maio 29, 2012

"Mulheres e justiça ambiental", por Jeanne Callegari

PICICA: "Quer saber mais sobre gênero e clima? Participe da exibição, seguida de debate, do filme Weathering Change. Organizados pelas ONGs #ChangeMob e Population Action International, os evento serão: no dia 31 de maio, em São Paulo, e no dia 14 de junho, no Rio de Janeiro. Mais informações no site do projeto: Sobrevivendo à Mudança."

Mulheres e justiça ambiental

Na semana passada, escrevi um primeiro post sobre gênero e mudanças climáticas. Duas coisas que parecem não tem nada a ver uma com a outra, mas que estão diretamente ligadas. Afinal, homens e mulheres sofrem as alterações no clima de forma diferente, e recai sobre elas um peso desproporcional das consequências. Essa semana, vou entrar um pouco mais em detalhes sobre o tema.

A Gender CC – Women for Climate Justice é uma rede global de mulheres, ativistas de gênero e especialistas em clima do mundo inteiro que lutam pela justiça nessa questão. A organização trabalha em diversas áreas nas quais identifica que haja desigualdade de condições para homens e mulheres. Por meio desses campos de atuação, dá pra entender melhor de que forma, concretamente, as mudanças climáticas atingem as mulheres e os homens. Vamos lá:


Imagem do filme Weathering Change, da Population Action International

Agricultura: essa é uma das atividades mais afetadas pelas mudanças no clima. E nela, as mulheres representam 51% da força de trabalho no mundo. Na África Subsaariana, 80% das mulheres que trabalham fora de casa estão no ramo da agricultura. Elas, porém, têm seu acesso à terra limitado. Em muitos locais, não podem herdar propriedades. Com a desertificação e a degradação da terra causada pela mudança no ciclo das chuvas e pelo aumento da temperatura, essas mulheres são atingidas diretamente.

Biodiversidade/Florestas: o aquecimento do planeta está afetando a biodiversidade. Espécies migram, seus hábitats se alteram, assim como seus ciclos de vida. Ora, populações rurais de áreas pobres 
dependem em larga medida da biodiversidade para sobreviver. Em alguns casos, todos os remédios que têm vêm da natureza. E como é comum que as mulheres sejam as responsáveis por coletar plantas para fazer remédios, alimentar a família e suplementar a renda, essas mudanças acabam por afetá-las. Em vários lugares, mulheres indígenas são as guardiãs do conhecimento sobre as plantas. Apesar disso, muitas vezes elas não podem participar das decisões sobre o que acontece nas florestas, e não são beneficiadas pelas políticas de compensação existentes para incentivar a conservação.

Consumo: os altos padrões de consumo dos países industrializados são em larga medida responsáveis pelas mudanças climáticas. Tanto nesses países quanto nos mais rurais, homens e mulheres têm padrões de consumo diferentes. Nos países mais pobres, as mulheres têm menos acesso a renda, menos tempo livre disponível e fazem menos viagens, o que faz com que seu padrão de consumo seja bem menor que o deles. É preciso incentivar o consumo consciente, e nisso elas são fundamentais: pesquisas mostram que mulheres têm mais tendência a fazer compras levando em conta a sustentabilidade.

Zonas litorâneas: O litoral vai sofrer com o aumento do nível dos mares. Isso vai afetar a pesca, a agricultura e a própria sobrevivência das pessoas nesses locais. Por conta da divisão sexual do trabalho, a pesca é uma atividade predominantemente masculina, mas as mulheres participam de outros momentos da atividade, como preparar e vender os peixes. Com as mudanças climáticas, todo o ambiente e a subsistência das pessoas no litoral está em risco.

Desastres: As mudanças climáticas vão aumentar fenômenos naturais como enchentes, tempestades, secas. Esses desastres acontecem no mundo todo, mas os efeitos serão muito piores em países em desenvolvimento, em contraste com os países mais industrializados. Os países mais pobres têm menos condições de se preparar para catástrofes. E a forma com que esses desastres é vivida também é diferente para homens e mulheres. A fonte da qual elas buscam alimentos pode ser destruída, o que afeta a alimentação da família toda. Em casos como esses, os homens costumam migrar, e elas acabam ficando com trabalho redobrado em casa. Além disso, há menos iniciativas de reconstrução voltadas para elas, com menos acesso a crédito e empregos, por exemplo. As pesquisas mostram que o efeito dos desastres naturais têm mais consequências de longo prazo para elas que para eles.

