maio 25, 2012

"Marcha das Vadias: coletividade e mobilização" (Blogueiras Feministas)

PICICA: "Não podemos mais falar em uma “mulher universal”. Quando não explicitamos a cor, o sentimento de gênero ou a sexualidade dessa mulher, estamos falando da mulher branca heterossexual. Uma mulher que durante anos foi confinada ao lar e que corresponde ao estereótipo de recato e fragilidade. A mulher negra sempre teve que trabalhar, são brutalizadas e desumanizadas. Seu estereótipo é de uma mulher hipersexualizada, desregrada e interesseira. As indígenas, por sua nudez, são chamadas de devassas. As lésbicas tem sua sexualidade constantemente questionada. As transexuais não podem sequer existir socialmente. Sabemos que a ideologia machista desumaniza a mulher, garantindo assim sua subordinação como sujeito de categoria inferior na hierarquia das classes sociais, mas é preciso perceber que o racismo, a lesbofobia e a transfobia agem de maneiras diferentes, apesar de fazerem parte do mesmo sistema misógino."

Marcha das Vadias: coletividade e mobilização


Este final de semana é dia de Marcha das Vadias pelo Brasil. Brasília, Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Recife, Curitiba, Salvador e várias outras cidades marcharão. Confira cidades, datas, horários e locais no calendário das marchas ou no evento do facebook.

Criada em 2011, na cidade de Toronto, Canadá, a Slutwalk reverberou pelo mundo espontaneamente, como uma resposta a culpabilização das vítimas de violência sexual. No Brasil, foram criados coletivos ao redor das marchas, constituindo espaços de mobilização feminina. A partir das redes sociais o movimento diversificou-se. Grande parte das marchas das vadias brasileiras foram gestadas nas universidades, o que acaba dando um rosto jovem ao evento. Porém, suas reivindicações são históricas.



Marcha das Vadias no Rio de Janeiro em 2011. Foto de Alexandre Borges no Flcikr em CC, alguns direitos reservados.

Feminismo na Marcha das Vadias

A Marcha das Vadias não nasce como uma iniciativa do movimento feminista, mas suas propostas tem raízes no feminismo. Sonya Barnett e Heather Jarvis, criadoras da Slutwalk de Toronto falam em entrevista ao site Feministing sobre os desafios do feminismo hoje (livre tradução):
Heather Jarvis: O desafio é dobrado. Primeiramente, existe essa visão de que o feminismo está morto e não precisamos mais dele, pois as conquistas estão garantidas. Isso está associado a ideia de que o feminismo é algo referente a nossas mães, avós, tias, ao que elas fizeram. As pessoas ainda pensam que é sobre sutiãs sendo queimados (o que é absurdo e um mito), não depilar as pernas, lutar pela legalização do aborto e o direito de votar. Elas acham que isso se refere a algo do passado, não se envolvem com o feminismo porque não tem uma visão dele no contexto moderno. Muitas pessoas não reconhecem o que acontece ao seu redor como sendo algo feminista. Ganhamos apoio de pessoas jovens, especialmente na Slutwalk. O movimento ganha novas vozes com a utilização da mídia online. Porém, muitas pessoas ainda dirão que o feminismo não tem mais espaço atualmente, porque não percebem que estão envolvidos em uma iniciativa feminista, em uma causa feminista. Trata-se de uma grande desinformação sobre o feminismo.
Sonya Barnett: Para mim, signifca lidar com aqueles que trabalham duro para esmagar o feminismo. É muito difícil tentar impulsionar a igualdade de direitos, quando há várias pessoas tentando nos arrastar para baixo. Convencendo as pessoas sem apresentar todos os fatos ou usando táticas alarmistas.
Tivemos muita visibilidade na mídia e apoio de blogs feministas, educadores e pessoas que compartilharam suas histórias pessoais, é fenomenal. Mas na outra extremidade há um pequeno percentual (mesmo que pequeno, eles têm uma voz grande estes dias para fazer barulho suficiente), que por qualquer razão — seja para fazer manchetes maiores, obter melhores avaliações ou apenas para ser ouvido e atuar como advogado do diabo — têm trabalhado duro para empurrar a idéia de que nós somos hipócritas ou não temos idéia do que estamos fazendo. Dizendo que deveríamos ter vergonha do que fazemos, que não tenho direito de ressignificar palavras ou que não temos experiência com questões feministas.
Não somos ativistas feministas institucionalizadas. Eu nunca estive em um protesto antes, nem partipei de movimentos ativistas. Mas estamos aprendendo e tem sido incrível para mim. Admito que eu comecei do zero, mas aquelas pessoas que se sentam atrás de seus computadores não têm idéia do trabalho duro por trás. É irritante, porque eles têm o conforto do anonimato, dizendo que não deveríamos estar fazendo isso, ou deveríamos estar fazendo outra coisa, quando eles próprios não estão fazendo nada e nem estão trabalhando para nenhuma das causas que consideramos importante.
Acredito que o feminismo, como todo movimento social, é mutável. Porque seu objetivo é modificar estruturas sociais, mas isso não é garantia de um mundo perfeito. Viver em sociedade é uma luta diária e individual, mas precisamos sempre reforçar a coletividade.


