PICICA: "“A produção de chuva local
e para outras regiões do país também pode diminuir com a perda de
floresta nas UCs”, diz a advogada do Instituto do Homem e Meio Ambiente
da Amazônia - Imazon."
Desmatamento das Unidades de Conservação ameaça serviços ecossistêmicos. Entrevista especial com Elis Araújo
“A produção de chuva local
e para outras regiões do país também pode diminuir com a perda de
floresta nas UCs”, diz a advogada do Instituto do Homem e Meio Ambiente
da Amazônia - Imazon.
Foto: Portal Envolverde |
Segundo Elis, as 50 UCs
que apresentam estado mais crítico “respondem por 96% do desmatamento
ocorrido dentro de UCs nesse período e estão localizadas em oito estados
da Amazônia Legal”, sendo as dos estados do Pará e de Rondônia as que possuem um percentual mais elevado de desmatamento.
Elis Araújo explica que
a vulnerabilidade dessas áreas está relacionada à existência de
“grandes obras de infraestrutura, como hidrelétricas e rodovias, que
acabam facilitando o acesso, a apropriação indevida das terras e a exploração ilegal de recursos naturais” na região.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ela frisa que “não pode haver desmatamento nas UCs”, e que “os Tribunais de Contas da União e dos Estados da Amazônia Legal estão exigindo que os órgãos ambientais apresentem planos de ação para a implementação das UCs”. O desmatamento, pontua, “também implica em perda de serviços ecossistêmicos, que refletem os benefícios diretos e indiretos providos pelo funcionamento dos ecossistemas, sem a interferência humana”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ela frisa que “não pode haver desmatamento nas UCs”, e que “os Tribunais de Contas da União e dos Estados da Amazônia Legal estão exigindo que os órgãos ambientais apresentem planos de ação para a implementação das UCs”. O desmatamento, pontua, “também implica em perda de serviços ecossistêmicos, que refletem os benefícios diretos e indiretos providos pelo funcionamento dos ecossistemas, sem a interferência humana”.
Elis de Araújo é advogada e especialista em Bioestatística pela Universidade Federal do Pará - UFPA.
Confira a entrevista.
As 50 Unidades de Conservação com maior
desmatamento na Amazônia entre 2012 e 2014 |
Mapa cedido por Elis Araújo |
Elis Araújo - Nós analisamos o desmatamento ocorrido na Amazônia entre agosto de 2012 e julho de 2014, que cobre dois períodos de monitoramento anual do desmatamento pelo Prodes (sistema de monitoramento do desmatamento por imagens de satélite operado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE). Nesse período, a Amazônia perdeu 1,5 milhão de hectares de florestas e cerca de 10% desse total ocorreu dentro de Unidades de Conservação - UCs; 160 UCs ao todo. Dentro desse universo de UCs, nós identificamos as 50 mais desmatadas, as mais críticas.
As 50 UCs críticas respondem por 96% do desmatamento ocorrido dentro de UCs nesse período e estão localizadas em oito estados da Amazônia Legal. Os Estados do Pará e de Rondônia são os que possuem maior número de UCs críticas (20 e 11 respectivamente) e maior percentual de desmatamento neste grupo, totalizando 87% (Veja o mapa acima).
Dentre as 50 UCs críticas, aquelas sob gestão estadual foram as mais desmatadas, com 101.611 hectares, ou 67%. Observamos mais desmatamento em UCs estaduais em Rondônia. Contudo, no Pará, as UCs federais foram mais desmatadas que as estaduais.
As 50 UCs críticas respondem por 96% do desmatamento ocorrido dentro de UCs nesse período e estão localizadas em oito estados da Amazônia Legal. Os Estados do Pará e de Rondônia são os que possuem maior número de UCs críticas (20 e 11 respectivamente) e maior percentual de desmatamento neste grupo, totalizando 87% (Veja o mapa acima).
Dentre as 50 UCs críticas, aquelas sob gestão estadual foram as mais desmatadas, com 101.611 hectares, ou 67%. Observamos mais desmatamento em UCs estaduais em Rondônia. Contudo, no Pará, as UCs federais foram mais desmatadas que as estaduais.
“Dentre as 50 UCs críticas, aquelas sob gestão estadual foram as mais desmatadas”
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IHU On-Line - Em termos comparativos com anos anteriores, o que mudou em relação às UCs nesse período de 2012 a 2014?
Elis Araújo - No nosso estudo anterior, “Áreas Protegidas Críticas na Amazônia Legal”, identificamos as 10 áreas protegidas (UCs e Terras Indígenas - TIs)
mais desmatadas da Amazônia entre 2009 e 2011, considerando médias
anuais. Nesse ranking, aparecem cinco TIs e cinco UCs. As cinco UCs mais
desmatadas desse ranking estão entre as 25 primeiras do ranking atual.
Algumas apresentaram redução no desmatamento anual, mas este, ainda
assim, deve ser considerado alto (são milhares e centenas de hectares
abertos) e deveria ser zero em algumas categorias como Reserva Biológica.
IHU On-Line - O que a legislação determina acerca do desmatamento em UCs?
