PICICA: "Deleuze e Guattari se esforçaram para
salvar a metapsicologia da clínica psicanalítica, como se a criação de
Freud tivesse sido pervertida por sua prática. Por isso, a primeira
tarefa da esquizoanálise
é negativa: liberar a clínica de toda interpretação, da transferência e
recuperar o princípio de produção do inconsciente maquínico. O modelo
de inconsciente da esquizoanálise recusa toda forma de representação,
para isso é preciso fazer guerra contra a interpretose.
A organização dos corpos nos faz viver um
vida de baixas intensidades: subjetividades privatizadas. O horror da
esquizoanálise são corpos que se relacionam sempre com os mesmos corpos,
nestes casos é preciso primeiro matar o que te mata, desejar o teu
declínio. Iniciar a tarefa destrutiva com a maior rapidez possível! Sim,
rápido com isso, vamos! Colocar as cartas na mesa e separar a joio do
trigo: isso me pertence ou foi imposto? Como Édipo me afeta? É possível
ser mais, ir além?"
A pessoa já chega viciada no divã, ela já
chega com uma análise pronta! É preciso quebrar com as análises
fast-food, de shopping, marketeiras, ready made. O paciente já monta uma
narrativa que impede a mudança, a intervenção, temos que destruir com
ela. Esta primeira tarefa é piromaníaca: que se coloque fogo no teatro
edípico, que se coloque fogo em todas as representações baratas que
colonizaram nosso inconsciente.
Deleuze e Guattari se esforçaram para
salvar a metapsicologia da clínica psicanalítica, como se a criação de
Freud tivesse sido pervertida por sua prática. Por isso, a primeira
tarefa da esquizoanálise
é negativa: liberar a clínica de toda interpretação, da transferência e
recuperar o princípio de produção do inconsciente maquínico. O modelo
de inconsciente da esquizoanálise recusa toda forma de representação,
para isso é preciso fazer guerra contra a interpretose.
A pessoa já chega viciada no divã, ela já
chega com uma análise pronta! É preciso quebrar com as análises
fast-food, de shopping, marketeiras, ready made. O paciente já monta uma
narrativa que impede a mudança, a intervenção, temos que destruir com
ela. Esta primeira tarefa é piromaníaca: que se coloque fogo no teatro
edípico, que se coloque fogo em todas as representações baratas que
colonizaram nosso inconsciente.
A organização dos corpos nos faz viver um
vida de baixas intensidades: subjetividades privatizadas. O horror da
esquizoanálise são corpos que se relacionam sempre com os mesmos corpos,
nestes casos é preciso primeiro matar o que te mata, desejar o teu
declínio. Iniciar a tarefa destrutiva com a maior rapidez possível! Sim,
rápido com isso, vamos! Colocar as cartas na mesa e separar a joio do
trigo: isso me pertence ou foi imposto? Como Édipo me afeta? É possível
ser mais, ir além?
A codificação do desejo, sua inserção em
um regime familista, dizem Deleuze e Guattari, é uma armadilha, temos
que nos precaver. Não se deve procurar por um núcleo edípico da
subjetividade porque ele simplesmente não está lá. Existe vida fora do
divã, e o esquizofrênico anda, passeia, longe do consultório abafado do
psicanalista, para provar. É preciso destruir o “eu” normal, o neurótico
típico, tirá-lo de seu pequeno conforto.
A psicanálise perde-se na vida burguesa, e
a reproduz. Sua ortodoxia não compactua com devires-revolucionários. A
clínica que supostamente deveria libertar, muitas vezes utiliza os
mesmos dispositivos disciplinares que escravizam! Deleuze e Guattari
querem salvar a psicanálise dela mesma, de uma clínica que faz o homem
lutar por sua servidão como se fosse sua liberdade. Liberar a
psicanálise do que ainda a faz um sistema de repressão. Tornar o
pré-edípico em anedípico, só se pode dar conta de tal tarefa primeiro
limpando terreno.
Não há material do inconsciente! Não há
nada para ser encontrado, há tão somente máquinas e o uso que faz delas.
Não há nada para ser descoberto, não há um pano em cima do inconsciente
a ser tirado e revelar nossos segredos, se agimos assim, ainda nos
comportamos como religiosos. O mundo é aqui, o inconsciente é aqui, ele
se faz, refaz, constantemente. Há de se criar um inconsciente, mas para
isso é necessário antes demolir ídolos. Afinal, somos máquinas ligadas a
máquinas.
Destruir Édipo: desfazer as conexões
familistas, destruir todas as canalizações do desejo para o seio
familiar, quebrar o retrato de papai e mamãe e sair de casa para dar uma
volta no quarteirão. Destruir a ilusão do Eu: quem diz quando falamos?
Quem fala quando nos deitamos no divã? Há um analista em cada um de nós
que sente prazer em representar este papel.
Somos servos de um discurso que não é
nosso, aprendemos a falar uma língua, mas ainda não encontramos nosso
jeito de se expressar! O fim do eu normal é o fim da máquina
superaquecida, sua reforma, sua realocação, sua reformulação. Destruir o
fantoche do Superego: aliar-se à potência do inconsciente sem
necessidade de representações. O superego como prudência,
como cuidado necessário para a potencialização dos encontros. Um passo
para trás, dois para frente, há de se pensar em algum substituto para o
superego que não seja o pai, a mãe, ou qualquer representante familiar.