Cartaz da Campanha "Feminista por quê?" da Marcha das Vadias do DF

Debates e privilégios

Dentro do grupo das Blogueiras Feministas vivemos um debate sobre a transexualidade e as complexidades que envolvem a linguagem e os comportamentos cissexistas. Somos um coletivo online, mas é visível que por mais que a busca pela diversidade seja uma preocupação constante dentro do grupo, nossa linguagem pode barrar essa diversidade. Porque somos um grupo pequeno, inserido em uma realidade social e econômica específica. Não falamos de um lugar neutro. Só o fato de termos internet já nos torna um grupo privilegiado no contexto brasileiro.

No grupo da Marcha das Vadias do Distrito Federal, pude acompanhar um intenso debate sobre a representação e o protagonismo das mulheres negras nas ações e na organização da marcha. Como resultado houve um debate público na Universidade de Brasília e a proposta de criação de um Grupo de Trabalho formado por mulheres negras. O termo “marcha das vadias” foi questionado algumas vezes por parte das mulheres negras, porque desde sempre as negras são tratadas como pessoas de segunda classe. Como canta Elza Soares: a carne mais barata do mercado é a carne negra. Portanto, uma marcha que se propõe a questionar e discutir corpo, sexualidade e imagem das mulheres deve sempre ter raça em vista. Não podemos deixar que sempre sejam as mulheres negras a lembrar o quanto racismo e machismo estão entrelaçados.
Precisamos de um feminismo que discuta raça sempre e discuta também a branquitude. Porque raça não é assunto só das mulheres negras, é um assunto de todas nós que pensamos um mundo sem opressão. Porque, esse mundo que nós queremos, ainda não foi inventado e nós precisamos tentar descobrir como ele seria a cada dia, tentar nos reinventar a cada dia e tentar reelaborar as dinâmicas de poder que reforçamos e acabar com certas invisibilidades.Todas somos responsáveis pelas dinâmicas políticas que desencadeamos, estejamos nós atentas a elas ou não. Ana Claudia Pereira, integrante da Marcha das Vadias do DF.
Na Marcha das Vadias de Belo Horizonte, foi publicizado um diálogo que vem acontecendo com as prostitutas, grupo que consideram essencial para o fortalecimento da Marcha: Palavras de ordem + Palavras de respeito: os cartazes para a Marcha das Vadias.
Uma frase recorrente nos cartazes e corpos das manifestantes foi a emblemática “Nem Santa Nem Puta”. Uma frase forte, potente, que visa a questionar os extremos por meio dos quais a sociedade insiste em dividir as mulheres, ignorando a multiplicidade de escolhas e de comportamentos a que estamos sujeitas todos os dias.
Em todo caso, uma frase também ambígua, que foi interpretada por algumas prostitutas como uma exclusão, como se o que estivéssemos rechaçando não fosse o rótulo, mas as próprias putas. Como se não quiséssemos nunca ser confundidas com santas, tampouco com putas.
Na minha visão, as Marchas das Vadias são espaços de coletividade e mobilização feministas porque funcionam horizontalmente, com ampla participação de seus membros e possuem caráter político. É preciso que todas coloquem a mão na massa para que a panfletagem ou a oficina de cartazes aconteça. As reuniões são coletivas e abertas a quem quiser fazer parte. Esse ano, as organizadoras da Marcha das Vadias do DF fizeram questão de levar as reuniões e panfletagens as cidades-satélites, espaços historicamente marginalizados. Há várias participantes da Marcha das Vadias do DF que residem em cidades-satélites, mas é preciso colocar isso nas pautas das reuniões para a questão realmente sair do campo das ideias. Grupos feministas são também espaços de decisão e poder, portanto é preciso refletir sobre sua constituição, compreender suas limitações e perceber os privilégios intrínsecos.


