios
responsáveis pelas hidrelétricas e que elas serão valorizadas pelos lagos e vão
parar nas mãos de grandes especuladores imobiliários. Em Altamira não é
diferente. Os grandes especuladores de terras ao longo da Transamazônica já
trataram de pegar o butim. Muitos dos pequenos proprietários de terras
desaparecem. Mas a população vai amargar as doenças como dengue, a malária, as
sexualmente transmissíveis, o aumento da prostituição infantil, da
promiscuidade sem controle; é uma situação motivada pela busca de oportunidade
de melhoria de vida para migrantes que acabam reféns de promessas dos falsos
mecenas. As invasões, expansão desordenada e a conquista, características da
Idade Média, são hoje realidades na região de Belo Monte. Quem não viu ou não
leu como os aluguéis ficaram mais caros em Altamira? A infraestrutura viária
não comporta o aumento dos automóveis e motos, faltam leitos no hospital para
dar conta dos acidentados. E o esgoto? E o lixo? O atraso institucionalizado em
nome do crescimento e do poder dos senhores "feudais" da energia. É
ou não é uma espécie de Idade Média acontecendo na Amazônia? Foi essa época que
inspirou os contos de fada que surgiram no século XIX. Aproveito para fazer uma
comparação com a forma que o governo brasileiro tenta impor Belo Monte à
sociedade: um conto de fada. Os feudos eram dados pelo rei aos amigos conforme
os interesses vigentes; hoje os nossos "reis" dão feudos às grandes
empresas. Quando comparei Altamira à Idade Média, recebi no blog um
comentário de alguém que não entendeu a analogia, dizendo que não havia
hidrelétricas naquela época. Lógico, não havia! Mas se o governo Lula e Dilma,
mais o ministro Edison Lobão, junto com a Eletrobras, estivessem por lá, aposto
que teriam construído! Várias.
IHU On-Line – De fato, para onde vai uma boa parte
de toda essa energia que o governo planeja gerar?
Telma Monteiro - O Plano Decenal de Energia (PDE)
2020 prevê que, entre 2011 e 2020, sejam adicionados anualmente ao Sistema
Interligado Nacional (SIN) 3.200 MW médios. Isso equivale mais ou menos a
uma usina do Madeira por ano, para se ter uma ideia. A intenção do governo é
que aquilo que eles chamam subsistemas Norte, Manaus/Amapá e Nordeste contribuam
com um aumento de 1.080 MW médios ao ano, nesse mesmo período. Esses 1.080 MW
médios equivalem às duas usinas do rio Madeira, Santo Antônio e Jirau,
que produzirão respectivamente 1.973 MW médios e 2.045 MW médios. Belo Monte
foi programada para produzir cerca de 4.000 MW médios, número contestado pelos
especialistas que concluíram que será muito menor. Outro ponto que chama nossa
atenção é que o governo quer desenvolver a integração energética dos países
latino-americanos e para isso vem firmando acordos com nossos vizinhos
amazônicos Peru, Bolívia, Guiana e Colômbia. Algumas grandes empresas
brasileiras ligadas ao "ramo" da hidroeletricidade têm participado na
elaboração dos estudos e parcerias com países das Américas Central e do Sul.
Por trás dessas estratégias está a premissa irredutível do setor elétrico do
governo de que o Brasil é um país privilegiado que gera "energia limpa e
barata" com hidrelétricas. Entendemos que, para o setor elétrico
brasileiro, do qual participam empresas públicas e privadas numa relação
amoral, não basta a exploração dos rios da Amazônia brasileira. Foi preciso
criar outros projetos em países vizinhos em que se destacam, por exemplo, seis
usinas hidrelétricas no Peru, já em fase final de estudos, com aproximadamente
7.000 MW de capacidade instalada que serão quase que integralmente
exportados para o Brasil. É o mesmo plano com relação à Bolívia, com a previsão
de construção da hidrelétrica Cachoeira Esperança a montante das usinas do rio
Madeira e com a Guiana, onde estão sendo realizados outros estudos de
inventário de mais 8.000 MW. Mas não está claro para nós o uso que se
fará de toda a capacidade de energia hidrelétrica inventariada na Amazônia,
dentro e fora dos limites do Brasil. Não devemos esquecer que seriam necessárias
extensas linhas de transmissão cortando florestas, Unidades de Conservação e
Terras Indígenas. A projeção do crescimento futuro da oferta de energia, sem
que se tenha uma ideia do seu destino final, está respaldada na transformação
da Amazônia num imenso canteiro de obras. O interessante é que o PDE 2020, na
verdade, prevê que o Brasil continue gerando energia na Amazônia para os
grandes consumidores industriais dos setores de papel, celulose e pasta
mecânica. O consumo de energia para produzir pasta mecânica de celulose é um
dos mais altos - a tecnologia de prensagem de toras de madeira para transformar
em fibras que depois são lavadas com água quente entre 70 e 100°. Esse é apenas
um exemplo de altíssimo consumo de energia elétrica e uma verdadeira loucura,
pois é dar banho em madeira de reflorestamento com energia tirada da destruição
da Amazônia! Está na hora de questionar a projeção dessa “demanda” para suprir
grandes indústrias "sujas" eletrointensivas que não agregam valor, e
a tecnologia envolvida na produção.
