PICICA: "A superlotação dos presídios brasileiros demonstra que a “prisão é utilizada como um recurso de contenção social”, que não “ataca as causas da violência”, diz Haroldo Caetano da Silva à IHU On-Line. Na avaliação dele, a solução para resolver o excesso de detentos
nos cárceres depende da “aplicação de outras modalidades de sanção
penal, não privativas da liberdade. A prisão, de regra geral, deveria
passar a ser excepcional. A legislação já dispõe de um arcabouço
razoável de penas não privativas da liberdade. Falta aplicá-las”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o promotor da 25ª Promotoria de Justiça de Goiânia destaca que o sistema punitivo brasileiro pode ser compreendido a partir do conceito filosófico “banalidade do mal”, utilizado por Hannah Arendt, na obra Eichmann acontece no cárcere - Um relato sobre a banalidade do mal.
Na interpretação dele, o personagem principal da obra explicita o que
acontece nos presídios brasileiros, a partir da atuação de agentes
públicos enquanto “cumpridores de suas obrigações legais”, e “na
ausência de uma ligação psíquica entre a conduta (a detenção, a
denúncia, a sentença) do agente do Estado e a realidade do cárcere”. Os
agentes públicos, tais como Adolf Eichmann, que foi
tenente-coronel da SS, agem “como se o cárcere fosse não a soma de ações
de tantas agências do Estado, mas produto do sistema a que essas mesmas
agências servem”, compara.
Haroldo Caetano da Silva
sugere ainda que o Poder Judiciário e o Ministério Público façam “um
juízo autocrítico da repercussão de suas ações e decisões no interior
dos presídios brasileiros”. E dispara: “O que degradação vai além do que se possa imaginar,
com todos os requintes de selvageria a que nos acostumamos a ver
cotidianamente, é também resultado da ação, que é essencialmente
política, dessas duas instituições. E, a partir desse juízo diante do
espelho, importa rever práticas e políticas, de forma que se construa um
novo caminho, diferente desse roteiro estabelecido pelo sistema que banaliza a maldade e que brutaliza seres humanos”.
Haroldo Caetano da Silva
é graduado em Direito pela Universidade Católica de Goiás - UCG, mestre
em Direito pela Universidade Federal de Goiás - UFG, Promotor de
Justiça junto à Vara da Execução Penal de Goiânia e professor do
Programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Goiás. Também é
membro do Conselho Editorial da Revista Magister de Direito Penal e
Processo Penal, do Grupo de Estudos e Pesquisas Criminais – GEPeC, da
Comissão de Fomento e Implementação dos Conselhos da Comunidade - Depen -
Ministério da Justiça e do Ministério Público do Estado de Goiás. É
autor de, entre outros, Manual da Execução Penal (Campinas: Bookseller, 2001), Embriaguez & a Teoria da Actio Libera In Causa (Curitiba: Juruá, 2004) e Execução Penal (Porto Alegre: Magister, 2006)."
Fracasso do sistema prisional: “Dos juízes espera-se mais do que uma atuação burocrática e formal”. Entrevista especial com Haroldo Caetano da Silva
“O encarceramento persiste como resposta preferencial para os problemas da sociedade”, afirma o promotor de Justiça.
Foto: blogs.odiario.com |
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o promotor da 25ª Promotoria de Justiça de Goiânia destaca que o sistema punitivo brasileiro pode ser compreendido a partir do conceito filosófico “banalidade do mal”, utilizado por Hannah Arendt, na obra Eichmann acontece no cárcere - Um relato sobre a banalidade do mal.
Na interpretação dele, o personagem principal da obra explicita o que
acontece nos presídios brasileiros, a partir da atuação de agentes
públicos enquanto “cumpridores de suas obrigações legais”, e “na
ausência de uma ligação psíquica entre a conduta (a detenção, a
denúncia, a sentença) do agente do Estado e a realidade do cárcere”. Os
agentes públicos, tais como Adolf Eichmann, que foi
tenente-coronel da SS, agem “como se o cárcere fosse não a soma de ações
de tantas agências do Estado, mas produto do sistema a que essas mesmas
agências servem”, compara.
