PICICA: "Resistir a pressões, acordos ou seduções é um dever de
ofício dos jornalistas. Há os que se transformam em Fausto e depois
querem negar o pacto com Mefistófeles. Venderam a alma em troca de
supostas informações privilegiadas e exclusivas, extraídas das entranhas
do poder, como se fossem troféus conquistados com intrepidez,
independência e capacidade investigativa. Mas são balões de ensaio. Ou,
muito pior, veneno de proveito exclusivo do feiticeiro, escondido em
teto de zinco quente, onde, à noite, todo gato pardo é preto. Ou
camuflado de fonte movida por altruísmo e dedicação à causa."
Sexta-feira, 25 de Maio de 2012 | ISSN 1519-7670 - Ano 16 - nº 695
CENSURA TOGADA
A censura à imprensa feita através da justiça
Por Lúcio Flávio Pinto em 22/05/2012 na edição 695
Reproduzido do Jornal Pessoal nº 513, 2ª quinzena, maio/2012Os Maiorana não respeitam a justiça do Pará. Por isso, ao decidir colocar em prática o plano de me fazer submergir nos processos que instauraram contra mim depois da agressão de Ronaldo Maiorana, protocolaram no fórum de Belém ações toscas, sumárias, sem a menor preocupação em fundamentá-las.
Embora autores das ações, nunca compareceram em juízo, mesmo quando sua presença às audiências é obrigatória. Só Ronaldo foi uma vez, à primeira instrução, para impedir que sua mãe, minha testemunha, fosse ouvida. Por que eu indiquei Déa?
Por saber que, ao ser colocada diante das minhas perguntas, sob juramento em juízo de dizer toda verdade, ela confirmaria os episódios sobre os quais lhe pediria o testemunho. Como o respeito por mim do seu marido, o fundador do império de comunicações, até seus momentos finais, em 1986. O oposto da versão criada por seus filhos e herdeiros. A verdade, pois.
Para impô-la, recorri à exceção da verdade, um mecanismo legal com o qual o réu de uma ação penal, que é a parte passiva, assume o polo ativo. Para isso, tem que estar em condições de provar tudo que, pela ótica dos autores originais, os chamados querelantes, é a fonte da calúnia, injúria e difamação. Provei cada uma das minhas afirmativas, revertendo a situação.
É o que tenho feito, em juízo ou na praça pública, verbalmente ou por escrito. Daí este jornal publicar na íntegra as cartas que lhe são endereçadas, mesmo aquelas intencionalmente ofensivas. Em alguns casos eu podia processar na justiça os autores dessas mensagens. Mas para mim o direito de resposta é sagrado, deve ser acatado em sua plenitude.
Não há maior acatamento e homenagem a esse direito do que abrir o espaço do jornal para o que meu oponente quer dizer. Ele diz tudo, mas eu sempre respondo. Nas polêmicas em que me meti ou fui metido, sempre saí por cima. Não por ser melhor do que meu litigante. É porque só publico o que é verdade e posso provar. E só publico o que é do interesse público. Constantemente me chegam informações ou dossiês sobre determinadas pessoas. Mesmo sendo minhas inimigas e me colocarem no alvo do seu poder, quando se trata de questão pessoal, relativa à privacidade dessas pessoas, ignoro por completo o assunto.
Recentemente me chegou um desses dossiês, que deixaria em má situação o personagem. Mas é coisa de alcova, penetrando no âmbito da privacidade. Isso jamais saiu e nunca sairá neste jornal. Mesmo quando se trata de documentação do interesse da sociedade, não transformo em reportagem o que vem de uma única fonte. Vou checar os dados e se for necessário, irei aos locais indicados e ouvirei as fontes envolvidas. Em nenhuma dos milhares de páginas do Jornal Pessoalhá vazamento de gravações feitas pela Polícia Federal ou a mera reprodução do que a fonte forneceu. Carlinhos Cachoeira não pautaria o JP.
Nenhuma fonte jamais teve essa prerrogativa. Nem na época da ditadura nem na democracia tutelada e manipulada dos nossos dias. Os processos judiciais começaram, em 1992, justamente porque me recusei a aceitar um acordo sobre a matéria polêmica que escrevi, revelando a cisão interna no grupo Liberal, que já então existia, se consolidou e pode ser a causa da sua implosão, em futuro que se aproxima.
Resistir a pressões, acordos ou seduções é um dever de ofício dos jornalistas. Há os que se transformam em Fausto e depois querem negar o pacto com Mefistófeles. Venderam a alma em troca de supostas informações privilegiadas e exclusivas, extraídas das entranhas do poder, como se fossem troféus conquistados com intrepidez, independência e capacidade investigativa. Mas são balões de ensaio. Ou, muito pior, veneno de proveito exclusivo do feiticeiro, escondido em teto de zinco quente, onde, à noite, todo gato pardo é preto. Ou camuflado de fonte movida por altruísmo e dedicação à causa.
O grande jornalista Raimundo Rodrigues Pereira dissecou e desmontou as provas da Operação Satiagraha, comandado pelo então delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz. Ele depois se filiou ao PC do B (com o qual Raimundo manteve uma relação até hoje sujeita a controvérsias) e se elegeu deputado federal por São Paulo, com votação emprestada do palhaço Tiririca, campeão de votos.
