PICICA: "O “azar” do povo de Bento Rodrigues,
Paracatu, Mariana e da Bacia do Rio Doce é que eles são “apenas”… um
povo. Porque se fossem uma família ricassa, o Estado estaria a postos, a exemplo da agilidade do Banco do Brasil em comprar o banco Votorantim de Antônio Ermínio no ano de 2009 pela bagatela de 4,2 bilhões (!) e salvar a família ricassa da quebra no contexto da crise mundial.
Por essa razão, resumir o debate a
estatizar ou não o setor mineral é limitado, pois o que está por trás é
um Estado que organiza e executa a perpetuação da dependência, seja sob o manto do público ou do privado."
O Estado transnacional no Brasil
O mar de lama tóxica despejado pela
mineradora Samarco/Vale/BHP fez mais que matar gente, rio, toda uma
biodiversidade e deixar centenas de milhares de pessoas sem água. Ele
desnuda o caráter privatista e transnacionalizado do Estado brasileiro,
dada sua omissão e conivência diante do maior crime ambiental do país e a
insistência dos governos em aprofundar nossa dependência a partir da
radicalização do padrão exportador de especialização produtiva de nossa economia.
No dia após a tragédia, o governador de Minas, Fernando Pimentel, deu a primeira coletiva de imprensa dentro da Samarco (!). Dilma, que se manifestou perante os atentados na França em duas horas, levou seis dias para dar uma declaração
e dizer que estava esperando a apuração dos responsáveis (!). O
Governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, levou quatro dias para se manifestar
e assumiu um clima de “campanha do agasalho”, apelando para a
solidariedade do povo capixaba para doar água como se fosse uma
catástrofe natural, sem sequer citar o nome da empresa Samarco (!).
No dia 25 de novembro, 20 dias após a tragédia, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovou,
por 57 votos contra 9, em turno único e com regime de urgência o PL
2946 que flexibiliza os licenciamentos ambientais. No mesmo dia, a
Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional do Senado aprovou o PL 654/2015
de Romero Jucá que segue para o plenário do Senado e que “Dispõe sobre o
procedimento de licenciamento ambiental especial para empreendimentos
de infraestrutura considerados estratégicos e de interesse nacional”, ou
seja, destacadamente empreendimentos de grande porte. Além do Novo Código da mineração, relatado por Leonardo Quintão, deputado financiado pela mineração e que se movimenta para acelerar sua aprovação em favor das grandes mineradoras.
Enquanto isso, os moradores de Bento
Rodrigues e Paracatu seguem reféns da Samarco e a tentativa de se
estabelecer uma mesa de negociação (!) instituída pelo Estado de Minas
por meio do decreto 203/2015
para um fim absolutamente diverso (a mesa foi instituída para tratar de
conflitos fundiários). No mesmo sentido, seguem os moradores de Mariana
e os trabalhadores da Samarco, pois a empresa chegou a afirmar por meio
de nota
que não pagaria os salários, sendo essa uma chantagem constante que
paira no município (!). Tudo isso num jogo de empurra entre empresas,
governos, judiciário e grande mídia com a finalidade de, ao fim e ao
cabo, “só restar” a alternativa da empresa voltar com a extração nos
mesmos termos, sob o argumento que a região precisa da atividade, a
despeito de qualquer coisa.
O “azar” do povo de Bento Rodrigues,
Paracatu, Mariana e da Bacia do Rio Doce é que eles são “apenas”… um
povo. Porque se fossem uma família ricassa, o Estado estaria a postos, a exemplo da agilidade do Banco do Brasil em comprar o banco Votorantim de Antônio Ermínio no ano de 2009 pela bagatela de 4,2 bilhões (!) e salvar a família ricassa da quebra no contexto da crise mundial.
Por essa razão, resumir o debate a estatizar ou não o setor mineral é limitado, pois o que está por trás é um Estado que organiza e executa a perpetuação da dependência, seja sob o manto do público ou do privado.
É verdade que a Petrobrás não poderia
lançar um mar de lama tóxica, mas ela comete crimes que também lesam a
pátria, a exemplo de constantes denúncias de despejo de lixos
radioativos gerados pelo Pré-Sal. Não se trata de negar que há
interesses ainda mais privatistas em seu controle capitaneados pela
mídia gringa do Brasil, mas é inegável também que a Petrobrás integra as
engrenagens do subdesenvolvimento sob um modelo econômico que há 515
anos está voltado para fora, alheio aos interesses da maioria da nossa
gente.
O que está em questão é a nossa
capacidade de construir um projeto soberano que desmonte a supremacia
das multinacionais e dos monopólios, que lucram na saúde ou na doença,
na riqueza ou na pobreza. E a tragédia de Mariana é emblemática, pois se
antes a Samarco seguia realizando bilhões impunemente, em meio à
tragédia não faltará Nestlé ou Coca-Cola para nos vender água
engarrafada a dois ou três reais, nem faltará business ambiental
para os tais projetos de revitalização, nem grandes construtoras para
lucrar nas reconstruções, nem nada para lucrar neste grande negócio
chamado Brasil.
Que a lama de morte nos gere mais do que
perdas e devastação. Que ela sirva para nos lançarmos a um grande
movimento social e político que realize a vocação de liberdade dessa
nossa pátria mãe gentil, a pátria amada e historicamente saqueada,
Brasil (!).
Fonte: Brasil em 5
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