dezembro 08, 2015

Nietzsche - Amor-fati (RAZÃO INADEQUADA)

PICICA: "Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas. Amor-fati [amor ao destino]: seja este, doravante, o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores. Que minha única negação seja desviar o olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim!” – Nietzsche, Gaia Ciência, §276" 

Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas. Amor-fati [amor ao destino]: seja este, doravante, o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores. Que minha única negação seja desviar o olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim!” – Nietzsche, Gaia Ciência, §276
As implicações do Eterno Retorno levarão inevitavelmente a outro conceito muito importante que Nietzsche chamou de amor-fati (do latim, amor ao destino). Sim, este conceito é o possível resultado da luta, do desafio posto pelo Eterno Retorno: o amor fati representa sua plena aceitação. Quem sobrevive à falta de sentido? Quem sobrevive ao niilismo? Apenas aquele que aprende a dizer Sim!, afirmar o mais pesado dos pesos, aquele que aprende a amar a existência em sua plenitude. Nietzsche ensina que um Sim justifica toda a existência.

O pensamento seletivo do Eterno Retorno filtra as forças, separa-as entre ativas e reativas. No fundo, não passa de um instrumento ético por onde passa somente o que é afirmativo. Basta lembrar da pergunta: Quero tudo “mais uma vez e incontáveis vezes?“, minha vida, tal como a tenho vivido até agora é resultado de uma afirmação ou do medo e da fraqueza? O amor-fati é o resultado desta seleção.

Estamos de posse das consequências do Eterno Retorno para poder afirmar tudo o que é? Amamos devidamente este mundo para interiorizarmos o amor fati? É impossível afirmar o eterno retorno sem amar a vida. A prova do Eterno Retorno é a mais pesada, a mais difícil, a mais desesperadora, mas como prêmio nos tornamos leves.

Se não existe nada além desta existência, há de se concluir que apenas ela merece nosso amor. Aprender a amar nosso destino, encontrar beleza no necessário, esta é a grande lição de Nietzsche já no fim de sua produção intelectual; “o necessário não me fere; amor-fati é minha natureza mais íntima” (Nietzsche, Ecce Homo, O caso Wagner, §4). Talvez este seja seu último grande ensinamento: dizer sim à vida, porque só ela existe e somente ela traz valor em si mesma. Afirmar a realidade e viver em sintonia consigo mesmo. Contribuir assim para que tudo se torne mais belo, mais forte, mais potente.

Esta lição serve tanto para momentos de felicidade como para momentos de desespero. Transformar o “foi assim” em “eu quis assim” dá um sentido próprio ao que aconteceu (ver Zaratustra – Da redenção). A parte não pode ser separada do todo. Tornamo-nos assim profundamente ligados ao que somos porque é exatamente aquilo que podemos ser. Aquilo que nos constitui, nossas forças mais íntimas (Vontade de Potência) vão sempre ao seu limite.

Amor-fati implica aceitar o que lhe foi dado e tirado. Todos os acontecimentos se inserem numa ordem causal da natureza, assim como você, portanto, nada poderia ter acontecido de outra forma, nada poderia ter sido diferente, de nada adianta lamentar-se. É preciso afirmar até mesmo o erro, afinal de contas, ele não é um erro! Ele era absolutamente necessário naquele momento e só pode ser interpretado como um erro se tomarmos formas superiores para nos guiar (mas Deus está morto!).
A exortação de apropriar-se do que aconteceu nos torna capaz de seguir adiante. O bom e o ruim, a dor e o prazer, são inerentes à vida, amar o que lhe acontece e acontecerá é o primeiro passo para tornar-se quem é. Não precisamos mais esperar um poder transcendente para justificar Deus, não há uma moral superior, não há um destino que justifique o mundo. O homem precisa dar conta de si, ele mesmo precisa criar sentido e justificar a realidade. Dar sentido, dar valor, é amar.

O homem é algo que deve ser superado” (Zaratustra, prólogo). A forma homem é velha e caduca, ela vai errar sempre porque ainda está presa em ídolos metafísicos, presa à forma. É preciso deixar a forma-homem para trás para afirmar aquilo que passou e mais, amar aquilo que passou, porque assim deveria ser, por toda a eternidade. Redimir o passado, desatar os nós do ressentimento, dissolver a má-consciência, para que mais serviria o amor-fati? Existe tarefa maior?

Devemos afirmar o destino e a vida, negando toda calúnia, toda desvalorização, toda acusação que possa ser feita contra ela. Mas este ensinamento foi muito mal compreendido. O amor-fati não implica em resignação, sua lição não é de aceitação passiva, muito menos acovardar-se. Não devemos abaixar a cabeça e aceitar tudo, muito menos virar a outra face (Mt 5,39). Significa afirmar o que tinha que ser sem deixar de afirmar a vontade de potência, em si e no mundo.

E negar os negadores é uma forma de afirmar! Por isso a luta também faz parte deste amor; não se pode apenas entender que existem paradoxos e contradições, é necessário amá-los. Devemos amar a luta, a revolta, a insubmissão. O amor-fati é a celebração que os fortes (aqueles que transbordam saúde) fazem à vida. E que dizer “Não” seja apenas um passo para se dizer “Sim” cada vez mais alto! Porque temos cada vez mais vontade de dizer “Sim!”. Vontade de estar no mundo! Vontade de amar! Amor-fati
Minha fórmula para a grandeza no homem é amor-fati: não querer nada de outro modo, nem para diante nem para trás, nem em toda eternidade. Não meramente suportar o necessário, e menos ainda dissimulá-lo – todo idealismo é mendacidade diante do necessário -, mas amá-lo” – Nietzsche, Ecce Homo, Porque sou tão esperto, §10
Ilustração de Maximillien Leroy

Ilustração de Maximillien Leroy.


Fonte: RAZÃO INADEQUADA

Nenhum comentário: