O caso Weber
Por Rogelio Casado
Usuário de serviço público de saúde mental, indignado com o tratamento recebido no Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, reclama por um direito que lhe foi negado
Direito ao trabalho
Ontem, 14 de fevereiro, dia do aniversário do meu filhote Juan, recebi em minha casa a visita inesperada de Weber Reis Moraes Pessoa, 32 anos. Veio acompanhado de sua mãe. Ambos são filiados à Associação Chico Inácio (que integra a Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial), ONG que atua no campo da defesa dos direitos civis, políticos e sociais de pessoas com sofrimento psíquico.
Como fui um dos fundadores dessa ONG, é a mim que seus filiados costumam recorrer na hora do sufoco. Foi o caso. Tudo porque Weber precisava de um simples atestado médico psiquiátrico para fins de renovação do contrato de trabalho num programa de inclusão social criado na administração do prefeito Alfredo Nascimento, atual Ministro dos Transportes.
Trabalho protegido
Concedi o atestado negado pelo ambulatório do Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, da Secretaria de Estado da Saúde, onde estão concentradas a maior parte do atendimento das demandas de uma cidade com 2 milhões de habitantes, por uma razão: o movimento social que luta pelo fim dos hospitais psiquiátricos e seus ambulatórios de medicalização da dor humana considera que políticas de inclusão social passam pela oferta de “trabalho protegido”. É o caso.
Ora, Weber havia sido beneficiado, há alguns anos atrás, menos pela sorte do que pela sensibilidade de uma assistente social que atua num órgão municipal. Trata-se de um caso raro, exemplar. Ainda não existe formalmente nenhuma política que ofereça “trabalho protegido” a pessoas com “sofrimento psíquico leve”. No entanto, a assistente social “transgrediu” a norma vigente. Bom sinal. Nem tudo está perdido. Mas ainda é muito pouco para reverter as omissões habituais quanto aos direitos humanos dos usuários dos serviços de saúde mental.
Trágica evidência
O ato de atestar favoravelmente pela renovação do contrato de trabalho para a situação especial de Weber é mais do que um ação solidária, é o reconhecimento de um direito que a lógica da atenção e cuidados em saúde mental vigente no modelo manicomial não reconhece. E não reconhece devido a incidência do modelo médico nos atendimentos ambulatoriais, com sua aversão às demandas sociais, para as quais a psiquiatria conservadora responde medicalizando.
O gesto medicalizador foi ouvido por Weber aos berros: “Você desmaia? Você desmaia? Você desmaia?“. Diante da negativa, a sentença médica: “Então não vejo nada que indique algum transtorno”. Se não há transtorno, não há como justificar um atestado médico. Percebe-se que há um equívoco, Weber não quer atestado para afastar-se do trabalho, com o benefício pecuniário correspondente. Tudo o que ele pede é um atestado para renovação de um contrato de trabalho. Entretanto, não conseguia ser ouvido. A lógica do discurso médico está a serviço de uma outra que lhe é ditada por interesses alheios à relação médico-paciente. Na ampla maioria dos casos, as demandas já estão codificadas. Não há espaço para outras leituras.
Porém, há algo mais trágico que se pode ler neste episódio: nem todos os recursos humanos que atuam em modelos anacrônicos de atenção à saúde mental estão convertidos plenamente ao modelo substitutivo ao manicômio e seus ambulatórios. Daí se explica, em parte, porque a Reforma Psiquiátrica no Amazonas anda a passos de tartaruga. E, certamente, porque a Lei de Saúde Mental do Amazonas (11.10.2007) terá dificuldades em sair do papel, se depender de profissionais cujas práticas espelham a mais trágica das alienações: a abstração dos direitos do homem com sofrimento psíquico. Para esses profissionais o conceito de homem certamente é usado não para por fim a alienação, mas para reproduzi-la, sem nenhuma visão crítica.
Agressividade
A humilhação e o modo agressivo com que Weber e sua mãe foram tratados no ambulatório do Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, no dia 11.02.2009, é inaceitável. Até a Glória Perez sabe que o tratamento dispensado às pessoas com sofrimento psíquico está mudando no Brasil. No Amazonas, ainda tem gente que insiste em desconhecer essa evidência. Seria o caso de estabelecer a mais cruel das penas: obrigar o indigitado profissional, que destratou Weber e sua mãe, a assistir a novela das oito e reproduzi-la, de joelhos, no dia seguinte para todos os "pacientes" do ambulatório. Ora, pois!
2 comentários:
Sou acadêmica de psicologia e sei bem o que é essa situação, que no meu caso, ainda preciso apenas "assitir" por não poder participar ativamente para contribuir para uma mudança.
Mas no meu ponto de vista, não somente os profissionais de saúde têm ainda aquela mentalidade de "separar o feijão do arroz". Os próprios futuros profissionais, ou seja, os estudantes, ainda são adestrados para dar continuidade a esse comportamento, na minha opinião, pequeno, medíocre e anti ético, pois estamos falando de profissoes da saúde HUMANA e não de teorias, livros ou qualquer que seja a lei.
Quando os estudantes começarem a ver o sofrimento mental como uma particularidade do ser humano e não como uma PATOLOGIA apenas, se dúvida poderemos visualizar um novo cenário na classe.
Parabens pelo espaço!
Continuamos na luta "Por uma Sociedade sem Manicômios". O caso Weber não será mais um. Assim como Weber, existem outros portadores de transtornos mentais que estão em situação parecida de ter um transtorno e não ter uma oportunidade de trabalho. Venha conhecer a Chico Inácio e construir uma solução junto conosco. Associe-se, traga alguém da sua família ou alguém de boa vontade que queira ajudar. Pode ser estudante, alguém que queira ensinar alguma coisa, alguém já formado, alguém que queira fazer um estágio, alguém que queira participar da nossa luta antimanicomial. Venha nos conhecer!!! Obrigado, Dr. Rogelio Casado pelo apoio de sempre.
Ass:Nivaldo de Lima, presidente da Associação Chico Inácio
chicoinacio2004@yahoo.com.br
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