Romero Jucá, a eminência parda da "ditadura da mentira"
No dia 12 de outubro de 1976, na missa de corpo presente do Pe. João Bosco Burnier, morto por policiais militares no Mato Grosso, D. Fernando, Arcebispo de Goiânia, na catedral lotada bradou: "Estamos cansados desta Ditadura da Mentira!" Estávamos em plena Ditadura Militar e D. Fernando aludia a uma ditadura não menos cruel que a militar. Filha desta, a ditadura da mentira fere o povo por dentro. De fato, inviabilizada a Ditadura Militar, para dar continuidade ao processo político, as elites escolheram José Sarney, ex-presidente da ARENA, partido que dava aparência de legitimidade aos ditadores. E Sarney escolheu Romero Jucá para dar continuidade à política indigenista dos militares.
Em dezembro passado, tão logo ficou evidente que os índios haviam vencido a questão Raposa Serra do Sol no Supremo Tribunal Federal, Romero Jucá apressou-se em buscar, junto ao Presidente da República, indenização para os 5 fazendeiros invasores. Jucá mais do que ninguém sabe como eles ocuparam aquelas terras e conhece a legislação indigenista sabendo que não cabe indenização alguma para invasores conscientes. Pior, agora estamos sendo informados pela mídia que o Presidente Lula atendeu com generosidade desproporcional o pedido deJucá. Transferiu 6 milhões de hectares de terras da União para o Estado, ou seja, 25% do território de Roraima, inclusive, "terras daFUNAI", expressão usada pela "Ditadura da Mentira" para camuflar terras que são de posse dos índios. Uma agressão à razão. Foi essa "farra" e não "Raposa Serra do Sol" que esses "ditadores da mentira"queriam. Pode nosso presidente Lula participar de tal "maracutaia"?
Tramita, também, na Câmara Federal o projeto lei 1.610/96 da autoria de Jucá que visa regulamentar a mineração nas terras indígenas. Projeto de lei que atropela direitos constitucionais dos povos indígenas. Mais, como presidente da FUNAI em 18-05-87 assinou a Portaria DNPM/01/87, que autorizaria a exploração de minério em áreas indígenas, não fosse rejeitada.
De tão viciado nesta "ditadura da mentira" o senador Jucá, talvez, já nem consiga mais sentir o sofrimento que uma autoridade causa quando se prevalece de mentiras e perseguições para impor os interesses de seus apaniguados.
Toda a ditadura tem os seus programadores, seus protagonistas e os seus carrascos. Para refrescar a memória, recordemos alguns fatos ilustrativos de um passado recente, que nos fez sofrer: índios, indigenistas, pesquisadores e movimento popular. Um dos carrascos para a execução da política indigenista dos militares nos anos 70 chamava-se Sebastião Amâncio da Costa. A sua biografia, como executor de ordens cruéis da Ditadura Militar contra os índios e indigenistas, é exemplar. Em janeiro de 1975 foi nomeado para substituir Gilberto Pinto, morto pelos índios Waimiri-Atroari, quando na direção do Núcleo de Apôio Waimiri-Atroari. No dia seguinte declarou aos jornais:
"Os Waimiri-Atroari precisam de uma lição: aprender que fizeram uma coisa errada. Vou usar mão de ferro contra eles. Os chefes serão punidos e, se possível, deportados para bem longe de suas terras e gente. Assim, aprenderão que não é certo massacrar civilizados. Irei com uma patrulha do Exército até uma aldeia dos índios e lá, em frente a todos, darei uma bela demonstração de nosso poderio. Despejaremos rajadas de metralhadoras nas árvores, explodiremos granadas e faremos muito barulho, sem ferir ninguém, até que os Waimiri-Atroari se convençam de que nós temos mais força do que eles" (O Globo – 5-1-75), ou seja, exatamente, o que determinaram o Comando Militar da Amazônia e a FUNAI em reunião, dois meses antes, novembro de 1974, no quartel do Abonari, km 200 da BR-174, como se lê no Ofício 042 de 11-11-74: "esse Comando, caso haja visitas dos índios, realize pequenas demonstrações de força, mostrando aos mesmos os efeitos de uma rajada de metralhadora, de granadas defensivas e da destruição pelo uso dodinamite".