Fora com a culpa, esta máquina de impotência: “você quis matar seu pai, você quis dormir com sua mãe“.
Mesmo de modo simbólico, mesmo de modo teatral, fora com a culpa. Fora
com os instintos que se voltam para dentro. Abaixo a lei! Abolição dos
limites que constrangem, limitam, fecham. Pelo fim da castração: não ao
fechamento dos fluxos, ao canto da triste, fraco. O esquizoanalista tem
horror ao sujeito separado do que pode.
Na boca do impotente crescem presas
venenosas com as quais ele contamina a si mesmo e o mundo ao seu redor,
ele sussurra em nossos ouvidos: o desejo é falta. Mas Deleuze e Guattari
já redimiram o desejo
de sua versão hegeliana. O desejo é produção, é criação. Um pouco de
desejo já coloca toda sociedade cheque. Não queremos conservar nada, as
paredes precisam ser derrubadas, arejar os cômodos deste apartamento
fechado, ar viciado. Deixem o Fora entrar, deixem a diferença entrar. O
consultório do analista cheira a caverna platônica.
Desfamiliarizar e desedipianizar, ampliar
o processo do inconsciente para além da família; descastrar, ligar o
sujeito ao que ele pode; desfalicisar, desviar do poder, não ceder ao
poder, ele é triste; destruir o teatro, reencontrar os índices
maquínicos, as máquinas desejantes e produtoras de inconsciente;
desfazer sonhos e fantasmas, encontrar a produção do real lá onde ela
está, não em representações e interpretações, mas nos encontros, nos
fluxos; descodificar e desterritorializar, romper com os limites
impostos de fora, encontrar novos valores, desamarrar-se do poste da
lei.
A esquizoanálise deve empenhar-se com todas as suas forças nas destruições necessárias. Destruir crenças e representações, cenas de teatro. E para levar a cabo essa tarefa não há atividade malevolente que baste. Explodir Édipo e a castração, intervir brutalmente toda vez que um sujeito entoe o canto do mito ou os versos da tragédia, reconduzi-lo sempre à fábrica” – D&G, Anti-Édipo, p. 414
Reconduzir o inconsciente às oficinas,
encontrar a matéria prima de criação, mobilizar os operários para que
ocupem as fábricas, se organizem, se motivem. “Aqueçam as caldeiras!”,
“joguem mais carvão!”, “aumentem a velocidade!”, estávamos funcionando
em piloto automático, produzindo por produzir sem saber nem para quê nem
para quem. O teatro é perigoso demais para começar por ele, fechem os
teatros! Queremos ouvir o som dos martelos, das prensas, das
engrenagens, das roldanas! Queimem todos os roteiros e nos tragam chaves
de fenda!
Superestruturas e microestruturas são
investidas pelo esquizoanalista, ele carrega consigo pregos, martelo,
fita métrica, chave inglesa, serrote. Ele atua no real, cola, corta,
lixa. Ele atua com presteza e cuidado, não queremos jogar fora o bebê
com a água suja. Não queremos derrubar a casa por imprudência ou excesso
de pressa: às vezes, só colocamos leite no café, e isso já maquina
diferente, colocamos o chapéu de lado e já quebramos expectativas. São
muitas as camadas em que um esquizoanalista opera. Ele vasculha de cima a
baixo, procurando pelo sapato do pai que impede as engrenagens de
rodar, ele encontra o anel de casamento da mãe que trava a máquina de
seguir seu fluxo.
O que diz o psicanalista em nós? O que
ele quer? Em que acredita? Substitui-se a família pelo divã:
representantes imaginários, estruturas de reterritorialização, o
neurótico é uma terra estéril. Mas ao mesmo tempo, toda tarefa de
quebrar ídolos pede prudência: as máquinas edípicas estão embrenhadas
com as máquinas revolucionárias (separando-as do que elas podem). O
problema da psicanálise não é ser ineficaz, pelo contrário, ela funciona
perfeitamente! É preciso desmontar sem deixar que o sistema todo
desabe, há muita coisa útil embrenhada no inconsciente psicanalítico, a
esquizoanálise procura pelos índices maquínicos de desterritorialização,
só o passeio do esquizofrênico pode encontrar suas máquinas desejantes.
Enfim, esta é apenas a primeira tarefa,
abrir caminho por entre o pântano viscoso que prende as subjetividades e
as faz rodar em círculos. O passo inicial, o começo de uma jornada que
não para na simples destruição. Depois de desinfetar a casa de todo Império de Édipo, a esquizoanálise entra em sua tarefa mecânica.
A psicanálise fixa-se nos representantes imaginários e estruturais de reterritorialização, ao passo que a esquizoanálise segue os índices maquínicos de desterritorialização. Há sempre a oposição entre o neurótico no divã, como terra última e estéril, derradeira colônia esgotada, e o esquizo em passeio num circuito desterritorializado” – D&G, Anti-Édipo, p. 419
> este texto faz parte da série Esquizoanálise <
Fonte: RAZÃO INADEQUADA
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