IHU On-Line – De que maneira a Rio+20 pode ajudar o
Brasil a se confirmar como liderança em energias limpas?
Telma Monteiro - Falando de energia elétrica,
acredito que agora está um pouco tarde para que a conferência Rio+20 ajude em
alguma coisa o Brasil, principalmente no que tange a energias limpas. Não,
quando o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício
Tolmasquim, e o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio
Zimmermann, vêm a público defender a construção de usinas hidrelétricas, em um
evento na semana passada. Continuam afirmando que a matriz energética
brasileira é a mais limpa do mundo e que isso deve continuar à medida que o
potencial hidrelétrico seja explorado na sua totalidade, ou melhor, os dois
terços restantes que estão quase que totalmente na Amazônia, a maior parte em
Tis e UCs. Nesse clima de falta de disposição das autoridades brasileiras de
rever o planejamento em que se induz a demanda de energia porque tem oferta e
tem oferta porque expande a geração sem, no mínimo, estabelecer metas e
compromisso com programas de eficiência, vai ficar muito difícil ouvirmos
propostas de sustentabilidade energética na Rio+20. As autoridades brasileiras
estão fechadas às discussões que possibilitem rever a composição da matriz
brasileira, mesmo tendo conhecimento de que ela não é renovável, limpa e
barata. Veja que eu disse "conhecimento", pois não é possível que não
leiam ou não tenham acesso a todos os estudos de cientistas e pesquisadores que
são produzidos diariamente, sobre as fontes genuinamente limpas e baratas. No
entanto, acredito que muitos fóruns paralelos da sociedade civil durante a
Rio+20 podem tornar público que o Brasil tem um discurso bem diferente da
prática, e assim desmistificar essa aura de pureza ambiental que tem enganado o
resto do mundo. Não só no que diz respeito à energia elétrica. Seria muito
interessante se no decorrer da conferência oficial alguém apresentasse a
planilha atualizada das termelétricas planejadas pelo Ministério de Minas e
Energia.
IHU On-Line – O Brasil pousa como detentor da matriz
energética mais verde do mundo. Trata-se de uma falácia?
Telma Monteiro - Em 2011, o Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês)
divulgou o III Relatório Especial sobre Fontes Renováveis de Energia e Mudanças
Climáticas Mitigação (SRREN) que mostra que as fontes renováveis [limpas] de energia
suprirão 80% da energia em 2050. Para isso é preciso adotar políticas públicas
que incentivem o uso dessas fontes mais limpas de energia. Em que patamar
o Brasil estará nesse horizonte, já que "vento não se estoca", como
disse a presidente Dilma Rousseff? Quer mais exemplos de falácia? Existe
esforço coletivo do governo, grandes empresas, bancos, para levar o país à
liderança entre as nações ricas com a exploração do petróleo do Pré-Sal, que
ainda não tem nenhuma tecnologia segura. E o que dizer dos biocombustíveis, o
chamado combustível "verde" baseado na produção de monoculturas em
terras férteis e que favorece o uso individual do automóvel em detrimento do
investimento em transporte de massa? E repito quantas vezes forem necessárias
que a maior das falácias é o discurso oficial de matriz limpa, barata e
renovável.
IHU On-Line – De que maneira as políticas
energéticas adotadas nos últimos 20 anos podem auxiliar para um melhor
desempenho da Conferência da Rio+20?
Telma Monteiro - Então vamos usar a Europa como
exemplo, uma vez que ela enfrenta atualmente grandes desafios com as mudanças
climáticas, envelhecimento, segurança alimentar, segurança no abastecimento
energético e que precisa achar um caminho sustentável. Pois bem, para ela não
perder seu papel de liderança no mundo globalizado, teve que canalizar recursos
imensos em inovação tecnológica para buscar aumento da eficiência energética,
aperfeiçoar as energias limpas e inteligentes no uso dos recursos naturais. Se
não conseguir um crescimento sustentável, estará acabada, por isso os esforços
se concentraram nas estratégias que envolvem energia e clima. Nos últimos
20 anos, as políticas energéticas foram no sentido de desenvolver tecnologias e
buscar formas de abastecimento de energia eficiente em uso dos recursos. As
energias eólica e solar, por exemplo, passaram a ocupar um espaço cada vez
maior nas pautas das políticas dos governos e na priorização dos financiamentos
e incentivos. Agora é a vez da evolução desse estágio, com políticas que
permitirão segurança no uso e transmissão de energias renováveis entre os
países de forma a obter a melhor relação custo-eficácia. O Brasil, ao
contrário, não adotou as políticas energéticas de desenvolvimento das fontes
alternativas que tem em abundância, deixando passar os 20 anos sem inovação,
sem incentivos, sem desenvolver programas de eficiência energética e sem adotar
mecanismos para minimizar as perdas na transmissão. Nós deixamos de viver 20
anos de avanços nas políticas energéticas e parece que não vamos recuperá-los
tão cedo, já que os esforços nesse sentido são quase inexistentes. O Brasil que
insiste em ser liderança em energia limpa, infelizmente, não desenvolveu
políticas energéticas que pudessem ajudar o planeta a sair dessa equação em que
se encontra. Apesar de a Europa ser perdulária e consumir muito mais energia
que o Brasil, como tem exaltado nossas autoridades para justificar o
"agora é a nossa vez", ela está conseguindo avanço tecnológico para
mudar os rumos do desperdício e da escassez de energia. Isso poderia ajudar no
desempenho da Rio+20 se constasse da pauta da conferência. Pelo visto, o foco
será a "economia verde" que é o único tema que interessa ao Brasil,
como anfitrião, até porque o que ele tem para oferecer em termos de políticas
energéticas é a geração por hidrelétricas, termelétricas e a exploração
"kamikaze" do pré-sal.