Haroldo Caetano da Silva
sugere ainda que o Poder Judiciário e o Ministério Público façam “um
juízo autocrítico da repercussão de suas ações e decisões no interior
dos presídios brasileiros”. E dispara: “O que degradação vai além do que se possa imaginar,
com todos os requintes de selvageria a que nos acostumamos a ver
cotidianamente, é também resultado da ação, que é essencialmente
política, dessas duas instituições. E, a partir desse juízo diante do
espelho, importa rever práticas e políticas, de forma que se construa um
novo caminho, diferente desse roteiro estabelecido pelo sistema que banaliza a maldade e que brutaliza seres humanos”.
Haroldo Caetano da Silva
é graduado em Direito pela Universidade Católica de Goiás - UCG, mestre
em Direito pela Universidade Federal de Goiás - UFG, Promotor de
Justiça junto à Vara da Execução Penal de Goiânia e professor do
Programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Goiás. Também é
membro do Conselho Editorial da Revista Magister de Direito Penal e
Processo Penal, do Grupo de Estudos e Pesquisas Criminais – GEPeC, da
Comissão de Fomento e Implementação dos Conselhos da Comunidade - Depen -
Ministério da Justiça e do Ministério Público do Estado de Goiás. É
autor de, entre outros, Manual da Execução Penal (Campinas: Bookseller, 2001), Embriaguez & a Teoria da Actio Libera In Causa (Curitiba: Juruá, 2004) e Execução Penal (Porto Alegre: Magister, 2006).
Confira a entrevista.
Foto: www.mpgo.mp.br |
Haroldo Caetano da Silva - Quando se observa o sistema punitivo no Brasil, sobressai a situação calamitosa dos presídios. O quadro retratado no documentário “O grito das prisões” é de lugares onde a sobrevivência depende da adaptação de seres humanos a situações cuja degradação vai além do que se possa imaginar, o que remete para a comparação com os campos de concentração da Alemanha nazista.
Entretanto, é nesses mesmos presídios que se concretiza a realização da justiça no Brasil,
que se identifica como um Estado democrático e de direito. É para
lugares assim que são encaminhados os condenados da justiça criminal,
sentenciados à privação da liberdade. São hoje cerca de 600 mil homens e mulheres nessa situação.
Naturalizada nas rotinas criminais, desde o inquérito policial até o último dos recursos possíveis nos tribunais superiores, a realidade caótica do cárcere
não é algo que chega a ser levado em consideração no curso desse
processo. Para a imposição da norma penal (a pena de prisão) não há
obstáculos.
E o sistema de justiça criminal funciona
assim, com policiais que investigam, promotores que denunciam e juízes
que julgam. Cada qual cumprindo sua missão, a ordem emanada da lei. Já o
resultado de horror do cárcere, que surge do conjunto de esforços de tantos funcionários públicos exemplares, não se vincula à ação de ninguém.
É como se o cárcere fosse não a soma de
ações de tantas agências do Estado, mas produto do sistema a que essas
mesmas agências servem. E o sistema é visto como um ente à parte,
distinto das agências que o integram. Daí, o conceito de banalidade do mal, tomado emprestado de Hannah Arendt,
pode ser identificado nesse sistema, uma vez que agentes públicos
cumpridores de suas obrigações legais (policiais, promotores, juízes)
não se percebem como responsáveis pelo que essas condutas, somadas,
produzem na realidade. E a realidade, repita-se, é aquela denunciada por
tantos que militam na defesa de direitos humanos no campo das prisões e
que tem um bom retrato no documentário já referido.
