fevereiro 07, 2009

Ernesto Venturini se manifesta favorável à extradição de Battisti



Nota do blog:
Leia a resposta do psiquiatra Ernesto Venturini ao texto do Prof. Virgílio Cunha Mattos, publicado neste blog.

Companheir@s, boa tarde!
Estou encaminhando manifestação do Venturini favorável à extradição do Battisti.
Embora não concorde com o principal, o texto traz reflexões importantes, penso.
Sempre bom podermos analisar os pontos de vista contrários aos nossos em um clima de respeito e cordialidade, o que anda tão escasso hoje em dia.
Abração,
Virgílio

***

DIFERENÇAS
VISTO DA ITÁLIA

- Algumas palavras sobre o asilo concedido a Cesare Battisti[1]
Ernesto Venturini[2]

Muitas pessoas estão enfastiadas com o relevo midiático internacional dado ao caso Battisti. Existem tantas e relevantes injustiças, impunidades, incoerências que tem a ver com o modo pelo qual vem administrada a justiça, sobretudo no confronto dos que tem um fraco poder social em qualquer dos dois países interessados, respectivamente no Brasil e na Itália, que o empenho político para vencer esta disputa parece desproporcionado e mistificador. Basta considerar que na Itália essa grande poeira é promovida pelo partido de Berlusconi que se apressa a publicar leis antidemocráticas que de fato andam a golpear a magistratura, sujeitando-a em parte ao poder político – “lei de reforma da justiça”, “lei sobre interceptações telefônicas”, “lei sobre segurança e imigração”. Por isso parece de todo impróprio o clima de histeria e de inventivas envolvidas no ato do governo italiano, com as suas ridículas refutações e enfronhando-se em ridículos desafios.

Não tenho pessoalmente nenhuma competência específica para examinar os atos processuais contra Battisti – nem sinceramente penso oportuno despender o meu tempo com semelhantes coisas -, e por isso sou consciente que as minhas argumentações possam vir a ser superficiais e erradas. O farei de modo discreto, pronto para acolher convincentes razões opostas.

Falo como um cidadão comum que construiu a sua opinião sobre parecer de organizações, de sujeitos3 competentes, que ganharam sua confiança e que, portanto, são aos seus olhos credíveis.

Preliminarmente devemos precisar que a presumida negação do direito a uma defesa completa, fora já excluída pela Corte Européia dos Direitos do homem e que o pedido de extradição feito à França não era conseqüência da mudança do governo francês, mais simplesmente a aplicação do mandado de prisão europeu, que encontrou atuação no primeiro semestre de 2005, por força da lei n. 69, de 22 abril de 2005. É de se notar, por outro lado, que a França não deu jamais asilo a Battisti por razões políticas: a doutrina Mitterand era, de fato, um tipo de acordo político no qual se evitava, da parte da Itália, um pedido de extradição para respeitar o empenho de Mitterand com os refugiados políticos. Quando o pedido foi apresentado, foi acolhido e a França emitiu um mandado de prisão internacional. Em verdade houve também o caso da foragida Marina Petrella, a qual Sarkozy não concedeu a extradição.

O pedido de extradição ao Brasil foi recusado não por aspectos processuais, ou porque não se reconheça a validade de uma sentença, ainda que emitida ao término de um processo desenvolvido na ausência do imputado, mas porque a tal pessoa foi reconhecido o status de “refugiado político”. Anota o ministro da justiça brasileiro, ao comentar a própria decisão, que é tradição do Brasil conceder tal status toda vez que exista “um fundado temor de perseguição política” contra a pessoa em tema. Então, se houve um erro de parte da autoridade italiana foi seguramente a incapacidade de tornar internacionalmente compreensível e legível as normas e a práxis que caracterizaram os anos de emergências, 1970/1980 na Itália.

Portanto, também faz rir amargamente a referência que as agências de notícias reportam sobre a nota do governo brasileiro a possíveis aparatos de repressão italiana ligados à máfia e à CIA que motivassem os temores sobre a incolumidade de um Battisti extraditado na Itália. Este acontecimento poderia ser uma posterior ocasião para acolher alguns aspectos que nos ajude a superar positivamente todas as lacerações produzidas naqueles anos na Itália.

