dezembro 03, 2015

Até que ponto uma peça de teatro pode lhe ser útil? Por Profeta do Arauto (OBVIOUS)

PICICA: "Contra o poder da igreja e a opressão do capitalismo, não há melindres e resistências que os desfaçam; então, até que as vísceras lhe saiam pela boca, o melhor é ser casca grossa e suportar os solavancos da locomotiva. E assim, os muitos dentes ocultos na multidão, vão viajando por essa vid`afora."

Até que ponto uma peça de teatro pode lhe ser útil?


Inspirado e adaptado à peça de teatro e posteriormente filme: “O Pagador de Promessas” do novelista, roteirista e dramaturgo Dias Gomes; ganhador da Palma de Ouro do festival de Cannes de 1962.



“Que ninguém nos acuse de intolerantes. E que todos se lembrem das palavras de Jesus”: “Porque surgirão falsos profetas e falsos Cristos e farão tão grandes sinais e prodígios que, se possível fora, enganariam muitos”. – palavras do padre Olavo.

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2015. Pai cumpre promessa e caminha do Sul do país até o Palácio do Governo para pedir uma ajudinha de cinco mil reais/por mês para a filha que cursa medicina. Será que recebeu a graça pedida para a santa Maldi tá à frente do governo Federal brasileiro? Certamente, esse pai não carregou a cruz imitando Jesus Cristo. O mundo não permite boas réplicas influenciáveis!


O mundo não permite mais a simplicidade, a humildade, o respeito, a honestidade, o amor, a paz, a solidariedade, a sinceridade, a benignidade, confiança, amizade, esperança, ingenuidade, carregar cruz. Não, o mundo não permite mais nada. Não permite porque o Homem (exceto o raro Zé-do-Burro) botou tudo a perder e fez da intolerância as trevas, de onde ele veio, o seu retorno. Total escuridão absurda. 

Na confluência das ruas Pangaré com Capim Santo, havia uma faixa colocada de ponta a ponta com a inscrição em letras garrafais: “Agradeço a Nossa Senhora das Mercedes pela graça alcançada”. Quem seria o recebedor da graça? Para quem não sabe do que se trata, o mistério da inscrição pode servir de estímulo e alento; pois, o dia de amanhã, a Deus pertence.

Afirmar é para cartomantes, tarólogos, bruxos, mandingueiros, leitores do sobrenatural e outros; mas o leitor já deve ter se deparado com um Zé do Burro e oxalá, se não está fazendo o papel de um. Oras, afinal, neste mundo de nosso Deus, de tudo pode se esperar. E na hipótese disto não ter acontecido, cuspa para o céu a primeira pedra quem nunca caiu acamado; ou teve um ente nessas condições, e acreditando piamente em Iansã, que na crença católica é Santa Bárbara, fez uma promessa em troca da melhora da doença; em troca da aprovação no vestibular; para encontrar o dinheiro perdido; em agradecimento pela viagem à praia; pelo cessar da diarreia; pelo prato de caruru; pela bala perdida que escapou por pouco; pelo celular que deu pane quando a mulher o pegou para atender a ligação da amante do marido, ou vice e versa.

- Você pode enganar o trouxa de seu marido; mas a mim não! – é o que Rosa ouve de Marli, esposa e lambisgoia de Bonitão nas horas vagas; que por sua vez, é considerado o cafajeste das noites com sol e dias sem lua. De noite ou de dia, cafetão todos os dias.

– Corno manso! – Marli completa a ofensa.

Pela troca do jegue por um fusca; para reatar o casamento que estava em ruínas; pela palidez do filho que está com dor de lumbago; para aumentar o Bolsa Família que não dá para comprar nem um quilo de farinha de mandioca; pelo auxílio governamental pedido para à compra de chinelos Havaianas, etc.

- Boa moça, se não tivesse casado com a humanidade. Dá, divide o que tem com uma fração menor que a torcida do Corinthians, e maior que a população do Brasil. – previsão estatística do Profeta.

