PICICA: "Quero cada vez mais aprender a ver como
belo aquilo que é necessário nas coisas. Amor-fati [amor ao destino]:
seja este, doravante, o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio.
Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores. Que minha
única negação seja desviar o olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser,
algum dia, apenas alguém que diz Sim!” – Nietzsche, Gaia Ciência, §276"
Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas. Amor-fati [amor ao destino]: seja este, doravante, o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores. Que minha única negação seja desviar o olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim!” – Nietzsche, Gaia Ciência, §276
As implicações do Eterno Retorno levarão inevitavelmente a outro conceito muito importante que Nietzsche chamou de amor-fati
(do latim, amor ao destino). Sim, este conceito é o possível resultado
da luta, do desafio posto pelo Eterno Retorno: o amor fati representa
sua plena aceitação. Quem sobrevive à falta de sentido? Quem sobrevive
ao niilismo? Apenas aquele que aprende a dizer Sim!, afirmar o mais
pesado dos pesos, aquele que aprende a amar a existência em sua
plenitude. Nietzsche ensina que um Sim justifica toda a existência.
O pensamento seletivo do Eterno Retorno
filtra as forças, separa-as entre ativas e reativas. No fundo, não passa
de um instrumento ético por onde passa somente o que é afirmativo.
Basta lembrar da pergunta: Quero tudo “mais uma vez e incontáveis vezes?“, minha vida, tal como a tenho vivido até agora é resultado de uma afirmação ou do medo e da fraqueza? O amor-fati é o resultado desta seleção.
Estamos de posse das consequências do
Eterno Retorno para poder afirmar tudo o que é? Amamos devidamente este
mundo para interiorizarmos o amor fati? É impossível afirmar o eterno
retorno sem amar a vida. A prova do Eterno Retorno é a mais pesada, a
mais difícil, a mais desesperadora, mas como prêmio nos tornamos leves.
Se não existe nada além desta existência,
há de se concluir que apenas ela merece nosso amor. Aprender a amar
nosso destino, encontrar beleza no necessário, esta é a grande lição de
Nietzsche já no fim de sua produção intelectual; “o necessário não me fere; amor-fati é minha natureza mais íntima”
(Nietzsche, Ecce Homo, O caso Wagner, §4). Talvez este seja seu último
grande ensinamento: dizer sim à vida, porque só ela existe e somente ela
traz valor em si mesma. Afirmar a realidade e viver em sintonia consigo
mesmo. Contribuir assim para que tudo se torne mais belo, mais forte,
mais potente.
Esta lição serve tanto para momentos de felicidade como para momentos de desespero. Transformar o “foi assim” em “eu quis assim” dá um sentido próprio ao que aconteceu (ver Zaratustra – Da redenção).
A parte não pode ser separada do todo. Tornamo-nos assim profundamente
ligados ao que somos porque é exatamente aquilo que podemos ser. Aquilo
que nos constitui, nossas forças mais íntimas (Vontade de Potência) vão
sempre ao seu limite.
Amor-fati implica aceitar o que lhe foi
dado e tirado. Todos os acontecimentos se inserem numa ordem causal da
natureza, assim como você, portanto, nada poderia ter acontecido de
outra forma, nada poderia ter sido diferente, de nada adianta
lamentar-se. É preciso afirmar até mesmo o erro, afinal de contas, ele
não é um erro! Ele era absolutamente necessário naquele momento e só
pode ser interpretado como um erro se tomarmos formas superiores para
nos guiar (mas Deus está morto!).
A exortação de apropriar-se do que
aconteceu nos torna capaz de seguir adiante. O bom e o ruim, a dor e o
prazer, são inerentes à vida, amar o que lhe acontece e acontecerá é o
primeiro passo para tornar-se quem é. Não precisamos mais esperar um
poder transcendente para justificar Deus, não há uma moral superior, não
há um destino que justifique o mundo. O homem precisa dar conta de si,
ele mesmo precisa criar sentido e justificar a realidade. Dar sentido,
dar valor, é amar.
“O homem é algo que deve ser superado” (Zaratustra, prólogo).
A forma homem é velha e caduca, ela vai errar sempre porque ainda está
presa em ídolos metafísicos, presa à forma. É preciso deixar a
forma-homem para trás para afirmar aquilo que passou e mais, amar aquilo
que passou, porque assim deveria ser, por toda a eternidade. Redimir o
passado, desatar os nós do ressentimento, dissolver a má-consciência,
para que mais serviria o amor-fati? Existe tarefa maior?
Devemos afirmar o destino e a vida,
negando toda calúnia, toda desvalorização, toda acusação que possa ser
feita contra ela. Mas este ensinamento foi muito mal compreendido. O amor-fati
não implica em resignação, sua lição não é de aceitação passiva, muito
menos acovardar-se. Não devemos abaixar a cabeça e aceitar tudo, muito
menos virar a outra face (Mt 5,39). Significa afirmar o que tinha que
ser sem deixar de afirmar a vontade de potência, em si e no mundo.
E negar os negadores é uma forma de
afirmar! Por isso a luta também faz parte deste amor; não se pode apenas
entender que existem paradoxos e contradições, é necessário amá-los.
Devemos amar a luta, a revolta, a insubmissão. O amor-fati é a celebração que os fortes (aqueles que transbordam saúde)
fazem à vida. E que dizer “Não” seja apenas um passo para se dizer
“Sim” cada vez mais alto! Porque temos cada vez mais vontade de dizer
“Sim!”. Vontade de estar no mundo! Vontade de amar! Amor-fati…
Minha fórmula para a grandeza no homem é amor-fati: não querer nada de outro modo, nem para diante nem para trás, nem em toda eternidade. Não meramente suportar o necessário, e menos ainda dissimulá-lo – todo idealismo é mendacidade diante do necessário -, mas amá-lo” – Nietzsche, Ecce Homo, Porque sou tão esperto, §10
Fonte: RAZÃO INADEQUADA
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