Há muitos anos se compreendeu que não se afrontam aqueles acontecimentos, não se elaboram aqueles lutos com exasperações judiciárias, mas antes com a capacidade de leitura da parte de todas aquelas motivações, dos erros, dos sofrimentos infligidos. Ocorre retesar o fio de leitura daqueles acontecimentos, mesmo porque não é mais possível declarar-se ainda em continuidade com eles. Além do mais, seja como for, o delito politicamente motivado é sempre objeto de maior incisividade da parte da autoridade estatal no momento no qual o perigo acontece, mas é também, sempre objeto de maior benevolência da parte estatal, uma vez derrotados os inimigos de um tempo, porque é interesse da coletividade estabelecer uma cesura com a experiência vivida e recuperar ao contexto social aqueles que foram derrotados. E, com efeito, os ex-brigadistas na Itália, que foram mais ou menos rapidamente postos em condições de prisões domiciliares ou de liberdade vigiada, tiveram a possibilidade não só de reinserir-se no contexto social, mas também de confrontarem-se publicamente com o passado recente – nas cátedras universitárias, nas entrevistas para a televisão e nos jornais -, suscitando apesar disso, como é normal esperar-se, criticas de um excessivo permissivismo jurídico sobretudo da parte das vítimas.

Existe, afinal, quem critica todo retorno ao passado como um nonsense, no contexto da finalidade que os ordenamentos liberais atribuíram à sanção penal. Colocar no cárcere os protagonistas da luta armada de trinta anos atrás, não terá valor preventivo, porque ninguém pode certamente sustentar que uma pessoa, embora responsável um tempo de graves crimes, todavia reconduzidos a um período e das hipóteses equivocadas, constitua hoje um perigo social (embora na realidade exista também hoje o perigo de novas Brigadas Vermelhas!). Não haveria um valor de reeducação social porque se trata sempre de pessoas que o passar sucessivos dos anos conduziram - em outro lugar – a uma vida normal, sem constituir problema para os países hóspedes. Haverá valor meramente sancionatório, no qual confundindo a sanção do comportamento e a afirmação clara do mal sofrido pela vítima com a hipótese de uma maneira de devolver o chamado a um desejo de vingança, um desejo de conforto na destruição ulterior de vida e de esperanças. Alguns Estados realmente – Canadá, Nicarágua – negam a extradição de pessoas que no seu território estão estabelecidas, subtraindo-os da expiação da pena cominada, se a reconstrução do novo percurso pessoal demonstra um de modo inequívoco a ruptura com as hipóteses do próprio passado.

E, todavia, estas argumentações resultam abstratas e injustas a respeito das exigências legítimas das vítimas. A reelaboração dos lutos, reconstruindo quanto de positivo, também das suas negatividades, pode ser um momento demonstrável somente se se afirma o princípio da legalidade. Alguns parentes das vítimas – dentre os quais a filha de Aldo Moro – demonstraram um corajoso sentimento de abertura em relação aos culpados, durante e depois do período de expiação dos culpados, nunca, porém, em sua ausência ou antes. A estridente contradição é que os terroristas podem se transformar com o tempo em ex-terroristas, mas as vítimas não podem transformar-se em ex-vítimas.

Não se pode negar que certo clima psicológico da emergência possa haver influído naqueles anos na cultura da jurisdição e possa levantar perplexidade nos interlocutores estrangeiros: a cultura da delação premiada, um certo automatismo na atribuição da pena máxima, uma rara abertura a eventuais equilíbrios com possíveis atenuantes. Mas é preciso ter em conta qual relevância para a democracia tinham aqueles processos naqueles anos e, honestamente – enfatizo este termo - em qual processo não está presente sempre uma base psicológica, emocional, cultural que pesa no juízo dos juízes e dos jurados? Como se costuma dizer: “quem não tem pecado que atire a primeira pedra”.

É importante naturalmente que haja transparência, que as razões de todos sejam acolhidas, que haja uma justa possibilidade de defesa. A fim de evitar graves confusões, é preciso ter presente que, malgrado a gravidade do momento, a Itália não desejou leis especiais, manteve os institutos de garantia. Indubitavelmente as declarações dos pentiti – os colaboradores da justiça – tiveram um papel central nas investigações, mas nunca se constituíram em elemento probatório, a atribuição de responsabilidade pelo concurso moral sempre requereu a clara evidência também de uma responsabilidade individual para os eventos criminosos.

