fevereiro 19, 2009

Porto das Lajes: um empreendimento nocivo ao meio ambiente

Foto: Rogelio Casado - Caravana das Águas - Manaus-Am, 15.02.2009
Nota do blog: Leia a entrevista do professor Ademir Ramos concedida ao semanário Repórter. Com entusiasmo juvenil e firme raciocínio analítico, Ademir Ramos desvenda os artifícios usados pelo capital predatório contra os interesses populares. No passado recente a construtora Andrade Gutierrez usou a mídia para enfiar goela abaixo da opinião pública uma hidrelétrica fajuta - hidrelétrica de Balbina - a um custo ambiental desastroso, com um resultado pífio: 250 megawatts firmes para Manaus (ver postagem neste blog). Mal atendeu as demandas do Distrito Industrial. Alguém duvida que a mídia venha novamente a ser usada para defender um projeto que ameaça destruir a vida do lago do Aleixo, além de privatizar um patrimônio público inalienável: o Encontro das Águas? A diferença é que não estamos mais numa ditadura militar. Mais do que nunca os meios de comunicação alternativos e progressistas devem estar a serviço da mobilização cidadã.

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Em entrevista exclusiva ao semanário Repórter, o professor Ademir Ramos, coordenador do Núcleo de Cultura Política da Universidade Federal do Amazonas faz um balanço do banzeiro provocado pela Caravana “Encontro das Águas”, que partiu no domingo (15) ao encontro dos comunitários do Lago do Aleixo e em seguida deslocou-se de barco até ao encontro do Rio Negro com o Solimões, onde juntamente com outros cientistas, jornalistas, ambientalistas, empresários, religiosos, estudantes, donas de casas e lideranças sociais conferiu o território onde será construído o pretenso Porto da Laje pela empresa Lajes Logística S/A. O banzeiro, segundo o professor, “serviu para embalar as crianças, acordar os homens de bem e alertar os covardes que ainda é tempo de se redimir antes que o povo faça justiça”. A entrevista é instigante e contribui para se entender a complexidade da matéria que está em curso no Ipaam, nos Ministério Público Federal e Estadual. Ainda temos muitas discussões tanto na Câmara como na Assembléia Legislativa sem se falar ainda nas novas Audiências Públicas que serão feitas para aprovar ou não o projeto.

Documento recém-divulgado pelo Núcleo de Cultura Política da Ufam, do qual o senhor é signatário, trata a construção do porto da Lajes como manobra do governo do Amazonas e empresa Lajes Logística. Onde está a manobra?

O fato é que em outubro passado o governo do Estado anexou em seu portal matéria anunciando a construção do porto das Lajes como um empreendimento messiânico que viria solucionar o problema logístico do Pólo Industrial de Manaus quanto à exportação. No entanto, em cumprimento a legislação ambiental a empresa construtora deveria cumprir todo o rito, por meio do Ipaam, submetendo a discussão junto às comunidades do Aleixo o EIA/RIMA, referente ao Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental. A primeira vitória dos comunitários foi remarcar a data e trazer para dentro da comunidade a realização da Audiência Púbica, sendo feita no dia 19 de novembro passado, iniciando às 15h e prolongando-se até a 0h00 do dia 20, quando os doutores da empresa Liga Consultores, autores do EIA/RIMA ouviram um sonoro não da comunidade com o aval do Ministério Público Estadual, contrariando a vontade do governo do Estado e dos dirigentes da Suframa. Enquanto a comunidade disse não, o promotor Mauro Veras, com o aval da Ufam, deu um puxão de orelha nos autores do EIA/RIMA.

Mas, o EIA/RIMA não foram feitos pela Ufam?

Não, a Ufam enquanto instituição de pesquisa não participou efetivamente desses estudos. Aí é que está o jogo. Pesquisadores da Ufam, quando conveniente usam o nome da Ufam para se apresentar e justificar a venda de balcão dos Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental. Esse campo de estudo tornou-se um grande negócio para esses senhores que transformaram a prática acadêmica num toma-lá-dá-cá. É um caso de polícia que requer de imediato a intervenção das autoridades competentes. A omissão é pactuação.

O documento traz ainda a informação de que estão previsto 63 impactos para o empreendimento. Desse total cinco positivos e 58 negativos. Explique melhor.