Outro dado importante nessa matéria é, também, uma espécie de imunidade do sistema punitivo
(justiça criminal e sistema prisional), ao qual não se exige o
cumprimento de balizas constitucionais nem legais, muito embora elas
estejam em plena vigência. Quando muito, ações meramente formais e
simbólicas sugerem a necessidade de regularização do funcionamento das
prisões, o que, todavia, não acontece na prática. E não acontece, dentre
muitas razões, especialmente por força do crescente encarceramento em massa, absolutamente impossível de ser vencido sem uma mudança significativa no comportamento das agências do sistema punitivo.
IHU On-Line - Que semelhanças
percebe entre os funcionários do sistema de justiça criminal e Adolf
Eichmann, personagem do livro de Hannah Arendt?
Haroldo Caetano da Silva - Hannah Arendt acompanhou pessoalmente o julgamento de Adolf Eichmann
em Israel e relatou em livro a convicção com que ele se apresentava, em
seus depoimentos, como mero funcionário público cumpridor de suas
obrigações e das ordens de seus superiores. Com esse argumento,
pretendia afastar de si qualquer responsabilidade sobre o destino dos
trens que ele providenciava. Entretanto, os trens eram carregados de
judeus e levados para campos de concentração, para o extermínio.
A comparação é sempre um risco, pois
pode levar a interpretações para além do pretendido propósito da análise
crítica, abrindo espaço para o desvio do foco da discussão. Diante da
inexorável constatação das próprias culpas, é mesmo tentador mudar o
rumo da conversa para não falar do que acontece dentro das prisões
brasileiras.
Ocorre que, tal qual Eichmann
— autoapresentado como funcionário público exemplar — não percebia
qualquer culpa nas suas ações, vistas isoladamente, durante o regime
autoritário do Nazismo, também hoje, em ambiente democrático, juízes, policiais e promotores
se postam como servidores que cumprem suas obrigações; obrigações essas
que estão amparadas na legalidade, de forma que não poderiam jamais ser
responsabilizados pelo quadro de horror e morte no cárcere.
A banalidade do mal se
identifica, aqui, na ausência de uma ligação psíquica entre a conduta (a
detenção, a denúncia, a sentença) do agente do Estado e a realidade do
cárcere. Não se pode afirmar sequer que falta sensibilidade ao agente
público, pois a análise feita pelo juiz, policial ou promotor, não chega
ao nível da empatia ou do exercício da alteridade. A banalidade do mal
funciona, então, feito um óleo lubrificante que, invisível e de efeito reconfortante/alienante, apenas facilita o movimento das engrenagens da máquina punitiva. Sem culpas a expiar.
"Esse mesmo Estado que surge para evitar a barbárie é, nos dias atuais, o principal agente da barbárie" |
IHU On-Line - Quais são os
limites das legislações e, de modo mais geral, do Direito, enquanto
instrumentos que orientam o julgamento de casos na justiça criminal?
Haroldo Caetano da Silva -
A justiça criminal é talvez a máxima representação do Estado. Por ela, a
primitiva vingança privada dá lugar à vingança pública, marco do
processo civilizatório. Os seus limites hoje estão muito bem definidos
na própria Constituição, assim como nos tratados de Direito Internacional
de que o Brasil é signatário. Também a norma infraconstitucional é rica
em disposições que limitam o poder punitivo. Em praticamente todos os
estatutos, a dignidade humana é o seu principal norteador.
Todavia, esse mesmo Estado que surge para evitar a barbárie
é, nos dias atuais, o principal agente da barbárie. E a violência no
cárcere, patrocinada pelo Estado, tem sido em muitos casos mais grave do
que aquela que se identifica no ato criminoso que diz reprimir.
IHU On-Line - A partir das
discussões suscitadas por Hannah Arendt, vislumbra alguma maneira de
resolver os problemas da justiça criminal brasileira?
Haroldo Caetano da Silva - Hannah Arendt
descortina a maldade que se institucionaliza de forma sutil e
sorrateira, a ponto de sequer ser vista como maldade. Diante dessa
percepção, impõe-se um caminho muito difícil de trilhar, pois implicaria
no rompimento com um importante, embora inconfessável, fundamento do
sistema punitivo.