Diante da reação da opinião publica e do movimento popular, a FUNAIfoi forçada a afastar Amâncio do posto. Não o demitiu. Apenas o encaminhou para o ostracismo nos confins da Superintendência do Pará. Algum tempo depois foi descoberto por jornalistas chefiando um campo de concentração de índios no rio Demini, limite dos Estados do Amazonas e Roraima. Já em janeiro de 1977 foi o encarregado da Ditadura Militar para reprimir a primeira assembléia dos povos da área Raposa Serra do Sol, alegando a participação do Presidente e do Secretario Executivo do CIMI, respectivamente, Dom Tomás Balduíno e Egydio Schwade.
Nomeado Presidente da FUNAI na Nova República, Romero Jucá, escolheu Sebastião Amâncio para chefiar a Superintendência mais importante do país, a do Norte, com sede em Manaus. De Jucá Amâncio recebeu a missão de reprimir a Igreja e os pesquisadores das áreas indígenas da região, pois eram eles que mais questionavam os interesses das empresas de mineração e o programa energético do Governo em áreas indígenas. E Amâncio foi o executor da nova estratégia política ditatorial. Sob as ordens de Jucá, expulsou da área Waimiri-Atroari, em pouco mais de um ano, seis "indesejáveis": Márcio Silva (Museu Nacional) e Marise sua esposa (médica), Estêvão Baynes (UNB) e sua esposa Verenilde Pereira (jornalista) e a nós Egydio e Doroti Schwade (professores) e sempre alegando "desejo dos índios". Culpar os índios, que não tem como se defender, é um disfarce comum da "ditadura da mentira" para camuflar os seus crimes ante a opinião pública.
No nosso caso interrompeu o primeiro programa de alfabetização na língua materna desses índios. Programa que seguia um método aprovado e assessorado por lingüistas brasileiros da UFRJ-Universidade Federal doRio de Janeiro, da UNICAMP e do Museu Nacional e fiscalizado durante um mês pelo único lingüista que a FUNAI então possuía, o qual em seu relatório a Jucá recomendou: "A experiência que está sendo levada avante no PV Terraplanagem deverá ser estendida aos outros grupos Atroaris (Xeri, Baixo e Alto Alalaú) e Waimiris se possível sob orientação dos professores da escola Yauará (Egydio e Doroti), porque são pessoas comprometidas vitalmente com a causa desse povo. Cumpre-me enfatizar que não percebi qualquer forma de proselitismo religioso ou interferência cultural por parte dos professores. Estão, sim, empenhados em recuperar e valorizar os costumes, crenças e festas típicas desse povo através de sua ação pedagógica. O processo pedagógico demanda um tempo prolongado, assim sendo, é necessário que os atuais professores do PV Terraplanagem sejam apoiados e que se necessitar de um convênio com o CIMI para garantir sua presença, que o mesmo seja assinado. Assim a FUNAI estará prestando um serviço a causa dos Waimiri-Atroari."
Quando nos expulsou Jucá sabia muito bem por quê o fazia. Garantir os interesses dos donos da empresa Paranapanema. Desde 1979 esta empresa invadia as terras Waimiri-Atroari onde se localiza a maior mina de minério estratégico do país. Em 1981 o Presidente da república, JoãoFigueiredo, desapropriou 526.000 ha do território destes índios, ferindo a Carta Magna. Em 1982, assessorada pelo conhecido manipulador de Bolsas de Valores, Nagi Nahas (aquele mesmo que o Protógenes teve acoragem de prender no ano passado), a empresa criou, nas Ilhas Caiman, a Paranapanema Internacional Indústria e Comércio. (Não é aParanapanema Indústria e Construção criada em 1961, mas um disfarce desta para camuflar o roubo do minério dos índios). A nova empresa acobertava ainda o Industrial Bank of Japan e a Marubini, empresas japonesas, donas, então, de metade do empreendimento. Veja o que o Professor José Aldemir de Oliveira, da Universidade Federal do Amazonas, escreve sobre como a Paranapanema comercializou durante pelo menos 15 anos o minério dessa mina localizada na citada reserva indígena:
"Em 1991, a Associação Profissional dos Geólogos do Amazonas estimou a perda de receita, somente no projeto Pitinga, da ordem deUS$ 63 milhões. (....) Um funcionário da SEFAZ descreveu o mecanismo de fiscalização: "Não sabemos na verdade quanto nem o que está sendo fiscalizado. Mesmo que parássemos as carretas e fiscalizássemos, teríamos dificuldades para identificar se o minério que a empresa diz ser cassiterita realmente o é. Então não fazemos nenhuma fiscalização. Mensalmente, um funcionário da Taboca nos telefona comunicando o número da guia e o valor correspondente que eles recolheram ao Banco referente ao imposto" ("Cidades na Selva"/Valer/Manaus/2000 pgs177-178). E Jucá acobertava.