Tomamos por referência o Parecer Técnico sobre o EIA/RIMA que a Ufam elaborou em atenção ao Ministério Público Estadual, onde se denuncia o amadorismo ou oportunismo dos autores pertencente à Liga Consultores. Na verdade os autores foram reprovados publicamente, não só pelo saber dos comunitários como também pelos especialistas convocados para avaliar os procedimentos adotados. Veja, dos 63 impactos assim os pesquisadores da Liga, arrogantemente, afirmaram que o empreendimento apresenta condições favoráveis a sua implantação.

Existe de fato esquema montado pelo governo do estado, empresário e pesquisadores da Liga de Consultores com algumas indústrias do Pólo Industrial de Manaus?

Não, conforme relato do dirigente da Suframa na Audiência Pública referida, a Agência Federal se empenhou na busca dos parceiros. A empresa Lajes Logística S/A resulta dessa mediação. Notas de jornais da época dão conta da participação do governador do estado do Amazonas em articulação internacional com empresários italianos. A bem da verdade, a empresa estruturante desse empreendimento é a Vale do Rio Doce, que desde 2001, por meio do seu executivo de frente, Sergio Gabizo, vem gerenciando os contratos entre a Aliança Navegação e Logística Ltda. e a Docenave, do grupo Vale do Rio Doce, que fecharam acordo na época para aumentar a freqüência e o número de navios entre os principais portos do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai). As duas companhias estão entre as maiores do setor de navegação do País, no transporte de contêineres a longa distância e cabotagem. O concorrente desse mercado são as empresas de transporte rodoviário. Mas, futuramente estarão compondo o consórcio. O que falta é transparência, separando bem o público do privado e, sobretudo a cobrança sobre as empresas quanto à sua responsabilidade social e ambiental.

De que forma o EIA/RIMA Porto das Lajes destrata a população e ameaçam de morte o Lago do Aleixo?

A começar por destratar as famílias da Colônia Antonio Aleixo, quando realiza uma pesquisa social faz de conta, com um número ínfimo de pessoas, num universo de mais de 30 mil moradores e chega a conclusões morais quanto à vida e comportamento dessa gente, que historicamente tem sofrido todos os tipos de discriminação e preconceito por ser vítima da hanseníase e da exclusão social. Mesmo assim, vem lutando pelos seus direitos por meio do movimento de integração dos hansenianos e suas organizações populares. O relatório apresentado promove a morte simbólica dos comunitários do Lago do Aleixo e afirma o poderio econômico como única alternativa para “salvar” os moradores da condição em que se encontram. O Estudo ainda pega por não apresentar nenhuma análise referente ao Estudo de Impacto de Vizinhança, o que é obrigatório. Quanto ao Lago, o momento é propício para se avaliar o seu atual estado ocupado pelo Suframa por meio do Distrito Dois com fábricas, madeireiras, flutuantes e outras mazelas sem nenhuma responsabilidade social e ambiental. A construção do Porto, nesse contexto, representa o golpe fatal contra o meio ambiente local e o povo da Colônia Antonio Aleixo.

O porto da Lajes em nenhum circunstância pode ser considerado com máquina propulsora do desenvolvido econômico?

Claro que não, é apenas um meio, a serviço da logística do Pólo Industrial de Manaus, que por sua vez não têm muito fôlego no mercado competitivo se não contar com ajuda de incentivo do Estado. Aqui o capitalismo é capenga e muito mais guloso. Suspeita-se até que a construção do porto, com a retração econômica, incentive diretamente a expansão dos “sojeiros” que avançam sobre a floresta de norte a sul. Portanto, está em pauta à discussão sobre as políticas de desenvolvimento regional e, sobretudo, a tese da sustentabilidade fundada na racionalidade do capital em detrimento da qualidade de vida do homem e seu desenvolvimento humano.

Qual o resultado prático do movimento "O banzeiro do encontro das águas” realizado na semana passada?