Se a banalidade do mal é uma realidade
nas rotinas da justiça criminal, também não é menos verdadeiro que na
sociedade predomina um ideário de vingança e de intolerância, o que tem
se manifestado com muita clareza nos recentes episódios de linchamento. Um sistema punitivo que banaliza a maldade está em perfeita sintonia com uma sociedade orientada pelo ódio.
Mudar esse quadro não é tarefa apenas do legislador, mas de todos. A democracia é projeto de longo prazo e que se confunde com a construção de uma cultura de respeito aos direitos humanos. Da mesma forma, o sistema de justiça criminal será melhor legitimado quanto mais os seus agentes, promotores e juízes, aproximarem suas decisões e ações do respeito aos direitos humanos, a começar da assunção de responsabilidade, jurídica, política e, por que não dizer, também histórica, diante do que acontece dentro das prisões brasileiras.
IHU On-Line - O número de pessoas presas a cada ano no país e a superlotação dos presídios significam o que para o senhor?
Haroldo Caetano da Silva - Fracasso é a primeira palavra que me vem. Fracasso do projeto democrático instituído com a Constituição de 1988.
É desalentador quando se constata que a população carcerária
quintuplicou desde o advento da Constituição, mesmo com governos eleitos
sob a retórica política de centro-esquerda.
Embora seja evidente que houve
conquistas sociais importantes e uma significativa melhoria das
condições de vida da população desde a redemocratização do país, ainda
há carências e desigualdades profundas em nossa
sociedade que estão longe de serem vencidas. E o encarceramento persiste
como resposta preferencial para os problemas da sociedade.
Aí então sobressai uma faceta perversa,
que é a prisão como opção política, instrumento de ação do Estado que o
aproxima do autoritarismo. Por trás de uma aparência de democracia que o
legitima (afinal, é a vontade da maioria!), não se atacam as causas da violência, que são deliberadamente ignoradas, e a prisão é utilizada como recurso de contenção social. Recurso simbólico, é bom que se diga, pois não representa resposta eficaz para aquilo que diz combater. E a democracia vai perdendo espaço.
IHU On-Line - No artigo que
publicou recentemente, o senhor afirma que “os juízes e tribunais que
fazem a jurisdição criminal no Brasil encaminham homens e mulheres para
esses lugares”, referindo-se aos presídios. Como os juízes deveriam
proceder em relação às pessoas que cometem atos infratores?
Haroldo Caetano da Silva - Diante do quadro de horror carcerário, destaco primeiramente que caberia ao Ministério Público
atuar pelo respeito das instituições ao regime democrático, o que é sua
função primordial constitucionalmente estabelecida. Não cabe ao
Ministério Público atuar sob os parâmetros do senso comum, manietado ao
deleite dos meios de comunicação, nem sempre responsáveis e nem sempre
ligados ao interesse público. Não faz sentido a punição a qualquer
preço, pois o preço que se paga nos presídios brasileiros é o preço da dignidade humana. E se há um princípio que não permite flexibilização é exatamente o da dignidade do ser humano.
Dos juízes espera-se mais do que uma
atuação burocrática e formal. Se o crime é um ato de violência que deve
ser submetido à jurisdição criminal, esta não deve significar, na
essência de uma sentença condenatória, violência maior do que o crime
julgado. A vinculação da execução da pena privativa de liberdade à
exigência de respeito ao princípio da dignidade humana é algo que se
impõe. Se o Estado não oferece condições minimamente dignas para o
encarceramento de seres humanos, ao juiz compete reconhecer tal situação
na sua sentença. Não é digno da altura das responsabilidades do Poder
Judiciário funcionar como mero executor de uma política cega de encarceramento em massa. Uma política seletiva que se volta principalmente contra a população pobre, jovem e negra.
