fevereiro 11, 2009

Memórias do Hospício (VIII)

Foto: Rogelio Casado - Cela forte do Hospital Colônia Eduardo Ribeiro - Manaus-Am, Anos 1980
Nota do blog: Na campanha à Prefeitura de Manaus, no segundo turno, nenhum dos candidatos manifestou-se sobre a política de saúde mental para um município que chegou à casa de 2 milhões de habitantes. Manaus têm apenas um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), implantado pelo poder público estadual, que funciona precariamente. É responsabilidade do poder municipal a expansão da rede de CAPS (o atual precisa ser repassado para o município). Ressalte-se o esforço da jovem e diminuta equipe na construção de um novo paradigma em saúde mental.

Memórias do hospício (VIII)

Toda vez que alguém associar CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) a atividade ambulatorial, esteja certo de que seu interlocutor, refém do imaginário manicomial, fala do que não sabe. A prática ambulatorial – uma das referências do modelo sanitário de organização dos serviços de saúde – tem sido um dos principais instrumentos de medicalização da sociedade. Em se tratando de saúde mental, um verdadeiro desastre ético.

Vale lembrar que o conceito de medicalização vai mais além do uso habitual das drogas farmacêuticas. Também se medicaliza através da palavra. Da palavra vazia, manipuladora dos conflitos da existência humana.

Ambulatórios, agregados aos hospitais psiquiátricos, raramente escapam do ranço autoritário do modelo manicomial, posto que a essência dos processos relacionais são fortemente marcadas pela ética da uma tutela castradora. Significa dizer que existe um outro tipo de tutela que implica na produção da autonomia desejada.

Numa visita, ainda que breve, aos dois modelos vigentes em Manaus – o hospital psiquiátrico, com seu ambulatório, e o CAPS da Zona Norte (com sua sabida precariedade: equipe exígua e em processo de construção de um paradigma antimanicomial) –, percebe-se a diferença do potencial gerado pela prática desse último. Primeiro, pela circulação da palavra entre cuidadores e usuários. Segundo, porque a dimensão dos cuidados tem como foco as necessidades de saúde, através de processos terapêuticos construtores de mais vida (expressão de Emerson Elias Merhy).

Além disso, o modelo de atenção psicossocial, diferentemente do modelo ambulatorial, tece no território uma rede de “dependências” saudáveis (termo usado por Tikanori) ao se entrelaçar com outros equipamentos sociais, com o intuito de promover inclusão social e o protagonismo de quem costumava ser silenciado quimicamente.

Se não há agir castrador, há uma ação liberadora de sujeitos entre si: a do cuidador que maneja melhor a palavra, e a do usuário que não aceita a imposição do silêncio.

Manaus, Janeiro de 2009.
Rogelio Casado, especialista em Saúde Mental
Pro-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da UEA
www.rogeliocasado.blogspot.com

Nota do blog: Artigo publicado no Caderno Raio-X do Jornal Amazonas em Tempo.
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