Seja para o que seja, é pratica comum pedirmos auxílio aos santos através de uma bem aventurosa promessa. Que como sabemos, não é cobiçar as coisas alheias; apenas um pedido em troca da melhora daquilo que não vai bem; do livramento do mal causado por uma atitude impensada. Pedir, receber e pagar a graça alcançada faz parte do escopo cristão. Está escrito na bíblia que “peça e receberás”. “Bata à porta e ela se abrirá”. Mas para alcançar a benção e fazer do pedinte e penitente, merecedor da dádiva; todos os requisitos prometidos devem ser atendidos.

Obviamente que em tempos de crise econômica, época que um pedaço de jabá, o feijão, o arroz, o leite, o munguzá, o angu mesmo que encaroçado e o barraco na favela, estão com preços astronômicos; os olhos da cara, é descabível pensar que o leitor deixaria a casa e como parte da promessa, espalharia colchões no chão para os pobres e desabrigados. E é exatamente este o ponto que distancia, que diferencia a promessa feita por Zé do Burro, que retalhou o terreno que possuía para os pobres. Com a esperança que a santa interceda em nome de Deus, Zé do Burro cumpriu parte da promessa doando aos pobres um pedaço de sua terra e como dizem popularmente: “quem dá aos pobres, empresta a Deus”, ditado que ele acreditou com a maior devoção.

Conjecturas a parte, pertencer a uma sociedade que ainda guarda em seus recônditos o falso conceito de Deus, que esconde suas impurezas na religião, fazendo-se de arcaica e provinciana enterra-se na hipocrisia suas vicissitudes, é desalento para qualquer cidadão. E quanto mais honesto, humilde, respeitoso, prestativo for; inversamente em proporção, será o uso dele, pelo sistema social aterrador imposto.

Zé do Burro é um desses matutos do sertão, malhador da terra, responsável com todos aqueles que estão ao seu lado; formador de bons legados familiares e que ainda traz dentro de si a ingenuidade de acreditar que a humanidade é igual a ele. Acredita que o ser humano é aquilo que sai de sua boca; acredita que o olhar é a fidelidade da cara; acredita que todas as pessoas sobrevivem honestamente; acredita que o adultério é pratica somente entre os animais irracionais; enfim, Zé do Burro idealiza um mundo em que a forma de conduta, a maneira de sobrevivência dos beija-flores, das abelhas, das formigas representam a liberdade, a conquista e a justiça em igual tamanho para todos. E atado ao seu pedaço de terra, talvez ele pensasse assim para o resto da vida; porém, quis o destino que o seu fiel amigo adoecesse e após fazer inúmeras tentativas de cura mal sucedidas, prometendo carregar uma pesada cruz no dia de ação de graças, apelou para Iansã.

- Maldito pagamento da promessa que veio em má hora! O choro e as lágrimas de hoje serão dissipados pelo sorriso zombeteiro amanhã! Quanta contradição e interesseiro é o ser humano!

- Tu ainda não viu nada, Zé do Burro! Os horrores do mundo, o espera, mais, bem mais à frente. Isto é o início.

- Você com essas suas palavras sem sal e sem sabor, não me desanima não, Profeta!

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Esse disparate social/urbano metia tanto medo em Zé do Burro, que não largava a cruz um só segundo, nem mesmo se fosse para ir ao banheiro. Impossibilitado de fazer as necessidades fisiológicas, porém mantendo-se resignado em seu intuito de levar a cruz ao interior da igreja, também passou o dia com fome.

Verdade, seu Zé do Burro! Às vezes o sorriso zombeteiro não espera nem o amanhã; afinal, na rotina interativa entre os humanos da cidade grande, se nada tens para oferecer, nada receberás como recompensa. E você começou sendo recompensado com a infidelidade de Rosa. Mulher que escolhera para esposa; para separar-se somente através da morte; no entanto, bastou aparecer um canastrão de sorriso largo e fala fácil, que ela abriu-lhe a caixa-porta-joia; o segredo íntimo das mulheres, o qual você tanto respeitou e só buliu nele depois do casamento. Depois do santo padre dizer: "Está liberado podem beijar-se; podem unir pelos com pelos, debaixo do cobertor; mas, mantenha a vergonha, o pudor".

