PICICA: "(...)a melhor maneira de discutir o Leitor é investigar pra que serve ler o Marx."
Ler Karl Marx
Milhares de marxistas e antimarxistas se perderam nos meandros da argumentação de Marx, que muitas vezes sobreviveu só em rascunhospor Celso Barros (04/05/2012)
em História, Livros
1.
Da primeira vez que vi na livraria um livro com o título “O Leitor de Marx”, achei que se tratava da história da busca quixotesca pelo “leitor de Marx”, a criatura mítica que realmente leu o Marx antes de dar uma opinião taxativa sobre ele. Mas não. Descobri que se tratava de uma coletânea de textos do Marx, em que o leitor do título traduz o reader, comum em inglês, um livro que reúne textos de um autor (ou sobre um mesmo tema) que se pretende especialmente representativos. O propósito de um reader normalmente se reflete na abordagem do organizador: para ficar em exemplos do Marx, o do Elster é organizado por temas, o que é ótimo para o leitor que quer ter uma ideia geral do que dizia o Marx; no livro menorzinho do Giannotti, há trechos selecionados com o objetivo explícito de argumentar que a obra do Marx é muito mais aberta do que se imagina (isto é, ele era muito menos um fundador de sistemas do que se imagina). Há sempre o risco de se encontrar coletâneas do Marx feitas com o óbvio propósito de justificar o regime soviético.O Leitor de José Paulo Netto é organizado cronologicamente, e me parece especialmente adequado para acompanhar um curso sobre Marx. Se um leitor (sem aspas) tentar encará-lo do início ao fim, começando com as brigas do Marx contra os jovens hegelianos, provavelmente vai perder o interesse logo. Isso apesar do trabalho do organizador ser caprichado: se você escolher incluir os textos que ele incluiu, esses são os trechos que valia a pena mesmo destacar. Mas a briga é ladeira acima. Digo porque sei: o meu curso sobre Marx na faculdade começava com A Questão Judaica, tal como o Leitor, e a leitura dava a sensação de pegar uma discussão no meio.
Por outro lado, um bom professor pode dar um excelente curso usando o Leitor de José Paulo Netto. O organizador tem várias das qualidades necessárias para o bom desempenho da tarefa em que se lançou: em primeiro lugar, transparece no trabalho que Netto gosta de estudar Marx. O Elster, por exemplo, escreveu uma introdução ao Marx que tem várias qualidades, mas na qual transparece que o autor já estava meio de saída daquela problemática. Netto está firmemente estabelecido na tradição marxista, o que, se torna seu trabalho menos inovador, o ajuda a cumprir melhor o propósito de mostrar o Marx ao leitor. Não há muita heterodoxia na seleção de Netto (que, a crer na Introdução ao Leitor, não deve mesmo ser muito heterodoxo), e talvez outros dois pequenos textos devessem ter sido incluídos (as notas sobre “Estatismo e Comunismo” do Bakunin e o “Fragmento sobre as Máquinas” dos Grundrisse); mas, no geral, é isso aí mesmo.
Agora, no fim das contas, o que decide se um livro desses afunda ou decola é a qualidade do autor “lido”. Se a Cosac & Naify lançasse um “O Leitor de Pondé” editado por Aristóteles, talhado no monolito de 2001 – Uma Odisséia no Espaço, com uma introdução do Yoda explicando a cura do câncer, uma nota de rodapé que pudesse ser recortada e usada como vale-sexo com a Megan Fox e/ou com o Ryan Gosling, e uma capa de seja lá quem desenhou o litoral carioca e a bandeira do Mengão (certamente foi o mesmo cara), ainda assim o livro seria uma merda.
Portanto, a melhor maneira de discutir o Leitor é investigar pra que serve ler o Marx. Vamos lá então, mantendo a esquerda até o Museu Britânico e depois vendo onde chegamos.
Celso Barros
Mestre em Sociologia pela Unicamp e doutor por Oxford.
Para ler mais acesse Amálgama
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