Cartaz da Campanha "Deminista por quê?" da Marcha das Vadias DF

Horizontalidade na base

Não podemos mais falar em uma “mulher universal”. Quando não explicitamos a cor, o sentimento de gênero ou a sexualidade dessa mulher, estamos falando da mulher branca heterossexual. Uma mulher que durante anos foi confinada ao lar e que corresponde ao estereótipo de recato e fragilidade. A mulher negra sempre teve que trabalhar, são brutalizadas e desumanizadas. Seu estereótipo é de uma mulher hipersexualizada, desregrada e interesseira. As indígenas, por sua nudez, são chamadas de devassas. As lésbicas tem sua sexualidade constantemente questionada. As transexuais não podem sequer existir socialmente. Sabemos que a ideologia machista desumaniza a mulher, garantindo assim sua subordinação como sujeito de categoria inferior na hierarquia das classes sociais, mas é preciso perceber que o racismo, a lesbofobia e a transfobia agem de maneiras diferentes, apesar de fazerem parte do mesmo sistema misógino.

Justamente por fugir da institucionalização e por seu caráter horizontal, as Marchas das Vadias podem ser os espaços que faltavam para as mulheres colocarem mais feminismo no seu feminino. Por meio de ações coletivas que questionem as diferentes formas de opressão e busquem incluir todas as mulheres. Mantendo-se sempre atentas as demandas específicas dos diferentes grupos sociais. As Marcha das Vadias são também espaços de colaboração entre os diferentes coletivos de mulheres. A construção coletiva e horizontal é importantíssima para que a pluralidade seja constantemente reivindicada.

As campanhas fotográficas da Marcha das Vadias DF e da Marcha das Vadias Belo Horizonte são instrumentos importantes para aproximar o feminismo das pessoas, por meio da quebra de estereótipos. E são também ponto de partida para observarmos qual a imagem do movimento. Quantas mulheres negras, indígenas, transexuais há nas imagens de divulgação? O desafio é justamente sair da internet, um espaço elitizado, para atingir outras pessoas.

O ponto mais positivo da Marcha das Vadias é que o movimento tem agregado mulheres que nunca se declararam feministas ou que nem mesmo discutiram ou pensaram sobre gênero e machismo. São pessoas que muitas vezes nunca pensaram que tem atitudes feministas. Dessa maneira, a Marcha ds Vadias torna-se um espaço de formação coletiva, em que o aprendizado por meio do diálogo e das experiências de cada pessoa transformam tanto o indivíduo como o grupo. 

Srta. Bia

Uma feminista lambateira tropical.

 
Fonte: Blogueiras Feministas

Um comentário:

Anônimo disse...

Considero de extrema importância que as mulheres lutem por mais direitos, respeito e liberdade pois ainda vivem submissas tanto aos machista quanto pela sociedade hipócrita que nega a igualdade as mulheres. O uso de um tipo de roupa, curta ou sensual não da o direito de ninguém abusar da mulher. Seu corpo pode até esta nu, ou quase nu, mas ainda é seu! Marcha das Vadias eu apoio. Priscila