GOMOS DO SILÊNCIO
Aníbal Beça ©
De tanto ouvir nada
tudo fica muito.
Fruta oferecida
ao meu paladar
se me entreabrindo
polpa de apetite.
Vem se mastigando
num castigo surdo
sussurro macio
de cioso som.
A fruta palavra
de fruto mascavo
repuxa viscoso
no tacho da boca
mel caramelado.
Nas paredes brancas
escarpas afiadas
os dentes sedentos
língua lambe-lambe
lambuzando a cara.
De comer no entanto
tudo fica pouco
já que somos muitos
de uma mesma boca
ciciando o que fica
na sobra dos dentes
os fiapos sitiados
na ponta da língua
prontos para o gesto
de broca palito.
Gagueja a sintaxe
britadeira grita
em solo de rocha.
Há que repetir
poundianamente
o tripé poema
os gregos de Tróia
cavalo de phanos
na sela do logos
dança a melopéia.
Aprendiz silente
é quando descasco
a casca da fruta
e sorvo seus gomos
o musgo da polpa
no vão do barulho:
Babel ó Babel!
Dá-me a confusão
as línguas de fogo
queimando meus sonhos.
Esse recorrente
ato da procura
é que me alivia
do novo especioso
ato da invenção.
No incêndio afogado
sei-me palimpsesto.
Musas dos irmãos
socorrei-me musas
e deitai comigo.
Nascerão do incesto
clones de mil faces
anjos de asas tortas
um decameron
frouxo e esparramado
de um miglior cantor
para um minor ffabro
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