maio 04, 2012

Ismail Xavier faz a apresentação do livro "Por vir que vem antes de tudo: Literatura e cinema em Lavoura Arcaica"

PICICA: "Central na estrutura do livro é a convergência de Freud e Merleau-Ponty, psicanálise e fenomenologia, que marcam aqui presença efetiva no cerne mesmo do movimento de análise e interpretação, não funcionando apenas como baliza de conteúdos mas como um quadro teórico que incide na própria maneira de Tardivo operar no plano da estética, pois seu intento é assumir a contaminação recíproca de arte e psicanálise, ao contrário de estudos literários ou interpretações ad hocque os aproximam como pólos totalmente exteriores um ao outro. A noção de linguagem-corpo, que remete à sinestesia, à unidade corporal que se compõe na diversidade dos sentidos, expressa bem este aspecto essencial do seu método ao conceber livro e filme como duas versões da “trama expressiva do sentido” que permite aproximar o que parece incomensurável. Os poderes de palavra e imagem se entrelaçam, supõem uma reversibilidade que o autor trabalha a partir da noção de correspondência, nos moldes de Baudelaire, não a partir da ideia de tradução, como é comum hoje no estudo da passagem da literatura ao cinema."

Porvir que vem antes de tudo

Leia a apresentação, por Ismail Xavier, do novo livro de Renato Tardivo, colaborador do Amálgama.
por Amálgama (29/04/2012)
em Livros
Porvir que vem antes de tudo: Literatura e cinema em Lavoura Arcaica é o novo livro de Renato Tardivo, colaborador do Amálgama. Em 2010, ele havia publicado um volume de contos, Do avesso. No final de 2012, deve lançar um segundo livro de contos, Silente.
Como regra geral, não resenhamos livros de colaboradores do Amálgama, mas os recomendamos; se você gosta de ler o autor aqui no site, gostará de ler também no papel.Porvir… está saindo pela Ateliê Editorial. O prefácio é de João Frayze-Pereira e a orelha, reproduzida abaixo, é de Ismail Xavier.
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 Porvir que vem antes de tudo nos oferece uma leitura original do díptico Lavoura Arcaica na qual livro (1975) e filme (2001) compõem um jogo peculiar de identidade e diferença. Tal jogo se configura pela análise da forma como o texto de Raduan Nassar e o filme de Luiz Fernando Carvalho constroem o mundo da fazenda em que se tece o destino da família de André, personagem-narrador que, no retrospecto, revive momentos chave de seu percurso marcado pela cerimônia do incesto cujo desdobramento veio confirmar a ambivalência dele, André, em contraste com a subversão silenciosa de Ana, sua irmã.
Central na estrutura do livro é a convergência de Freud e Merleau-Ponty, psicanálise e fenomenologia, que marcam aqui presença efetiva no cerne mesmo do movimento de análise e interpretação, não funcionando apenas como baliza de conteúdos mas como um quadro teórico que incide na própria maneira de Tardivo operar no plano da estética, pois seu intento é assumir a contaminação recíproca de arte e psicanálise, ao contrário de estudos literários ou interpretações ad hocque os aproximam como pólos totalmente exteriores um ao outro. A noção de linguagem-corpo, que remete à sinestesia, à unidade corporal que se compõe na diversidade dos sentidos, expressa bem este aspecto essencial do seu método ao conceber livro e filme como duas versões da “trama expressiva do sentido” que permite aproximar o que parece incomensurável. Os poderes de palavra e imagem se entrelaçam, supõem uma reversibilidade que o autor trabalha a partir da noção de correspondência, nos moldes de Baudelaire, não a partir da ideia de tradução, como é comum hoje no estudo da passagem da literatura ao cinema.
Ganha relevo nesta leitura a dimensão lírica do texto de Raduan e a forma como Luiz Fernando a incorporou, movido pelo que Tardivo chama de “pacto de fidelidade” que fez do romance uma instância de super-ego com a qual, no entanto, o cineasta estabeleceu uma relação produtiva, trabalhando de modo distinto até mesmo o que o analista aponta como um dado estrutural na composição da trama: a tensão entre o teleológico (movimento para o desenlace, o porvir) e o circular (retorno ao arcaico, ao “que vem antes de tudo”), tensão que se encarna na figura contraditória do filho em seu conflito (e conluio) com a lei do pai, dentro da ordem perversa da família, perversa porque fechada, impermeável.
Porvir que vem antes de tudo expõe a lógica de uma clausura, tornando claro que, se é trágico o desenlace, o essencial está aí, nessa lavoura que se volta sobre si mesma, trava o processo de constituição do sujeito pela recusa da alteridade; pela negação, portanto, da condição dialógica, intersubjetiva, do estar no mundo. [Ismail Xavier]
Fonte: Amálgama

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