Essas duas instituições tão caras à
construção da democracia, Poder Judiciário e Ministério Público, devem
fazer um juízo autocrítico da repercussão de suas ações e decisões no
interior dos presídios brasileiros. Sim, o que acontece no cárcere, com
todos os requintes de selvageria a que nos acostumamos a
ver cotidianamente, é também resultado da ação, que é essencialmente
política, dessas duas instituições. E, a partir desse juízo diante do
espelho, importa rever práticas e políticas, de forma que se construa um
novo caminho, diferente desse roteiro estabelecido pelo sistema que banaliza a maldade e que brutaliza seres humanos.
"Amparo a quem é vítima da violência é algo raro" |
IHU On-Line - Que outros tipos de punições deveriam ou poderiam ser dados àqueles que infringem a lei?
Haroldo Caetano da Silva - Nós nos acostumamos a falar em “penas alternativas à prisão”,
numa lógica que tem no cárcere a resposta preferencial para aquele que
pratica o crime. Mesmo as condutas mais irrelevantes previstas na legislação penal,
a exemplo das contravenções, têm na prisão a principal sanção prevista
em abstrato. É como dizer que o Direito só é verdadeiramente Penal se a
conduta for punível com prisão. Nesse ambiente normativo, é muito
confortável e cômoda a opção pela prisão, o que se reflete na rotina
forense. E, diante da mais simples circunstância que possa ser
interpretada em desfavor do réu, a exemplo da reincidência ou dos maus
antecedentes, já não se aplica a “alternativa”, mantendo-se a prisão
como resposta em situações onde seria perfeitamente evitável.
É necessário mudar essa lógica, de forma a induzir a aplicação de outras modalidades de sanção penal, não privativas da liberdade. A prisão, de regra geral, deveria passar a ser excepcional. A legislação já dispõe de um arcabouço razoável de penas não privativas da liberdade. Falta aplicá-las.
É necessário mudar essa lógica, de forma a induzir a aplicação de outras modalidades de sanção penal, não privativas da liberdade. A prisão, de regra geral, deveria passar a ser excepcional. A legislação já dispõe de um arcabouço razoável de penas não privativas da liberdade. Falta aplicá-las.
IHU On-Line - No Brasil se fala
muito sobre o péssimo tratamento dos presos nos presídios. O que poderia
ser feito para melhorar essa situação?
Haroldo Caetano da Silva - Primeiro, é preciso prender menos, reservando-se o espaço do cárcere para casos graves, para os indivíduos que realmente devam ser temporariamente afastados do convívio social. É impossível garantir respeito à dignidade humana
em ambiente de superlotação carcerária. A experiência mostra que nos
locais onde se respeita a limitação física de ocupação do presídio, os
demais problemas passam a ser melhor equacionados e solucionados.
IHU On-Line - E, em contrapartida, como se dá o acompanhamento às vítimas que sofrem os efeitos das violências praticadas?
Haroldo Caetano da Silva -
A vítima parece não existir para o Direito Penal. Quando acontece um
estupro, por exemplo, de imediato vem a pergunta: “Pegaram o
estuprador?” A vítima fica de lado, exposta também à violência que
deriva da omissão, da ausência de assistência médica, material e
psicológica. Amparo a quem é vítima da violência
é algo raro. Nem sempre há políticas estabelecidas, e quando há, a
eficiência é questionável, para o atendimento a esse público.
Também em juízo a vítima
é reificada, deixa de ser sujeito para ser objeto dos interesses do
processo. Desprovida da titularidade do direito eventualmente violado,
sequer pode abrir mão, por exemplo, da ação penal por mero crime de
furto; ou, também, do processo aberto contra seu eventual agressor,
mesmo quando as relações, familiares ou não, tenham se restabelecido e
se harmonizado. O processo passa a ser mais importante do que a escuta
ou os interesses de quem teve o direito violado.