Existem, além disso, três graus de processo antes da sentença definitiva (existe também quem gostaria que o processo fosse modificado, porque acarreta em um tempo muito longo antes da sentença). Mas este processo mesmo oferece a possibilidade de ampliar as garantias e o devido processo legal, afasta as influências emocionais e contingentes, reduz as possibilidades de erro.

Não sei se Eichman, para dize-lo com Augusto Thompson, era um prisioneiro político, em todo caso, Battisti não foi condenado por ter sido um militante revolucionário, mas por haver participado de crimes comuns – homicídios, tentativa de homicídio, gambizzazione[3]- as ações odiosas, mas quais as vítimas eram cidadãos comuns sem nenhuma ligação com o aparato estatal ou funcionários, privados de qualquer proteção ou cobertura. E o seu não foi, certamente, um processo ideológico!

Foi condenado, a revelia, com sentenças transitadas em julgado, à prisão perpétua e um período de isolamento diurno, por bando armado, roubo, posse de armas, atos de violência a mão armada (gambizzazioni), por quatro homicídios qualificados: em dois desses (homicídio do marechal dos então agentes de custódia, Antonio Santoro, morto aos 52 anos na porta de casa, quando saia para o trabalho, em Udine, 6 de junho de 1978; homicídio do agente Andrea Campagna, em Milão, a 19 de abril de 1979; disparou na cabeça ou nas costas das vítimas; no terceiro ( Lino Sabbadiri, açougueiro, morto em Mestre em 16 de fevereiro de 1979) participou materialmente da ação fazendo cobertura armada ao homicida Diego Giacomini; no quarto ( Pierluigi Torregiani, negociante, Milão, 16 fevereiro de 1979) foi condenado como co-idealizador e co-organizador. O procurador que desenvolveu as investigações é universalmente reconhecido como pessoa equilibrada e meticulosa.

O que fere particularmente é que Battisti não só nunca se arrependeu publicamente de suas ações e não fez nenhuma autocrítica, mas nunca expressou nenhuma pietas pelas suas vítimas. Gianni Sofri, que não participou de nenhuma ação terrorista, nem agiu na clandestinidade, foi condenado e cumpre ainda hoje sua condenação em liberdade vigiada ( neste caso sim, com todas as dúvidas sobre a licitude da condenação!), e então Gianni Sofri assumiu recentemente a responsabilidade moral de seu gesto, a responsabilidade das suas palavras, tem mais vezes analisado criticamente os juízos e os comportamentos da esquerda armada, sem renunciar às acusações dirigidas a algum aparato do Estado. Battisti se apresenta, ao contrário, como um perseguido político, utilizando influentes coberturas. Mentiu mais vezes e recentemente descarregou a responsabilidade sobre companheiros que o desmentiram.

O ministro brasileiro Genro está mesmo fora do caminho quando diz que a Itália, ao contrário do Brasil, não resolveu ainda os problemas com o seu passado emergencial. É uma afirmação grave e injusta, sobretudo se usada para defender um criminoso como Battisti. Mas o Brasil é um grande país democrático, notoriamente pouco inclinado as extradições e generoso na concessão do direito de asilo ( e isto é um sinal inequívoco de civilidade!) e tem todo o direito de manter sua opinião sobre um fato jurídico, sobre uma remota estação de conflito em um país ao longe, do outro lado do Atlântico.

Todavia, pessoalmente teria preferido enormemente que ele se referisse à atualidade, que transformasse o tema de confronto, no desenho de lei abertamente racista (o ddl 733 sobre segurança) do governo italiano que, por exemplo, prevê que um cidadão extra comunitário ( e portanto também um brasileiro) sem autorização de residência não possa mais ir até um Pronto-Socorro sem ser denunciado. O decreto prevê, com efeito, expressamente que o pessoal sanitário italiano deva denunciar o clandestino em evidente contraste com a deontologia médica e com o juramento de Hipócrates ( naturalmente nós não o faremos nunca!).

Ernesto Venturini

[1] - Tradução Virgílio Cunha Mattos.
[2] - Médico Psiquiatra da Itália, foi colaborador de Franco Basaglia.
3 - Em particular faço referência a um artigo de Marco Palma, presidente do Comitê Europeu Contra a Tortura.
4 - N.T.: Disparo, sem intenção de matar, nas pernas das vítimas.
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