Foi uma demonstração de força da comunidade frente ao poderio econômico da empresa Lajes Logística S/A (Log-in Logística intermodal) com sede no Rio de Janeiro representado pela Bovespa e Vale do Rio Doce, sendo que em Manaus é representado pelo Grupo Simões (coca-cola) sob a denominação de Juma Participações S/A. Com o banzeiro, enquanto movimento, intensificamos muito mais a interlocução com as lideranças comunitárias por meio da conexão de saberes em direção a pesquisa de todo ecossistema que abriga o nosso suntuoso encontro das águas. Além de consolidar essa relação dialógica contribuiu também para sensibilizar a população manauara para participar da defesa desse patrimônio que é nosso. O resultado positivo pode-se conferir pela difusão nos meios de comunicação de massa e pela rede de computadores, que tem sido o nosso grande veículo de comunicação com os ambientalistas e amantes da natureza pelo mundo a fora. Acredito até que o príncipe Charles ao chegar a Manaus poderá nos conceder uma “palhinha” em defesa dessa causa.

O que pensa a comunidade a respeito do empreendimento?

Todo o movimento feito por meio do banzeiro foi para se dar visibilidade as manifestações das lideranças comunitárias, com autonomia e determinação. O nosso papel é de consultoria e articulação e a comunidade do Lago do Aleixo tem dito que não é contra a construção do porto. Assim como as lideranças também somos contra a construção do porto nas adjacências do Encontro das Águas, que seja feito num lugar menos impactantes sob o controle do movimento social.

O senhor tem conhecimento de suposta "guerra santa", promovida pela empresa construtora com apoio da Superintendência da Zona Franca de Manaus, com o objetivo de jogar evangélicos protestantes contra os católicos para que se dividam e enfraqueçam o movimento?

Segundo os moradores, a empresa construtora e a Suframa estão prometendo mundo e fundos para garantir o aceite dos comunitários. Resolveram distribuir três mil boletins impressos usando a imagens dos comunitários cooptados. Como se não bastasse investiram também num pastor de uma das igrejas pentecostais para afrontar os católicos, tentando dividir o povo para reinar. No entanto, as lideranças reagiram puxando uma assembléia e escolhendo um Comitê Comunitário representado por suas associações, na dúvida recorrerão à assembléia para dirimir dúvida. Com isso, os moradores da Colônia Antonio Aleixo estão dizendo que só e somente só esse Comitê é legítimo para falar em nome das comunidades. Esse grito é importante para que as autoridades constituídas, não se deixarem enganar por falsas lideranças e associações de aluguéis. O jogo é pesado e a baixaria continua.

Uma das preocupações levantadas pelo movimento contrário à construção do porto está relacionada ao Encontro das Águas. De que forma o cenário poderia ser afetado.

Primeiro, o lugar onde se pretende construir o porto é considerado por especialista como espaço arqueológico. Uma parte do porto vai ser edificada na “boca do Lago do Aleixo” e isso, dizem os especialistas vai asfixiar as diversas formas de vida do Lago. Outra, a construção e por isso fomos conferir de perto, fica nas mediações do Encontro das Águas, o pátio a ser construído terá mais de 100 mil metros quadrados de área, com capacidade para mais de 250 contêiner. Ora, ora, a unidade múltipla de um ecossistema é similar a de um cristal, não se recompõe na sua integridade. Não me venha falar de porto verde, ecologicamente correto, como estratégia de aliciamento. Tudo isso é conversa de onça trepada no chão para devorar os incautos.

De acordo com Sérgio Gabizo, diretor da Lajes Logística, o volume de investimento para a construção do porto é R$ 220 milhões. Pelo total de recurso a ser investido não lhe parece que o projeto é revolucionário para o setor portuário?

Gabizo é um alto executivo da Vale do Rio Doce, ele só entre em bola dividida, mas, aqui ele não esperava encontrar tanta reação porque, segundo as nossas fontes, ele já havia acertado tudo com os interlocutores palacianos. Na verdade, o Gabizo armou o jogo, mas não combinou com os adversários, que são os moradores do Lago do Aleixo, assim também, com os Amigos de Manaus e os demais amantes da natureza que não tem pátria e que lutam por um planeta realmente sustentável. Esta luta tem nos feito acreditar, contrario a tese de que todo o homem tem o seu preço, que ainda é possível acreditar nos homens de bem, na justiça e na própria força dos filhos da terra dos manaós. Que o Gabizo ou outro aventureiro queiram comprar o teatro Amazonas para transformar num supermercado ou destruir o Encontro das Águas para construir um porto, isso não nos assusta. O que assusta a todos é a omissão, o silêncio do governador Eduardo Braga e demais parlamentares do Estado, que mesmo que não tenham nascidos nesse território deveriam cultuar por amor aos seus filhos. Mas, tudo indica que foram embrutecidos e estropiados pela voracidade da corrupção e acumulação do capital. Enfim, o projeto é muito mais do que o valor apresentado e pelas suas condições objetivas qualifica-se como predador e não um revolucionário.