O padre! Com o santo pároco, não se brinca, pois é ele o representante de Deus na Terra. Nas cidades, juntamente com o Delegado, tem poder para soltar e prender; e o pior: praga enviada por ele é morte na certa. E se vê-lo soltando marimbondos pelas ventas, é porque não caiu um centavo no saco afunilado feito coador. Isto o irrita profundamente. Reescrevendo a estória, o senhor sabe qual a diferença entre o padre, o coador e a peneira?

- O coador é de pouca fé e o padre de muita fé. A peneira, num sei não!

- Acertou seu Zé do Burro; com uma diferença: o saco/coadar é do padre e as peneiras são dos políticos e capitalistas. Embora as três divindades sociais revessem os utensílios de vez em quando, caiu em seus domínios, tá preso. A fé retém qualquer valor de qualquer granulometria; e consequentemente, em seus aparatos, apenas entra. São redes, peneiras e sacos sem fundo. E a prova é que o senhor nunca mais ouviu falar na multiplicação dos peixes. Dispensam o auxílio até de Cristo. Choram com as barrigas e os objetos cheios. O senhor me entende, não?

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- Não, o Galego tem razão. A santa pode ser a mesma, mas o padre tem medo da concorrência e quer defender o seu negócio. – frase de Dedé, sobre a aposta feita entre Coca e Galego. Aposta que, mais tarde é refeita e passa envolver o três.

O dinheiro! Ó, o dinheiro, Zé-do-Burro; até que ponto ele está interferindo em seu vexatório calvário de peregrinação? Depois que você caminhou sessenta léguas com sua pesada e dolorosa cruz, parecido Jesus Cristo fora de época e estacou resoluto onde está, a cidade nunca foi mais a mesma. É burburinho para cá; aposta para lá; buchicho na outra esquina. Fez com que a população da cidade ficasse feito formiga, zanzando perdida, procurando saber por que, e com veio parar naquele lugar. Uns bonzinhos oferecendo um lanche, outros um pedaço de cocada, outros mais querendo saber somente para bisbilhotar, o que Rosa sua esposa, chegou a dizer que “ajudar, querem ajudar...mas é desgraçar a vida d´agente”.

E você Zé-do-Burro, forte, resistente, resignado. Clamando paciência a Deus e ralhando contra os diabos que lhe importunam e não deixam você entrar com a cruz na igreja e assim, terminar de cumprir a promessa. E com isto, as horas passam e o dia já vai de velho e você continua servindo de chacota; alvo de apostas até de um prato de caruru; servindo de chamariz para trazer o povo para o comércio nas redondezas da praça; matéria de capa para a imprensa da cidade. Você e a sua amada esposa já se viram estampados no jornal de hoje? Com promessas de que lhes servirão comida e um colchão puído para dormir; foguetório na volta com carro batedor para escoltá-los e alarde internacional do homem que imitou a Cristo, a imprensa quer que fiquem até segunda, pois, amanhã não tem expediente e consequentemente, jornalistas e redação não trabalham.

- O dinheiro, Zé-do-Burro! O dinheiro, trazendo felicidade / sempre ele / para você / para quem quiser / que podem usufruí-lo / pois estão na mais tenra flor da idade! - notou? Já fizeram até um versinho para você.

Por fim, seu Zé do Burro, léxico que és, reveja melhor, conte e reconte as páginas do anacrônico dicionário que estás lendo; porque, pelo que parece aos distantes e espantados olhos, as palavras humildade, simplicidade e respeito ainda constam na edição lida. Sobretudo, para o senhor que ainda acredita que para abnegar-se às impurezas do mundo; que para se achegar, para pactuar fielmente com a existência de Deus em sua totalidade, o homem tem que negar para sempre, o dinheiro; saiba, creia que os tempos mudaram. Creia somente que falar que é fiel seguidor de Deus é fácil; difícil é alguém negar o dinheiro. Creia que o dinheiro é a pandemia contagiosa do mundo. E para tê-lo mais e mais, justificam dizendo a mesma idiotice: “ora, infelizmente, preciso dele para viver”.

