maio 08, 2012

A atualidade de Salò ou Cento e Vinte Dias de Sodoma / Entrevista com Pasolini

Enviado por  em 19/10/2011
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We are on the set of "Salò or the 120 days of Sodom". Pasolini lets a small camera team led by the journalist Gideon Bachmann follow him around engaging him in a long and extraordinary interview/conversation. The interview turns into a long, clear-sighted and violent attack on society that accompanies photos of the set in a surprising juxtaposition of film and reality, revealing Pasolini's metaphorical portrait of modernity. 

Written by Giuseppe Bertolucci

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Estamos no set de "Salò ou os 120 dias de Sodoma". Pasolini permite que uma equipe com uma pequena câmara, liderada pelo jornalista Gideon Bachmann, possa segui-lo em torno do envolvimento dele em uma entrevista longa e extraordinária / conversa. A entrevista se transforma em um ataque, muito lúcida e violento na sociedade, acompanhada de fotos do set em uma surpreendente justaposição do cinema e da realidade, revelando o retrato metafórico de Pasolini da modernidade. Escrito por Giuseppe Bertolucci



PICICA: Num artigo publicado em dezembro de 1975, logo após a morte de Pasolini, Leonardo Sciascia afirmou que o artista italiano viveu numa época em que existia um certo conformismo em proclamar-se marxista, especialmente na Itália, um país tão periférico como o Brasil, diante das nações economicamente modernas, e que ele nomeava como Italietta (Italinha), anacrônica, provinciana, racista e discriminatória. Ser católico num país católico então, não havia qualquer originalidade, e era igualmente conformista. Foi em meio ao conformismo e a banalidade que o cineasta italiano produziu sua obra trágica e desesperadamente anticonformista, com um dos resultados mais significativos e duradouros do cinema. Ao realizar Salò ou Cento e Vinte Dias de Sodoma, em que sobrepõe o romance de Sade à república de Saló – breve período em que tudo era permitido na Itália fascista de 1944 – Pasolini, mais do que uma metáfora do fascismo, realizou uma fábula do horror que o tempo presente lhe inspirava, pondo em discussão, entre outras coisas, a moradia da pornografia. 

Para a professora Maria Betânia Amoroso, professora do Departamento de Teoria Literária do Instituto dos Estudos da Linguagem da Unicamp, “a base da crítica social de Pasoloni é a da mutação antropológica do homem contemporâneo, após o genocídio cultural”. Genocídio perpetrado em nome do desenvolvimento econômico e da onda de otimismo que tomou conta de intelectuais, políticos e sociólogos em êxtase com a chegada ao paraíso. Qualquer semelhança com os tempos atuais não é coincidência, mas fruto de um movimento que opera com um único modelo de homem: o consumidor. Nem que para isso florestas ardam em chamas ou naufraguem sob hidrelétricas. Não queria fazer alusão à realidade da nossa Brasilietta, mas foi inevitável.

Para a professora Maria Betânia Amoroso, o inimigo número um de Pasolini era o “homem de idéias” contemporâneo italiano “que se rendia ao “bom mocismo” em nome da modernização da Itália, mesmo que para isso precisasse fechar os olhos para o que ia acontecendo mundo afora”. Pasolini abominava a crença da auto-suficiência do modelo de razão desse homem submetido ao consumismo, dependente de recompensas dos meios de comunicação de massa, que abria mão de pensar, numa “cínica prevaricação dos dados fatuais e do bom senso” que é “capaz de enganar jornalistas preocupados em criar notícias, mas não os intelectuais dispostos a avaliar o significado e o valor das coisas, como argumenta a professora Maria Betânia.

Tenho a impressão que vivemos um novo ciclo de decadência antropológica. Há um esvaziamento progressivo do sentido da rebeldia e um novo modelo político e comportamental tenta-se impor às novas gerações. Que resiste, sem dúvida; uns nos estreitos caminhos de modelos tolerantes à diversidade, outros na aniquilação de toda lembrança do mundo que se encerra. Eis a armadilha.

Salò é uma metáfora, como declara Pasolini. Metáfora da relação sexual obrigatória e pavorosa, alimentada pela tolerância do poder consumista. Mas é também a metáfora da relação de poder entre aqueles que a ele se submetem. Assim disse Pasolini: “Em outras palavras, é a representação (talvez onírica) daquilo que Max define como a alienação do homem: a redução do corpo a coisa (por meio da exploração)”.

Referências: 
1. AMOROSO, Maria Betânia. Pier Paolo Pasolini. São Paulo: Cosac & Naif, 2002.
2. PASOLINI, Pier Paolo - Diálogo com Pier Paolo Pasolini -  Escritos (1957-1984). São Paulo: Nova Stella, 1986.

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