À exceção dos delitos de pequeno potencial ofensivo, nos quais é possível a conciliação, nos demais não há possibilidade para as práticas restaurativas. Respostas que poderiam contemplar os interesses da vítima do crime não têm espaço no processo que busca cegamente a imposição da vingança, a sanção penal a qualquer custo, mesmo que esta contrarie os interesses de quem mais sofreu com o ilícito penal.
À exceção dos delitos de pequeno potencial ofensivo, nos quais é possível a conciliação, nos demais não há possibilidade para as práticas restaurativas. Respostas que poderiam contemplar os interesses da vítima do crime não têm espaço no processo que busca cegamente a imposição da vingança, a sanção penal a qualquer custo, mesmo que esta contrarie os interesses de quem mais sofreu com o ilícito penal.
"Antes de apontar o dedo para a transgressão eventualmente praticada pelos adolescentes, a sociedade e o Estado devem responder pelas próprias omissões" |
IHU On-Line - Como avalia a
discussão sobre a redução da maioridade penal no país e o texto que foi
aprovado na Câmara recentemente?
Haroldo Caetano da Silva - Com tristeza. A realidade do cárcere no Brasil
é motivo de vergonha para qualquer pessoa. As prisões brasileiras
ocupam o primeiro lugar quando o assunto é a violação de direitos
fundamentais. Ao invés de levar mais seres humanos para essas máquinas de triturar gente,
deveríamos estar é discutindo mudanças para acabar com a política de
encarceramento em massa, à qual já me referi. Ademais, a cultura do medo
e o ódio não deveriam estar servindo de base para a discussão de tão
importante assunto.
Também acompanho o debate com indignação, diante da hipocrisia do discurso dos que defendem a redução, pois não existe impunidade dos adolescentes. Há um sistema no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, pelo qual o adolescente responde pelos seus atos. Mesmo não se tratando de um sistema "penal", não se pode olvidar a realidade dos lugares onde se executa a medida de internação, equivalente na prática à prisão do adulto, pela qual o adolescente que praticar algum fato previsto como crime pode ficar privado da liberdade por até três anos.
Também acompanho o debate com indignação, diante da hipocrisia do discurso dos que defendem a redução, pois não existe impunidade dos adolescentes. Há um sistema no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, pelo qual o adolescente responde pelos seus atos. Mesmo não se tratando de um sistema "penal", não se pode olvidar a realidade dos lugares onde se executa a medida de internação, equivalente na prática à prisão do adulto, pela qual o adolescente que praticar algum fato previsto como crime pode ficar privado da liberdade por até três anos.
Aliás, merece registro também que o encarceramento de pessoas não se traduz em redução dos índices de violência,
como pretendem os arautos do encarceramento juvenil. Basta um rápido
olhar sobre as estatísticas para que se chegue a tal conclusão. A
população carcerária multiplicou-se vertiginosamente nas últimas
décadas. Entretanto, não se pode afirmar que os índices de criminalidade
tiveram redução no período.
Os adolescentes são vítimas da violência
no Brasil, que tem uma dívida colossal para com essa parcela da
população, especialmente na Educação. Antes de apontar o dedo para a
transgressão eventualmente praticada pelos adolescentes, a sociedade e o
Estado devem responder pelas próprias omissões. As condições de
funcionamento das escolas públicas, até mesmo em cidades ricas, não são
minimamente satisfatórias, ressalvadas as exceções de sempre. Seja pela
falta de motivação de professores, nem sempre valorizados (e as
recorrentes greves demonstram essa situação), seja pelas condições
estruturais dos prédios, antigos e sucateados, assim como pela falta de estímulos
para que crianças e adolescentes frequentem as aulas. Investimentos em
níveis muito altos são necessários para mudar esse quadro no ensino
público. Esse deveria ser o compromisso ético, não apenas dos agentes públicos, mas de toda a sociedade: melhorar substancialmente a qualidade da Educação Pública em todas as cidades brasileiras.
Por Patricia Fachin
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Fonte: IHU
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