PEC 215 é Inconstitucional – Nota Técnica da Associação Juizes para a Democracia – AJD
NOTA TÉCNICA sobre a PEC nº 215/2000
24/05/2012 – 12h36
A AJD
encaminhou a todos os Deputados e Deputadas Federais uma NOTA TÉCNICA
sobre a PEC n. 215, que, se aprovada, acarretará inegável violação aos
direitos humanos dos povos indígenas, pois as terras originalmente
ocupadas por esses povos, as quais, segundo a CF, devem ser
identificadas e limitadas pelo Poder Executivo apenas, sem a
possibilidade de qualquer intervenção do Legislativo, são
imprescindíveis para a preservação dos recursos ambientais necessários
ao seu bem-estar e à sua reprodução física e cultural, segundo os seus
usos, costumes e tradições.
NOTA TÉCNICA SOBRE A PEC Nº 215/2000
A
ASSOCIAÇÃO JUIZES PARA A DEMOCRACIA – AJD, entidade não governamental e
sem fins corporativos, que tem por finalidade trabalhar pelo império
dos valores próprios do Estado Democrático de Direito e pela defesa dos
direitos das minorias, na perspectiva de emancipação social dos
desfavorecidos, considerando as graves consequências decorrentes dos
termos da PEC 215/2000 em trâmite na Câmara dos Deputados, vem
apresentar a presente Nota Técnica, contrária à aprovação, em sua
totalidade, sob os seguintes fundamentos:
Demarcar, proteger e fazer respeitar os direitos originários dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam são
deveres incondicionais do Poder Público, por determinação expressa da
Constituição Federal, a teor do disposto em seu artigo 231, o qual
reconhece expressamente os direitos à organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições dos índios e, por consequência, sua
condição de pessoa humana.
As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são, também por
disposição constitucional, imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários ao bem-estar dos índios e à sua reprodução física
e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, sobre as quais têm direitos originários, são bens da União, a teor do artigo 20, XI da Constituição Federal, não bens dos estados da federação, motivo pelo qualfalaciosa a justificaçãoà PEC 215/2000 de
que a demarcação de tais terras, sem nenhuma consulta ou consideração
aos interesses e situações concretas dos estados-membros, importaria em
verdadeira intervenção federal, sem autorização congressual.
Tendo os índios, pois, direitos originários sobre
as terras que tradicionalmente ocupam, as quais integram o patrimônio
da UNIÃO, por disposição constitucional – e não por decisão do Congresso
Nacional -, a exigência de autorização ou ratificação da demarcação das
terras indígenas pelo Congresso Nacional viola frontalmente o princípio
da separação dos poderes, insculpido no artigo 2º da Constituição
Federal, in verbis: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Não fosse só isso, a demarcação de terras indígenas importa, outrossim, exclusivamene no trabalho de IDENTIFICAÇÃO e LIMITAÇÃO das
terras tradicionalmente ocupadas, incumbência essa de ordem
eminentemente técnica, a qual demanda imprescindivelmente a realização
de profundos estudos antropológicos, bem como estudos complementares de
natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e
o levantamento fundiário necessários à delimitação, atribuições
técnico-administrativas imanentes às funções constitucionais do Poder
Executivo.
Premissa fundamental à inafastável conclusão de inconstitucionalidade da
PEC 215/2000, é que terras indígenas não são “criadas” através da
demarcação, elas são apenas “identificadas e delimitadas”, mediante
processo de cunho eminentemente administrativo, para que aqueles
direitos, que são originários, bem como prévia e constitucionalmente
reconhecidos, sejam assegurados.
É
de se ressalvar, ainda, que não se subtrai dos estados-membros da
federação, nem dos Municípios, nem de qualquer outro interessado, a
participação nos procedimentos administrativos de demarcação de terras
indígenas, a teor do art. 2º, §8º do Decreto Federal nº 1775/96.
Em contrapartida, condicionar o exercício de atribuição imanente ao
Poder Executivo à convalidação do Congresso Nacional configura
verdadeira usurpação de poder, em violação frontal à separação dos
Poderes,cláusula pétrea a teor do artigo 60, §4º, inc. III da Constituição Federal de 1988.
A
PEC 215/2000, se aprovada, importaria em retrocessos gravíssimos,
vulnerabilizando direitos fundamentais do índio, enquanto ser humano,
cuja dignidade deve ser preservada, respeitada sua cosmologia, não se
olvidando que os dirietos fundamentais também ostentam blindagem
constitucional, por serem alçados ao patamar de cláusulas pétreas, a
teor do artigo 60, §4º, inc. IV da CF/88.
A
PEC 215/2000, se aprovada, importaria, ainda, em violação a documentos
internacionais vigentes sobre a proteção dos índios e suas terras, quais
sejam: a Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1989), ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 143 de 25 de julho de 2002; a Declaração das Organizações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (ONU, 2007); e, a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais da UNESCO, ratificada pelo Decreto nº 485, de 19 de dezembro de 2006.
O
direito ao não retrocesso esta assegurado na normativa internacional,
o descumprimento das normas vigentes gera violência e, induvidosamente,
a PEC só teria o condão de gerar mais violência e conflitos.
José Henrique Rodrigues Torres
Presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para Democracia
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