Todos sabem da carência, das dificuldades que vivem os moradores da Colônia Antônio Aleixo. Desde que viabilizado, o porto vai gerar 120 empregos diretos. Isto não é um ganho para a comunidade?

Não confundamos carência com perda de dignidade. Esse povo é altivo e tem sofrido todo o tido de agressão por parte das agências intermediárias que defendem a construção do porto. Ora, a catilinária do Gabizo e outros agentes do governo é pegar o povo pela boca, oferecendo cursinhos disto ou daquilo e até mesmo emprego e sacola de rancho. Mas, o que significa 120 empregos, se ocorrer, no universo de mais de 30 mil moradores, vivendo em péssimas condições de saneamento, onde o Estado é omisso e irresponsável por promover a exclusão social. Só resta o próprio ânimo da força organizada dessa gente para enfrentar os predadores e os vilões do povo. Lutemos pela solidariedade e pela justiça social, contra a corrupção e a mentira.

Na avaliação de Sérgio Gabizo, a construção do porto é viável e que isso foi constatado em estudo de quatro meses pela empresa. Qual a sua opinião sobre essa afirmação?

Com todo respeito a esse profissional, mas ele pisou na bola, ele ofende o povo de bem do Amazonas e coloca a Vale do Rio Doce numa saia justa, porque aonde a Vale se instalar no mundo será estigmatizada por tentar depredar um patrimônio que não é só dos moradores do Lago do Aleixo, dos Amazonenses, mas da humanidade. Em sua última entrevista, em reação ao nosso movimento, ele disse que ia começar a obra em junho e que em dois anos estaria pronta. Sua atitude foi uma afronta a justiça e, sobretudo aos profissionais do Ipaam. Mal ele sabe que a questão está federalizada e que o seu currículo, assim como dos seus pares, como executivo de top será maculado pela forças dos naturais dessa terra da cepa de Ajuricaba, em defesa do Encontro das Águas.

O senhor tem alguma informação se a Marinha do Brasil já se pronunciou sobre o assunto?

A marinha assim como outros segmentos convergentes estão sendo ouvidos pelo Ministério Público Federal, bem como pelo Estadual, que instauraram processo civil para apurar as possíveis irregularidades que foram comprovadas nos autos. Até mesmo o Parecer Técnico do Ipaam recomenda que dê ciência a marinha e demais órgãos arrolados no processo. O bicho vai pegar e os covardes sairão da caverna para ser reconhecidos à luz do dia sob a vara da justiça e julgamento popular.

A secretária da SDS, Nádia Ferreira, na condição de presidente do CEMAM, considerou fundamental prestar esclarecimentos prévios a sociedade sobre o Porto das Lajes, antes da realização da Audiência Pública. Isso foi feito?

Esta senhora tem uma grande responsabilidade, pois ela preside o Conselho Estadual do Meio Ambiente do maior estado dessa Federação, que é o Amazonas. Não sei se ela já se deu conta, mas a sua decisão e de seus pares, formado pela congregação de 54 instituições é de extrema importância para se fazer justiça e barrar uma vez por toda a arrogância e a ganância de aventureiros e oportunistas que pretendem reduzir todo bem natural em mercadoria, em nome do progresso, como eles estão propagando no meio das comunidades. Ademais, esses aventureiros espelharam também que podem comprar tudo e todos para fazer valer a vontade do grande capital. Nós acreditamos que a mentira pode ser iluminada pela verdade dos fatos e que no dia 17 março, quando estará em pauta a no Conselho o Porto da Laje, os nobres conselheiros irão se manifestar com isenção e autonomia contra a construção desse monstrengo e votarão por uma nova alternativa para se construir o Porto, longe bem longe, do Encontro das Águas, mas sob a vigilância do conselho e das lideranças populares. Como otimista radical, acreditamos que ainda somos capazes de resistir e vencer juntos.

Fonte:
NCPAM
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