Energia: pode ser um choque para nós que temos eletricidade ao alcance do dedo, mas em muitos lugares as pessoas não têm acesso a energia fácil. Como as mulheres são em geral responsáveis por cozinhar, dar banho nas crianças e manter as casas aquecidas, elas passam um tempo enorme acendendo fogueiras, seja com carvão, madeira ou resíduos de agricultura. A fumaça dentro de casa é extremamente nociva e acaba afetando a saúde delas. Mas as outras alternativas são caras, como petróleo, e elas ficam sem opção.

Saúde: com menos água para beber e menos alimentos disponíveis, as mulheres tendem a ficar desnutridas e frágeis. Em geral, costumam abrir mão do próprio alimento e de cuidados com a saúde em nome dos filhos, o que piora a situação. Além disso, doenças tropicais devem aumentar exponencialmente nos próximos anos, por causa do aumento da temperatura. Doenças que se considerava erradicadas podem voltar, e as pessoas de países pobres serão as mais vulneráveis a elas.


Mulher mostra foto do marido que migrou em busca de trabalho; cena do filme Weathering Change, da Population Action International

Migração: quando a seca aperta e falta comida, os homens migram em busca de melhores condições. Isso é um peso para todos: para eles, que viajam, e para elas, que ficam em casa com as crianças. As mulheres acabam tendo que assumir responsabilidades masculinas sem terem recursos técnicos ou financeiros para isso. As responsabilidades aumentam, mas não seus direitos: apesar de cuidarem da casa, da lavoura, dos filhos e da água, continuam sem poder ter acesso à terra e a empregos remunerados, por exemplo.

População: mais educação e recursos, em geral, significam menos filhos: a taxa de fertilidade caiu na maioria dos países industrializados nas últimas décadas. Mas em países mais pobres, porém, as mulheres continuam sem pode controlar quantos filhos têm. A UNFPA estima que haja no mundo 200 milhões de mulheres que gostariam de usar métodos seguros de contracepção e de planejamento familiar, mas não têm acesso a eles. Quando a gravidez é mais espaçada e a mulher tem menos filhos, é mais fácil alimentar a família e o trabalho fica menos pesado.

Transporte: as mulheres precisam andar mais de lá para cá, pois as atividades de subsistência são somadas ao cuidado da família. Em alguns casos, chegam a passar 65% do seu tempo caminhando. Os homens fazem viagens mais simples, embora para localidades mais distantes. Eles são mais propensos a usar o veículos e percorrer distâncias maiores, e assim acabam sendo responáveis pela emissão de mais gases poluentes. As diferenças de gênero nos padrões de mobilidade e transporte raramente são consideradas, e as mulheres são deixadas de fora das políticas públicas mais uma vez.

Água: em muitas localidades, é tarefa das mulheres e crianças buscar água para o uso doméstico, enquanto os homens cuidam da água para os negócios. Com a temperatura piorando a seca, fica cada vez mais difícil, e distante, a viagem até os poços. O tempo gasto nessa tarefa é enorme. Além disso, 80% das doencas do mundo são atribuídas ao uso de água não-potável e problemas sanitários.

Esses são alguns aspectos, bem resumidos, da intersecção entre gênero e sustentabilidade. Tem muito mais a se falar: há soluções e políticas públicas recomendadas para cada um desses aspectos, por exemplo. Um dos mais importantes é o planejamento familiar, como eu disse no post da semana passada, e como é abordado no filme Weathering Change, da ONG internacional Population Action International. Aumentar o acesso a ferramentas de contracepção pode significar a diferença entre ter o suficiente para alimentar todos os filhos ou vê-los passar fome.

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Quer saber mais sobre gênero e clima? Participe da exibição, seguida de debate, do filme Weathering Change. Organizados pelas ONGs #ChangeMob e Population Action International, os evento serão: no dia 31 de maio, em São Paulo, e no dia 14 de junho, no Rio de Janeiro. Mais informações no site do projeto: Sobrevivendo à Mudança.  
 
Não se esqueça de entrar no site e se inscrever para participar.

Jeanne Callegari

I'm not Jesus, but I have the same initials.

Fonte: Blogueiras Feministas

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