Realmente seu Zé do Burro, o dinheiro é a moeda de troca instituída pelo homem, para, e contra o homem. Todavia, nenhum perdulário soube até hoje quanto ele precisa em bens materiais, moedas de ouro e prata para sobreviver. À primeira vista, o senhor como abstênico às coisas mundanas e aos vícios luxuriosos, parece estar certo em seu raciocínio. Pois, diante das leis divinas, é impossível servir dois deuses ao mesmo tempo: ou serve o Deus verdadeiro e absoluto, ou serve o deus falso, regido pelas mentiras dos homens e o dinheiro. Esse último é fácil seguir e encontra-se em qualquer esquina. Afinal, seu Zé do Burro, de corruptos, corruptores, hipócritas, mentirosos, iníquos, ratos de despensa e bonzinhos, o mundo está farto; isto fazendo uso do eufemismo, para não dizer que o diabo está loteando o céu para acomodar os seus. O contingente de honestos (agora que já entende o que é ser um honesto moderno) é tão grande, que temo não ter vaga para o senhor quando partir desta para uma melhor.

- É uma pena que seus conselhos tenham chegado atrasado; porque enquanto meu burro está são e salvo, eu morri sem saber os porquês! Só sei que foi no dia da celebração da Santa Barbara, conhecida como Iansã pela crendice umbandista. - Pois é seu Zé, burro é aquele que acredita que alguém faz milagre nessa Terra. Jesus Cristo foi outro. - Só você que pensa isso, Profeta! Por que o penitente/pedinte que afixou a faixa à rua Pangaré, fora a graça alcançada, recebeu um burro de presente. Cada cumpridor recebe a graça que merece. Eu, além de ser corneado, chifrado pela minha mulher e muita humilhação, conheci os calorosos abraços da morte. Meus lamentosos pêsames! E realmente: os dicionários do mundo não tem mais espaço para os simples de palavras, honestos de ações; ingênuos de pensamentos e sensíveis de coração. Esteja onde esteja, que tenha melhor sorte, seu Zé do Burro!

- Você não passa de mais um...

- Um, o quê, seu Zé do Burro?

- Quer mesmo saber? Não me insulte, porque senão eu delato!

- Desengasga, logo, vai!

- ...mais um falso Profeta no mundo. Pronto, falei!

- Agora pode falar mesmo! Vai entrar na igreja deitado debruço em cima da cruz, com os braços abertos em forma de crucifixo; parecendo Jesus Cristo fora de época. Avisei: “os horrores do mundo, o espera, mais, bem mais à frente”. Agora minhas palavras possuem o sal do sangue e o sabor da morte. Tarde demais para acreditar em mim.

- Findado o artigo, torno de conhecimento do leitor que o protagonista Zé-do-Burro, sou eu. Mas, por favor, não tenha pena de mim. Tudo que fiz e aconteceu comigo, foi por puro merecimento.

No sistema em que predomina o contra-senso religioso e o absolutismo monetário, Zé do Burro é parte de uma engrenagem que vai sendo carcomida aos poucos; e caso tente lubrificá-la, fatalmente, acelerará o processo de desintegração dos mecanismos internos. Contra o poder da igreja e a opressão do capitalismo, não há melindres e resistências que os desfaçam; então, até que as vísceras lhe saiam pela boca, o melhor é ser casca grossa e suportar os solavancos da locomotiva. E assim, os muitos dentes ocultos na multidão, vão viajando por essa vid`afora.

- Findado o artigo, levo ao conhecimento público que o protagonista Zé-do-Burro, sou eu. Mas, por favor, não tenha pena de mim. Por favor, não tenha dó. Tudo que fiz e aconteceu comigo, foi por puro merecimento. Motivo d´eu ter morrido feliz e com a consciência tranquila. Espero que tenha o motivado a ser o segundo.


Profeta do Arauto

Semelhante a um lord Inglês, sentado confortavelmente numa cadeira reclinável, desfiando o fumo de rolo para encher o cachimbo e após tocar fogo nele, ter um ataque de inspiração insólita, para o bem ou para o mal e numa baforada anelada e monstruosa, tragar as quatro letras da palavra CAOS. Haja reflorestamento, celulose, folha de papel e tantos parágrafos para definir uma palavra miudinha, pequeninha mas causadora de epicentros! Abalos sísmicos! .

Fonte: OBVIOUS

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