IHU On-Line – De que forma o Brasil pode construir
uma sociedade regida por um sistema energético sustentável?
Telma Monteiro - Vou me ater à energia elétrica,
para responder. Uma das formas seria rever a previsão de aumento da demanda
residencial que é apresentada no PDE. Por exemplo, o número de domicílios
particulares permanentes com energia elétrica chegará a cerca de 75 milhões de
unidades em 2020, segundo o PDE 2020, e o IBGE considera uma média de 3,3
habitantes por unidade residencial. Fazendo uma conta simples, isso quer dizer
que teremos então uma população de 250 milhões de habitantes em 2020? A
metodologia empregada para se chegar a esses números continua sendo uma
incógnita. A conclusão é que o consumo de eletricidade residencial crescerá a
uma taxa média de 5% ao ano até 2020. Projeta-se um consumo induzido para
os eletrodomésticos e ainda uma previsão para a entrada dos carros elétricos no
mercado. Quais os custos implicados nisso? Outro ponto é que a projeção do
consumo de energia elétrica foi realizada a partir de parâmetros e
indicadores típicos do mercado de eletricidade e considerando as premissas
demográficas, macroeconômicas, setoriais, de autoprodução e de eficiência
energética. Também é preciso considerar que as premissas econômicas e
demográficas adotadas no PDE 2020 e a projeção do consumo total de energia
elétrica resultaram em previsão de crescimento continuado do consumo per capita
de eletricidade e que induz a uma expansão em torno de 50% no período
2010-2020.
IHU On-Line – Quais são as chances de sucesso da
Rio+20?
Telma Monteiro - Eu diria que não podemos julgar
os resultados da Rio+20 sob o ponto de vista de sucesso ou fracasso. Temos que
ter em mente que, qualquer que seja o resultado, é preciso extrair dele algo de
positivo para que se possa deixar um legado com menos passivos ambientais às
gerações futuras.
IHU On-Line – Quais as saídas existentes para que as
energias alternativas comecem a se tornar mais competitivas?
Telma Monteiro - Somente vontade política,
incentivos que resultem em maiores investimentos e economia de escala poderão
levar as energias alternativas genuinamente limpas a compor a maior parte da
matriz energética. Nada disso, no entanto, será suficiente enquanto se pensar
em hidrelétricas sem avaliar a questão da justiça social. A sociedade
brasileira tem cobrado do governo federal informações sobre a matriz energética
nacional que sejam claras quanto às estratégias, aos investimentos, aos custos
socioambientais e econômicos. Há uma expansão da atividade industrial em que a
energia é o principal insumo, fato evidente no crescimento das exportações dos
setores eletrointensivos como alumínio, siderurgia, ferroligas, papel e
celulose e o aumento da atividade industrial desse grupo de indústrias impacta
o consumo energético do setor industrial como um todo.
Leia mais...
Telma Monteiro já concedeu outras entrevistas
à IHU On-Line. Confira.
• 11/04/2012
- "A consciência ecológica e o respeito à natureza alcançaram a sociedade,
mas não as autoridades brasileiras". Entrevista especial com Telma
Monteiro, disponível em http://bit.ly/HB4DpX
•
30/05/2011 - Belo Monte, o calcanhar de Aquiles do governo. Entrevista especial
com Telma Monteiro, disponível em http://bit.ly/JNZZbm
•
13/10/2010 - A urgência insana de Teles Pires. Entrevista especial com Telma
Monteiro, disponível em http://bit.ly/Jdw1gO
•
24/04/2010 - Leilão de Belo Monte: uma armação. Entrevista especial com Telma
Monteiro, disponível em http://bit.ly/KgtU9s
•
09/03/2010 - As cinco hidrelétricas no Rio Tapajós. "Nenhum rio, no mundo,
suporta isso". Entrevista especial com Telma Monteiro, disponível em
http://bit.ly/Jdw6Rz
•
11/06/2009 - Que conta é essa? Entrevista especial com Telma Monteiro,
disponível em http://bit.ly/JAD6GZ
•
30/07/2008 - Matriz energética. O Brasil na contramão da história. Entrevista
especial com Telma Monteiro, disponível em http://bit.ly/Mceszz
Fonte: Telma Monteiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário