dezembro 07, 2015

DA RESISTÊNCIA À CONSTRUÇÃO DO PODER CONSTITUINTE

PICICA: "No horizonte do poder constituinte, o ano que começou com o movimento dos professores e professoras paranaenses, emparedado pela truculência de Estado, termina com a comovente vitória - ética, política e substantiva - dos estudantes paulistas. Os meninos e as meninas de São Paulo conseguiram fazer com que o Estado passasse mais uma vez pelo “ciclo dos vinte centavos”: da prepotência tecnocrática do “não há o que negociar” ao recuo deslavado, no caso com o tardio reconhecimento, pelo Executivo, do direito à participação já reconhecido pelo Judiciário, e a cereja da destituição do secretário maluco com seus cabeças de planilha. Deram a todos nós uma lição de coragem, altivez, perseverança, sagacidade - tão jovens, tão frágeis, tão lindos."
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"Inútil esperar que, do ventre inchado do poder constituído (aí incluída sua instância máxima, o Capital, com seus financiamentos eleitorais e suas mídias), saia cavaleiro andante, justiceiro, salvador ou qualquer outra fantasia de redenção, togada ou não. Redenção não há, muito menos que possa provir de dentro. É das ruas - as ruas dos pobres, os movimentos, entenda-se bem - que a superação de “tudo isso que aí está” poderá provir, sem caráter de redenção, salvação, restauração ou qualquer outra superstição purista-moralista, mas com muito trabalho, capacidade de escuta, diálogo e respeito à diversidade."

EM TEMPO: Sugestão de leitura indispensável: Criando o Comum e Fraturando o Capitalismo: uma troca de cartas entre Michael Hardt e John  Holloway (Parte I)
No horizonte do poder constituinte, o ano que começou com o movimento dos professores e professoras paranaenses, emparedado pela truculência de Estado, termina com a comovente vitória - ética, política e substantiva - dos estudantes paulistas. Os meninos e as meninas de São Paulo conseguiram fazer com que o Estado passasse mais uma vez pelo “ciclo dos vinte centavos”: da prepotência tecnocrática do “não há o que negociar” ao recuo deslavado, no caso com o tardio reconhecimento, pelo Executivo, do direito à participação já reconhecido pelo Judiciário, e a cereja da destituição do secretário maluco com seus cabeças de planilha. Deram a todos nós uma lição de coragem, altivez, perseverança, sagacidade - tão jovens, tão frágeis, tão lindos.

Entre movimento e outro, um pulular de outros mais: dos povos indígenas, das “minorias” de gênero e étnicas, dos espoliados pela lama da Vale, dos vitimados por outras remoções, dos garis cariocas e por aí afora. Quase sempre, porém, lutas de resistência contra a espoliação de direitos: potentes mas reativas, de preservação mais que de expansão, de reintegração mais que de ampliação. 

Já no horizonte do poder constituído… O ano que começou com a confirmação do estelionato eleitoral de vários Executivos (federal, paranaense, fluminense...) e a posse da legislatura federal mais reacionária desde 1983, prosseguiu com "a mais completa tradução" desta última na escolha do indizível presidente da Câmara e na agenda medieval das bancadas obscurantistas; com a continuidade da matança de jovens pobres e negros pelas PMs; com a pindaíba federativa; com o avanço do punitivismo legislativo e judicial: a criminalização dos movimentos pelo projeto “antiterrorismo” de Dilma, Levy & Aloysio Nunes, e o endurecimento processual penal do Judiciário, especialmente na transformação da exceção (prisões sem flagrante ou condenação) em regra e método de investigação. A combinação de ambos poderá ser fatal para os movimentos constituintes.

Esse obsceno 2015 do poder constituído vive agora sua apoteose com a transformação da disputa entre as diversas facções do partido da ordem em descarado vale-tudo na lama. Expressão das condições institucionais de produção de outra lama, dolorosamente não-metafórica, a da Vale, co-produzida pela dupla cumplicidade de Estado: por dentro da Vale, na participação acionária social e ambientalmente irresponsável dos fundos de pensão controlados pelo partido no governo federal; e por fora, na omissão dos órgãos públicos (federais, estaduais e municipais) de fiscalização e controle. 

Inútil esperar que, do ventre inchado do poder constituído (aí incluída sua instância máxima, o Capital, com seus financiamentos eleitorais e suas mídias), saia cavaleiro andante, justiceiro, salvador ou qualquer outra fantasia de redenção, togada ou não. Redenção não há, muito menos que possa provir de dentro. É das ruas - as ruas dos pobres, os movimentos, entenda-se bem - que a superação de “tudo isso que aí está” poderá provir, sem caráter de redenção, salvação, restauração ou qualquer outra superstição purista-moralista, mas com muito trabalho, capacidade de escuta, diálogo e respeito à diversidade.

Só a democracia dos “de baixo” poderá superar a plutocracia estabelecida - à qual a ex-querda pretendeu se integrar como associada indesejada e enjeitada, prestes agora a ser expelida. Mas é um esforço de longo prazo. Por isso mesmo é preciso começar logo, superando picuinhas, mimimis e oportunismos eleitoreiros, o esforço de tecer uma ampla articulação das lutas constituintes. Fora delas, já estão todos mortos. Que se vayan.

Fonte: Adriano Pilatti

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