maio 24, 2012

"Uma luz no fim do túnel na luta pela regulação da mídia", por Dênis Moraes

PICICA: “Nunca é demais repetir que público opõe-se a próprio. Público é o que pertence a todos. Próprio, o que pertence exclusivamente a um ou alguns. A comunhão ou comunidade é o exato contrário da propriedade. Nesse sentido, pode-se dizer que a liberdade de expressão, enquanto direito fundamental, não pode ser objeto de propriedade de ninguém, pois ela é um atributo essencial da pessoa humana, um direito comum a todos. Ora, se a liberdade de expressão se exerce atualmente pela mediação necessária dos meios de comunicação de massa, estes últimos não podem, em estrita lógica, ser objeto de propriedade empresarial no interesse privado”. 

Uma luz no fim do túnel na luta pela regulação da mídia

Uma luz no fim do túnel surge para a causa da democratização da comunicação no Brasil.

Por: Dênis de Moraes *


Uma luz no fim do túnel surge para a causa da democratização da comunicação no Brasil. O jurista Fábio Konder Comparato acaba de obter vitória parcial porém significativa na ação direta de inconstitucionalidade que move no Supremo Tribunal Federal, representando o PSOL, a Federação Nacional dos Jornalistas – Fenaj e a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão – Fitert, contra a omissão do Congresso Nacional ao não regulamentar o capítulo da Constituição de 1988 que trata da comunicação social. A Procuradoria Geral da República emitiu parecer favorável à ação, o que abre caminho ao pronunciamento do STF sobre matéria fundamental à reestruturação do sistema de comunicação do país. No entendimento da Procuradoria, o poder público deve atuar no sentido de reequilibrar os interesses em disputa e resguardar a diversidade informativa e cultural: “Revela-se legítima a intervenção do Estado na estruturação e no funcionamento do mercado. Principalmente quando se trata de coibir os excessos da concentração de poderes em determinados grupos econômicos, de modo a se garantir a diversidade de pontos de vista e a prevalência da autonomia individual na livre formação da convicção de cada um”.

De fato, regular democraticamente a mídia constitui providência decisiva para coibir a concentração monopólica e, sobretudo, diversificar os meios sob concessão pública (rádio e televisão). Cabe à Suprema Corte determinar ao letárgico Congresso que cumpra o seu dever de regulamentar artigos capazes de assegurar a plena liberdade de expressão e o pluralismo.

Por mais meritórios que sejam congressos, seminários e manifestos, a verdade é que essas formas cidadãs de intervenção no debate sobre a regulação da mídia têm se revelado insuficientes, em decorrência de dois fatores adversos: a inércia ou o desinteresse governamental na questão, por mais absurdo que pareça; e a fortaleza de silêncio erguida por corporações midiáticas em torno do tema, sonegando ao conjunto da sociedade informações e elementos de esclarecimento. Os grupos privados assim procedem no intuito de bloquear qualquer iniciativa que possa afetar suas obsessivas ambições de poder e rentabilidade. O resultado é que a opinião pública não consegue avaliar na devida conta a relevância da democratização da comunicação para a evolução civilizatória e o aprofundamento dos direitos da cidadania. Está prisioneira do círculo de ocultamento e interdição imposto pelos aparatos hegemônicos de difusão. E, como se não bastasse, os sucessivos governos parecem estar de acordo ou se omitem frente a uma situação alarmante de prevalência de conveniências empresariais sobre os interesses coletivos.

Daí a importância de se apoiar a ação direta de inconstitucionalidade, em tramitação no STF desde 10 de dezembro de 2010, em nome do PSOL. Ficou paralisada quase um ano e meio pela demora do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, em divulgar seu parecer. Fábio Comparato, em 2012, recorreu ao STF contra a protelação e agora veio a público o parecer favorável do procurador-geral. A ação tem teor e objetivos semelhantes à que havia sido protocolada por Comparato em 18 de outubro de 2010, representando a Fenaj e Fitert. A petição requer ao STF que determine ao Congresso proceder à regulamentação de três artigos da Constituição (220, 221 e 223). Entre as normas pendentes, estão a criação de uma legislação específica sobre o direito de resposta, a proibição de monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação e a definição de critérios sociais para produção e programação exibida pelos veículos.1

Em sua argumentação, detalhada no prefácio do livro de Venício de Lima, Liberdade de expressão vs. liberdade de imprensa: direito à comunicação e democracia (Publisher Brasil, 2010), Fábio Comparato argumenta que as liberdades públicas e privadas não podem ser afetadas pela ausência de regulamentação da comunicação. A Constituição de 1988 declarou livre a manifestação do pensamento (artigo 5º, inciso IV), mas deixou a regulamentação do princípio para a legislação ordinária – o que jamais foi feito, inclusive porque, como assinala Comparato, o “Congresso Nacional é sistematicamente paralisado pela pressão dominante das empresas de comunicação”. O jurista ressalta que “se, numa sociedade de massas, as opiniões, ideias, protestos ou propostas só podem ser manifestados publicamente através dos meios institucionais de comunicação social, é evidente que esse espaço, por natureza pública, não pode ser apropriado por particulares, atuando em ambiente não regulamentado”. Ele salienta que liberdade de expressão está indissociavelmente vinculada aos direitos públicos e às aspirações coletivas, sem qualquer subordinação a interesses privados ou ambições particulares. E acrescenta: 

“Nunca é demais repetir que público opõe-se a próprio. Público é o que pertence a todos. Próprio, o que pertence exclusivamente a um ou alguns. A comunhão ou comunidade é o exato contrário da propriedade. Nesse sentido, pode-se dizer que a liberdade de expressão, enquanto direito fundamental, não pode ser objeto de propriedade de ninguém, pois ela é um atributo essencial da pessoa humana, um direito comum a todos. Ora, se a liberdade de expressão se exerce atualmente pela mediação necessária dos meios de comunicação de massa, estes últimos não podem, em estrita lógica, ser objeto de propriedade empresarial no interesse privado”.

De fato, as políticas de regulação não se confundem com censura, desrespeito a liberdades individuais e coletivas, como querem fazer crer editoriais falaciosos publicados por grupos midiáticos. Ao contrário, quando formuladas em sintonia com o pluralismo, resguardam a variedade informativa, incentivam a livre expressão e apoiam a produção cultural nacional, regional e independente. 

O aval da PGR à ação direta de inconstitucionalidade movida por Fábio Comparato constitui significativo estímulo à intensificação da pressão social para que o STF obrigue o Congresso a regulamentar matéria decisiva no árduo processo para se reverter a tendência histórica de concentração da mídia nas mãos de poucas corporações, a maioria delas controlada por dinastias familiares.

* Dênis de Moraes é professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do CNPq e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro Faperj. Dênis de Moraes colabora regularmente com as atividades do Grupo Cepos.

Fonte: IHU

Nenhum comentário: