PICICA: "Iniciada em Paris nesta segunda-feira, 30-11-2015, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP 21,
reúne estadistas do mundo todo na tentativa de buscar um acordo para
reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa. “A COP 21 ocorre concomitantemente com a confirmação de eventos climáticos extremos associados ao aquecimento global que já se fazem presentes”, aponta o pesquisador Alexandre Costa ao avaliar o contexto drástico em que se dão as negociações em paralelo com as divergências de interesses. “As mudanças climáticas
guardam forte relação com a desigualdade e o poder político e
econômico. Os interesses capitalistas são incompatíveis com a noção do
clima como bem comum”, frisa em entrevista por e-mail à IHU On-Line.
Para Costa, o acordo resultante da COP 21
precisa ser baseado na situação climática real do mundo hoje e das
consequências que já comprometeram o equilíbrio natural no planeta e dos
reflexos que ainda estão por vir. “O resultado que deveria vir da COP 21,
se esta se guiasse pela Ciência do Clima e pelos valores de justiça
climática, social e geracional, seria um tratado vinculante, com metas
obrigatórias que implicassem uma redução acelerada das emissões
de gases de efeito estufa”, explica. Segundo o pesquisador, para que o
acordo seja efetivamente relevante, deve incluir diretrizes como um
amplo fomento para a remodelagem global da matriz energética; uma
rigorosa proteção dos estoques de carbono; e o debate das fronteiras e
dos direitos de imigrantes, considerando o crescimento em escala dos refugiados climáticos em função dos danos já causados à natureza. Alexandre Costa
também ressalta que é necessário discutir até a formulação da dieta
alimentar humana, uma vez que parte significativa das emissões de gases
de efeito estufa resulta de fermentação entérica, em sua grande maioria
produzida pelo gado bovino.
“Sobretudo, cabe destacar que qualquer
acordo sério precisa, sim, colocar a maior parte do ônus sobre os
grandes emissores históricos, em particular considerando-se a emissão a
partir do consumo e não da produção, afinal é muito confortável para a União Europeia,
por exemplo, apresentar metas significativas de redução de emissões
após ter exportado boa parte de sua indústria suja para a periferia do
sistema”, salienta o pesquisador. Na sua avaliação, o maior entrave das
negociações é o poderio econômico, tanto das grandes
corporações, que buscam o lucro a qualquer custo, quanto das camadas
mais ricas da sociedade, que obrigatoriamente precisarão mudar seus
padrões de consumo para preservar o planeta."
Com as catástrofes climáticas batendo à porta, estadistas discutem acordo global na COP-21. Entrevista especial com Alexandre Costa
“O quadro como está ainda é
inaceitável e é necessário que os países apresentem metas baseadas nas
necessidades reais. Não se trata de ousadia, mas do mínimo de bom
senso”, alerta o pesquisador.
Foto: http://bit.ly/1Q0J2NL |
Para Costa, o acordo resultante da COP 21
precisa ser baseado na situação climática real do mundo hoje e das
consequências que já comprometeram o equilíbrio natural no planeta e dos
reflexos que ainda estão por vir. “O resultado que deveria vir da COP 21,
se esta se guiasse pela Ciência do Clima e pelos valores de justiça
climática, social e geracional, seria um tratado vinculante, com metas
obrigatórias que implicassem uma redução acelerada das emissões
de gases de efeito estufa”, explica. Segundo o pesquisador, para que o
acordo seja efetivamente relevante, deve incluir diretrizes como um
amplo fomento para a remodelagem global da matriz energética; uma
rigorosa proteção dos estoques de carbono; e o debate das fronteiras e
dos direitos de imigrantes, considerando o crescimento em escala dos refugiados climáticos em função dos danos já causados à natureza. Alexandre Costa
também ressalta que é necessário discutir até a formulação da dieta
alimentar humana, uma vez que parte significativa das emissões de gases
de efeito estufa resulta de fermentação entérica, em sua grande maioria
produzida pelo gado bovino.
“Sobretudo, cabe destacar que qualquer
acordo sério precisa, sim, colocar a maior parte do ônus sobre os
grandes emissores históricos, em particular considerando-se a emissão a
partir do consumo e não da produção, afinal é muito confortável para a União Europeia,
por exemplo, apresentar metas significativas de redução de emissões
após ter exportado boa parte de sua indústria suja para a periferia do
sistema”, salienta o pesquisador. Na sua avaliação, o maior entrave das
negociações é o poderio econômico, tanto das grandes
corporações, que buscam o lucro a qualquer custo, quanto das camadas
mais ricas da sociedade, que obrigatoriamente precisarão mudar seus
padrões de consumo para preservar o planeta.
Alexandre Araújo Costa
é professor, pesquisador e um dos autores do primeiro relatório do
Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. É mestre em Física pela
Universidade Federal do Ceará - UFC e doutor em Ciências Atmosféricas
pela Colorado State University, com pós-doutorado pela Universidade de
Yale. Foi gerente do Departamento de Meteorologia e Oceanografia da
Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos e atualmente é
professor titular da Universidade Estadual do Ceará - UECE.
Confira a entrevista.
Foto: http://bit.ly/1YHRu69 |
Alexandre Araújo Costa - A COP 21 ocorre concomitantemente com a confirmação de eventos climáticos extremos
associados ao aquecimento global que já se fazem presentes. Este ano de
2015 se encerrará como aquele de maior temperatura média global já
registrada, provavelmente em torno do valor simbólico de 1ºC acima das
temperaturas pré-industriais. Além disso, tivemos, em 2015, a ocorrência
do maior furacão já registrado, o Patrícia, com ventos de 325 km/h e que, felizmente, por ter perdido força antes de atingir áreas populosas no México, produziu estragos menores do que poderia.
O furacão Patrícia é a segunda supertempestade que poderia ser classificada como de categoria 6, depois do Haiyan, que devastou as Filipinas
há dois anos, mas a escala usada pelos cientistas só vai até 5. Batemos
o recorde de furacões e tufões muito intensos: foram 22 este ano,
contra o recorde anterior de 18 em 2009. Tivemos ondas de calor
mortíferas na Índia e Paquistão, que ceifaram quase 4 mil vidas, e agravamento das secas em diversas regiões do mundo, da Síria ao Nordeste Brasileiro, da África do Sul à Califórnia.
Também é um contexto em que foram descobertos pesquisas e arquivos secretos da Exxon, hoje Exxon-Mobil, que comprovam que a empresa sabia há 30 anos pelo menos de parte das prováveis consequências da continuidade da queima de combustíveis fósseis, ou seja, antes da criação do IPCC
(Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). Isso apenas
atesta a criminosa ação desta e de outras corporações que financiaram o
negacionismo climático (hoje totalmente desmoralizado) e contribuíram
para o adiamento de medidas absolutamente necessárias e urgentes. A
perda de vidas humanas, bem como de espécies e biomas inteiros, vai na
conta das corporações dos ramos petroquímico, automobilístico,
minerador, do agronegócio e outros grandes emissores de gases que
provocam o efeito estufa, além dos governos cúmplices.
IHU On-Line - Qual é o resultado que se espera da COP 21? Que questões centrais não podem ficar de fora do acordo?
Alexandre Araújo Costa - O resultado que deveria vir da COP 21,
se esta se guiasse pela Ciência do Clima e pelos valores de justiça
climática, social e geracional, seria um tratado vinculante, com metas
obrigatórias que implicassem uma redução acelerada das emissões de gases
de efeito estufa. Afinal, para mantermos mais de 50% de chances de
evitarmos um aquecimento acima de 2ºC, precisamos
manter nada menos que 90% das reservas certificadas de carvão, petróleo e
gás exatamente onde estão, ou seja, no subsolo. Infelizmente, a
construção a partir de intenções ou contribuições voluntárias não está
fechando essa conta, e muitos dos países mais ricos e emissores ou
apresentaram metas insuficientes, como os EUA, ou agiram de forma irresponsável, propondo cortes muitíssimo abaixo do necessário, como o Japão.
Hoje, a soma das contribuições voluntárias nos tira da catástrofe completa e acelerada do cenário “business-as-usual”,
que implicaria num aquecimento de 4 a 6°C ao final do século XXI e
certamente conduziria à ruptura total do tecido social de nossa
civilização, pois seria incompatível com a manutenção dos próprios
sistemas de suporte à vida. Mas ele está longe de ser suficiente, pois
ainda nos põe numa rota de aquecimento de 2,5 a 3,5°C,
capaz de ter efeitos deletérios enormes e disparar mecanismos de
retroalimentação climática que podem manter o aquecimento global
avançando mesmo com emissões antrópicas reduzidas. O quadro como está
ainda é inaceitável e é necessário que os países apresentem metas
baseadas nas necessidades reais. Não se trata de ousadia, mas do mínimo
de bom senso.
Não poderia ficar fora de qualquer acordo sério – já que os combustíveis fósseis precisam ser rapidamente abandonados - um amplo financiamento para remodelagem global da matriz energética,
incluindo geração de eletricidade e transportes, uma rigorosa proteção
dos estoques de carbono não apenas em florestas e outros biomas
continentais, mas também manguezais e demais biomas costeiros e
marinhos, uma política de proteção dos oceanos e mecanismos de garantia
de segurança alimentar e hídrica. O debate das fronteiras e dos direitos
de imigrantes também é fundamental, pois se sabe que
mesmo limitando-se o aquecimento global a 2°C, a tendência inequívoca é a
de crescimento em escala dos refugiados climáticos.
Veja o caso dos países-ilha, que na realidade sempre defenderam que o
limite seguro seria de no máximo 1,5°C e que consideram 2°C uma sentença
de morte, ou de Bangladesh, um país que tem quase 100
milhões de pessoas morando poucos metros acima do nível do mar! Não
poderia ficar de fora, a meu ver, o próprio debate sobre a dieta humana,
afinal sabe-se que uma parcela muito significativa das emissões de
gases de efeito estufa vem de fermentação entérica, em sua grande
maioria produzida pelo gado bovino.
Sobretudo, cabe destacar que qualquer
acordo sério precisa, sim, colocar a maior parte do ônus sobre os
grandes emissores históricos, em particular considerando-se a emissão a
partir do consumo e não da produção, afinal, é muito confortável para a União Europeia,
por exemplo, apresentar metas significativas de redução de emissões
após ter exportado boa parte de sua indústria suja para a periferia do
sistema.
Evidentemente que um acordo tão abrangente e que requer mudanças tão profundas viria a contradizer interesses econômicos
de grandes corporações capitalistas e a impor mudanças nos padrões de
consumo dos ricos mundo afora e de muitos habitantes de países
desenvolvidos. E é aí certamente que está o maior travamento às
negociações.
“Os interesses capitalistas são incompatíveis com a noção do clima como bem comum” |
IHU On-Line - Já é possível
fazer alguma avaliação do início do evento? Quais foram os principais
temas discutidos nos primeiros dias do evento?
Alexandre Araújo Costa - Antes do início do evento, mais de 700 mil pessoas foram às ruas no mundo todo, em manifestações em muitas centenas de cidades. Manifestações com milhares de pessoas ocorreram de Camberra a Londres, de Auckland a Manila, de Fortaleza a Madrid, de Berlin à Cidade do México, de Dublin a São Paulo. E mesmo com a absurda proibição às manifestações previstas em Paris, está claro que os líderes mundiais presentes à COP 21 não podiam simplesmente fechar os olhos e tapar os ouvidos. O resultado? As primeiras falas, incluindo as de Hollande e Obama, além das de Ban-Ki-Moon, pela ONU, e de Laurent Fabius, pela própria COP, terminaram refletindo em algum grau a pressão das ruas.
A grande questão aí é se tais discursos
serão traduzidos em avanços reais nas negociações e no texto final
produzido em Paris. E mais: ainda que se tenha tudo devidamente colocado
no papel, que mecanismos teremos de assegurar os cortes nas emissões,
garantir a fidelidade dos governos ao acordo, evitar a sabotagem de
empresas etc.? Que governança se estabelecerá e quão transparente e
aberta à base da sociedade ela será? Tudo isso se conecta à questão bem
conhecida de que as mudanças climáticas guardam forte
relação com a desigualdade e o poder político e econômico. Os interesses
capitalistas são incompatíveis com a noção do clima como bem comum.
Neste início de COP 21,
além das falas de diversos chefes de Estado, já houve diversos debates
sobre agricultura, acerca da questão geracional, sobre uma política
sustentável de eletrificação na África, a partir de fontes renováveis e sobre as florestas, mas foi particularmente tocante a fala de Anote Tong, presidente de Kiribati. Diante da inevitabilidade da elevação do nível do mar, já colocou que qualquer que seja o resultado de Paris,
já é tarde demais para seu país e que a reivindicação deles é a de
imigrarem com dignidade. Minha pergunta aí é: quantas nações, quantas
área do planeta, continuaram sendo consideradas “descartáveis”, ou “zona
de sacrifício” para enfim as medidas necessárias serem tomadas? Quantos
Kiribatis? É preferível manter o consumismo, o lucro de corporações de
setores tão destrutivos quanto a indústria fóssil e a mineração? Nesse
sentido, prefiro não fazer ainda uma avaliação do encontro em si, mas
externar tais preocupações. Sei que é quase impossível na atual
correlação de forças sociais e políticas, se chegar ao necessário para
conter a crise climática, mas esperemos para ver até onde se pode
avançar. Espero sinceramente que minha avaliação final não seja a de
praticamente todas as COPs anteriores, que foram grandes fiascos.
IHU On-Line - Que análise faz do discurso da presidente Dilma na COP 21?