Nos expulsou ainda porque os índios haviam aprendido conosco a organizar com liberdade o seu alfabeto, a ler e a escrever a sua língua. Começaram a escrever a sua História. História de sua linda terra, do seu glorioso povo e o que sofreram com a construção daBR-174. Os massacres sofridos. (Entre 1972 e 1975 mais de 2.000 Waimiri-Atroari "tombaram no silêncio da mata foram sutilmente enterrados e esquecidos no espaço e no tempo" – Apoena Meireles – OESP 26-10-75). Massacres recentes que os adultos e os jovens haviam presenciado e que nos revelaram em desenhos, por escrito e de viva voz.
A grafia dos seus fonemas, decidida por eles mesmos, foi mudada por interferência de linguistas norte-americanos, enviados por Jucá para nos substituir. Assim, com novas e mais sofisticadas matizes tiveram que voltar a repetir a "antiga lição" que o Professor Estêvão da Universidade Nacional de Brasília, também expulso por Jucá, assim resumia: "Funai é que sabe", lição que, sob novas matizes, os faz retomar o processo invasor de suas consciências e do seu patrimônio. Humilhado e abatido, sentado na soleira da porta do posto da FUNAI, o tuchaua assim se despediu de nós: "Vocês, Egydio e Doroti e CIMI fracos como nós". Semelhantemente, os funcionários subalternos, a exemplo do coordenador do NAWA-Núcleo da Apôio Waimiri-Atroari daquele ano de 1986, durante o trabalho de alfabetização dizia-nos: "Tenho muita vontade de participar de um programa desses. Sempre foi sonho deminha vida." Quando executou a nossa expulsão, a mando de Jucá e Amâncio, justificou: "desejo dos índios". Mas a mentira doía-lhe na consciência, por isso tentou explicar a amizade dos índios em relação a nós recorrendo ao preconceito da ferocidade e crueldade dos Waimiri-Atroari, difundido durante mais de 20 anos pela FUNAI: "se existe amizade, não significa que o desejem morando na sua aldeia. Aliás, quem conhece a história dos Waimiri/Atroari, sabe que apesar da amizade demonstrada nos contatos com funcionários da FUNAI, não impediu que fossem feitos vários massacres". Atrás desse mito criado pela FUNAI, os militares, que cultivam mais as armas do que a razão e a consciência, abriram a BR-174 não apenas com máquinas de construção, mas também de guerra. Nenhum funcionário morava com a sua família na área Waimiri-Atroari. Nós quebramos esse preconceito quando fomos pai, mãe e quatro filhos pequenos morar com eles. E sempre nos sentimos, do primeiro ao último dia, muito seguros em suas aldeias. Sem a mínima preocupação.
Recentemente a mineração do Pitinga caiu em mãos de uma multinacional peruana e cadê o senador de Roraima a levantar a sua voz contra "os estrangeiros que tomaram conta de nossa mina"? Concluindo, suspeito que depois da generosidade do Lula em ceder 6milhões de ha. ao governo de Roraima, o Quartiero desista da ameaça de se transferir para a Venezuela, onde o Chavez no máximo lhe daria 5.000 há., embora a sua ganância talvez só se sacie quando alguma Nasa o leve a um planeta que possa habitar sozinho, sem precisar colocar bombas em pontes, escolas e aldeias e até no colo do próprio filho. Sarney e Jucá dupla que nenhuma ditadura dispensa. Mas, algum filho, filha, neto ou bisneta deles terá algo de que se vangloriar? Triste Governo Popular que com eles governa, esquecendo-se do poder dos pobres, dos fracos e dos despretensiosos que durante anos sacrificaram tempo e recursos para o construir.
Casa da Cultura do Urubuí/Amazonas
Egydio e Doroti Schwade
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