A causa de Protógenes era aparentemente justa: acertar o banqueiro Daniel Dantas. Motivos não faltam para colocar o bilionário baiano na alça de mira. Mas as provas eram inconsistentes e o delegado estava muito longe de poder envergar as vestes de justiceiro. Para um jornalista não interessa se o fim é nobre. O que importa é se os meios são verdadeiros, factuais, demonstráveis. O que fazer com eles, depois de comprovados, é competência da sociedade, vista pela ótica da imprensa como verdadeira opinião pública.
A lição de Raimundo devia ser aproveitada pelos impetuosos jornalistas que anatematizam e exorcizam Cachoeira e suas vertentes. Não importa que a PF tenha feito a cortesia e deferência de ceder transcrições de gravações a algum jornalista. Se quiser merecer respeito, o jornalista tem que submeter o material a teste de consistência, prova dos nove, verificação direta, prova e contraprova. E não sair atirando com balas de festim, na presunção de que a fantasia resiste ao vento cortante da dúvida e do ceticismo.
Uma organização do porte da que foi atribuída ao cérebro e aos meios de Carlinhos Cachoeira não pode ser comandada por ele nem verter dos seus cofres as quantias insignificantes declaradas até agora. As máquinas de jogo de Goiás não serão jamais fermento suficiente para criaturas tão volumosas como as citadas. Ou é mais um pastiche ou os que sabem usam os que pensam que sabem para ganhar o que não declaram. O cidadão virou cego nesse tiroteio.
Os jornalistas não podem esquecer outra lição, esta literária, que nos dá o já muito apregoado poema de Eduardo Alves da Costa sobre a caminhada pelo jardim de Maiakovski. Se permitirmos que alguém roube a primeira flor, em pouco tempo não restará uma pétala sequer. A conivência com a primeira falsidade ou violência evolui em permissividade até que ela se generaliza e se torna comum.
Tenho tratado da perseguição judicial que sofro por estar convencido de que não se trata de patologia individual. Foi o primeiro de muitos casos de violação da liberdade de pensamento e de expressão que agora se espraia por todos os canais sociais. Atinge qualquer um que prejudique alguém dotado de poder ou dinheiro para usar a justiça, como temos visto aqui e em outros Estados, na imprensa convencional e nas novas formas de mídia.
Os Maiorana, por constituírem uma das fontes mais importantes de poder no Pará, não por seu valor intrínseco mas pela covardia ou cumplicidade de outros importantes segmentos de poder, abriram largas avenidas para por elas passarem a trafegar esbirros de qualquer espécie. Os Maiorana, alheios por completo ao significado do seu negócio, ignoram a instrução processual das suas ações, que são como édito reais, talvez na presunção de que a à justiça cabe apenas atender aos seus pedidos. E são, de fato, atendidos.
Esta tem sido a regra da sua litigância comigo. Mas, felizmente, há exceções. A maior delas foi proporcionada pela juíza Odete da Silva Carvalho, que foi titular da 7ª vara penal da capital. Ela julgou cinco ações penais dos irmãos Romulo e Ronaldo Maiorana, que lhe foram por redistribuição depois que a juíza Maria Edwiges aceitou sua suspeição. Negou-as todas. Mas não por um ato de vontade ou por arbitrariedade: agiu com ponderação e com sólido fundamento nos fatos e no direito.
Em duas sentenças, de maio de 2007, numa ela recusou o pedido da minha condenação por crimes de imprensa, que teriam sido cometidos no artigo “O rei da quitanda”, deste Jornal Pessoal; em outra, rejeitou a insólita ação através da qual o agressor tentava minha condenação, sob o pretexto de que o ofendi ao dizer que ele me espancou, quando o que ele teria feito fora “apenas” me agredir.
Reproduzo a seguir a análise que a juíza Odete Carvalho fez, na sua primeira sentença, porque o artigo motivador da ação penal (“O rei da quitanda”) é o mesmo que o principal executivo do grupo Liberal usou para cobrar indenização por danos materiais e morais, em ação que ainda tramita pelo 3ª câmara cível isolada do TJE, motivo dos recursos já aqui tratados. Como se sabe, sentença penal pode fazer prova em processo cível.
A segunda sentença diz respeito a uma questão ainda mais aviltante para a honradez do poder judiciário. Depois de me agredir, Ronaldo Maiorana, acumpliciado por seu irmão mais velho, foi à justiça pedir minha condenação por crime de calúnia, injúria e difamação. O motivo? Eu dissera ter sido espancado por ele. Pois não fui espancado: “apenas” agredido.
Não há a mais remota diferença entre as duas expressões. São sinônimos. Mas não só no léxico: dizem a mesma coisa também no mundo jurídico. O pedido era um abuso do direito de pedir a tutela do Estado. Na esfera penal, esse abuso foi coibido pela juíza Odete Carvalho, desrespeitada pela ausência dos autores da ação.
Ao invés de pugnar pela celeridade processual, como é comum, protelavam-na e comprometiam a instrução do processo. O réu, que normalmente busca a prescrição, nesse caso era quem queria logo chegar ao fim, mas provando tudo que disse. Insólito como se tornaram, esses processos desnudam a intolerância crescente dos poderosos diante da divulgação de informações que os desagradam. Se não forem freados, transformarão as normas legais em letra morta e a democracia, num simulacro.
Procurei facilitar a leitura das duas sentenças para o leitor comum, evitando o “juridiquês”, eliminando as partes doutrinárias e jurisprudenciais contidas nas sentenças, e destacando-lhes os trechos mais significativos para o momento atual. Espero que se tornem material em favor daqueles que combatem o arbítrio e querem que a democracia seja uma realidade viva. (L.F.P.)
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