Alexandre Araújo Costa - Eu expressei, assim que elas foram anunciadas, uma posição crítica em relação às metas apresentadas
pelo Brasil. Reduzir 43% de emissões em relação aos 2,33 bilhões de
toneladas de CO2-equivalente de 2005, próximo do pico de 2004, significa
baixarmos as emissões para 1,33 bilhão, o que não é nada espantosamente
menor do que o que temos emitido nos últimos anos. Com efeito, já
ficamos, em relação a 2005, 35% abaixo em 2009, 2010 e 2011, 38% abaixo
em 2012 e 33% em 2013 e 2014! Se tomarmos a média de 1,51 bilhão desses
cinco anos que citei, percebemos que a redução é tímida: é um corte de
apenas 12% nas emissões, muito aquém dos 43% anunciados com alarde.
Portanto, acho contraditório Dilma falar da expectativa em torno de um “acordo ambicioso”, quando as metas brasileiras deixam a desejar.
Sobre o discurso em si, apesar de um
posicionamento em relativa sintonia com o sentimento geral das demais
falas, isto é, reconhecendo a necessidade de agir, o considerei
insuficiente e demasiado genérico em questões sobre as quais não é
possível admitir meias-palavras. O maior mérito do discurso, a meu ver,
foi o posicionamento por um tratado com obrigações, isto é, por um
acordo vinculante, com revisão a cada cinco anos. Mas avalio que o Brasil perdeu a oportunidade de protagonismo no debate climático, até porque não é possível mais usar o trunfo da queda anterior do desmatamento
para autoelogio das políticas brasileiras quando se sabe que este
voltou a subir (16% em 12 meses, para ser mais exato). Falar também de
zerar o desmatamento “ilegal” quando o desmonte do Código Florestal
legaliza muito do próprio desmatamento também é insuficiente, e o
Brasil precisa ter capacidade de propor – aqui e no mundo todo – não
apenas o desmatamento zero, mas um “desmatamento negativo”, isto é, a
recomposição de parte da superfície vegetada.
Algo que também não se sustenta mais é caracterizar a matriz energética brasileira como “limpa”, ignorando o crescimento exponencial das termelétricas fósseis na geração elétrica, os impactos de Belo Monte e a ausência de uma política de investimento em energia solar residencial. Aliás, por falar em Belo Monte, onde fica a demarcação de terras indígenas? Afinal, esta seria uma excelente política climática! Por fim, denunciar publicamente a “irresponsabilidade” da Samarco
é correto, mas insuficiente, sem que se traga à tona o questionamento
ao próprio modelo de desenvolvimento adotado em nosso País e
impulsionado pelas próprias políticas do atual governo. O
desenvolvimentismo, o produtivismo e a lógica de suposta inclusão social
via ampliação do consumo não são compatíveis com as políticas de grande
escala necessárias para conter as emissões.
“O Brasil perdeu a oportunidade de protagonismo no debate climático” |
IHU On-Line - Haverá
mobilizações populares em Paris no final de semana? A informação inicial
é de que tais manifestações da sociedade civil não poderiam acontecer.
Como avalia essa proibição?
Alexandre Araújo Costa - Já houve manifestações,
lamentavelmente reprimidas de forma violenta pela polícia. Sob o
argumento de “proteger-se do terrorismo”, tirar das pessoas o direito de
se manifestarem pacificamente foi muito ruim. Afinal, a pressão
popular, a voz das ruas, poderia certamente influenciar de forma
positiva o acordo de Paris. Eu não temo as pessoas nas ruas. Eu temo a presença de multimilionários nos bastidores, de lobistas da Shell, da Exxon, da BHP, estes sim, verdadeiros terroristas contra o clima. Mas da mesma maneira como aqui, com manifestantes do MST sendo presos por “crime ambiental” por um pouco de lama derramada no Congresso Nacional versus a demora em se tomar providências minimamente sérias contra a Samarco-Vale-BHP, na França os critérios para se definir “terror” são demasiado direcionados contra os agentes sociais de transformação.
Aliás, seria bom que os chefes de Estado
raciocinassem de maneira mais profunda sobre o vínculo entre terrorismo
– mesmo restringindo-nos à percepção que eles têm dessa palavra - e
clima. Na realidade, a piora das condições de vida de
milhões de pessoas, consequência inevitável do agravamento da crise
climática, a amplificação das calamidades sociais, com seca, fome,
produção em massa de refugiados climáticos, isso sim deveria ser visto
como um perigoso combustível para o terror organizado, para a barbárie.
Por isso, avalio como incorreta a proibição de manifestações pacíficas
em Paris.
Por Leslie Chaves e Patricia Fachin
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