O mundo construído com palavras
Por Tânia Brandão
Será possível construir um mundo a partir das palavras? Ou melhor, será possível reconstruir o mundo através delas? Vivendo num cotidiano em que a violência se revela a partir das imagens fortes dos tiroteios, das brigas das galeras, dos desentendimentos familiares, a esperança é uma palavra que dá força às crianças que moram no Mauzinho 2, na zona Sul de Manaus. Caminhando a trilha das letras, elas chegaram a um lugar povoado por livros, onde 10 pessoas, todas voluntárias, cumprem uma missão que transcende o mero empréstimo de obras literárias para uma comunidade carente. Lá, homens e mulheres se esforçam para transmitir ao nosso futuro, as crianças, que as palavras podem salvá-las do tráfico, das brigas das galeras, da morte prematura.
Ao longo de uma semana entrevistei crianças, jovens e pedagogas, estas últimas, com mais de 20 anos dedicados ao ensino. De tudo que ouvi, duas coisas me impressionaram; a primeira foi o depoimento das pedagogas que inconformadas com aquela realidade, sempre deram um jeito pra mostrar que o mundo pode ultrapassar os limites do Mauzinho; a leitura nos leva pra longe; nos liberta. Elas compraram livros tirando dinheiro do próprio bolso, criaram um espaço em suas casas para as crianças e trabalharam voluntariamente numa escola para alfabetizar a meninada. Tudo sem cobrar um tostão.Apenas o desejo de transformação as movia. A resoluçã teimosa em construir um cantinho onde a palavra, em vez do apelo de imagens negativas, tivessem destaque, as levou a biblioteca Frei Miguel Kellet. Fiquei com inveja e maravilhada diante da tenacidade delas.
Outro fato que me marcou foi a entrevista com um de um garoto de 12 anos, que assim como eu, gosta de Monteiro Lobato, aquele que disse certa vez que "Um país se faz com homens e livros". "Quero ser policial pra acabar com as brigas aqui", ele disse sobre seu futuro. Até hoje essa reposta me intriga, pois não sei se ele foi ingênuo demais ou se revelou uma maturidade precoce. Perguntei a Thiago porque ele gostava tanto de ir a biblioteca. "Não sei explicar, eu me sinto mais leve lá. Lá é tranqüilo e eu posso ler à vontade". A reposta do garoto resumiu o que levei muitas linhas pra explicar. Aquela biblioteca que além de tijolos, cimento e telhas foi erguida com muita esperança e que despertou a sensibilidade do Rogelio Casado, pró-reitor de extensão e assuntos comunitários da UEA, era o lugar onde ele podia por algum tempo, se desprender da realidade violenta do bairro. Sigo acreditando que ele mudará de idéia e chegará à conclusão de que a verdadeira transformação (seja no plano pessoal ou cotidiano), não se dá pela força, mas pelo exercício do pensamento, que resulta em ação. Minha mãe costuma dizer que as palavras têm força. Como sempre, ela tem toda razão.
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