Elis Araújo - De modo geral, não pode haver desmatamento nas UCs. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação - Snuc dispõe sobre 12 categorias de Unidades de Conservação e em apenas cinco delas permite áreas particulares em seu interior. A Área de Proteção Ambiental - APA
é a categoria mais permissiva quanto à ocupação humana não tradicional.
As outras quatro (Reserva de Desenvolvimento Sustentável, Área de
Relevante Interesse Ecológico, Monumento Natural e Refúgio da Vida
Silvestre) podem ser constituídas por áreas particulares, desde que seja
possível compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da
terra e dos recursos naturais pelos proprietários. Em qualquer hipótese,
o desmatamento só pode ocorrer nas áreas particulares de acordo com as regras do Código Florestal e se autorizado pelo órgão ambiental competente.
No nosso estudo, as categorias mais desmatadas foram APA, com 43% do total, Floresta Nacional - Flona,
com 19%, e Reserva Extrativista - Resex, com 15%. O desmatamento
descontrolado em APA implica na perda de áreas que deveriam ser
reservadas à proteção de espécies de animais e plantas e de recursos
hídricos. O desmatamento em Flona compromete seu potencial madeireiro
ainda não explorado por concessão florestal e o desmatamento em Resex compromete o modo de vida das populações tradicionais que a habitam.
“O
desmatamento nas UCs críticas pode ter resultado na perda de 60 milhões a
114 milhões de árvores e ter afetado de 2,5 milhões a 2,9 milhões de
aves”
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IHU On-Line - É possível identificar quais são as causas que geram desmatamento nessas UCs?
Elis Araújo - Em geral, as UCs críticas amazônicas
estão na área de influência de grandes obras de infraestrutura, como
hidrelétricas e rodovias, que acabam facilitando o acesso, a apropriação indevida das terras e a exploração ilegal de recursos naturais.
A falta de investimentos deixa as UCs ainda mais vulneráveis a ações
ilegais. Sete das dez áreas mais desmatadas e que respondem por 81% do
desmatamento nas áreas críticas sofrem com o baixo grau de implementação
de acordo com dados do Tribunal de Contas da União - TCU. Ou seja, faltam planos de manejo, conselho gestor, recursos humanos e financeiros suficientes.
IHU On-Line - Quais são as implicações ambientais do desmatamento das UCs para a Amazônia de modo geral?
Elis Araújo - O desmatamento implica em perda de biodiversidade (animais e plantas). Por exemplo, um estudo liderado por Ima Vieira do Museu Goeldi, intitulado “Estratégias para evitar a perda de biodiversidade na Amazônia”, reúne algumas estimativas para a quantidade de árvores, aves e primatas que podem ser encontrados por hectare e por km² de floresta. Com base nessas estimativas podemos ter uma ideia do impacto do desmatamento sobre a biodiversidade; por exemplo, o desmatamento nas UCs críticas pode ter resultado na perda de 60 milhões a 114 milhões de árvores e ter afetado de 2,5 milhões a 2,9 milhões de aves.
Elis Araújo - O desmatamento implica em perda de biodiversidade (animais e plantas). Por exemplo, um estudo liderado por Ima Vieira do Museu Goeldi, intitulado “Estratégias para evitar a perda de biodiversidade na Amazônia”, reúne algumas estimativas para a quantidade de árvores, aves e primatas que podem ser encontrados por hectare e por km² de floresta. Com base nessas estimativas podemos ter uma ideia do impacto do desmatamento sobre a biodiversidade; por exemplo, o desmatamento nas UCs críticas pode ter resultado na perda de 60 milhões a 114 milhões de árvores e ter afetado de 2,5 milhões a 2,9 milhões de aves.
O desmatamento também implica em perda de serviços ecossistêmicos,
que refletem os benefícios diretos e indiretos providos pelo
funcionamento dos ecossistemas, sem a interferência humana. Exemplos: controle da água,
controle de erosão, ciclagem de nutrientes, etc. Mais de um terço da
água para consumo humano é diretamente captada em UCs ou em rios que se
beneficiam de sua proteção. A produção de chuva local e para outras
regiões do país também pode diminuir com a perda de floresta nas UCs. De
acordo com o cientista Carlos Nobre,
a floresta amazônica é responsável pela formação de mais da metade das
chuvas nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil e em pelo menos
cinco países da América do Sul.
Além disso, o desmatamento
também impacta os modos de vida de populações tradicionais e indígenas,
que perdem os recursos que utilizam para sua alimentação, vestuário,
moradia e reprodução cultural. Assim, o desmatamento ameaça a sociodiversidade
da Amazônia, que detém um saber ainda pouco estudado sobre a floresta e
que contribui para a sua proteção e diversidade biológica.
“A
floresta amazônica é responsável pela formação de mais da metade das
chuvas nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil e em pelo menos
cinco países da América do Sul”
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IHU On-Line - Como é feita a manutenção e fiscalização das UCs atualmente?
Elis Araújo - Para assegurar a gestão e proteção das UCs, é preciso provê-las de conselho gestor, de plano de manejo
e realizar sua regularização fundiária. O conselho gestor ajuda a
mapear e a conciliar os interesses locais sobre a UC e a construir o
plano de manejo. O plano de manejo estabelece o que é permitido fazer
dentro da UC, reconhecendo ou designando áreas de uso, bem como as áreas
de preservação ambiental. A regularização fundiária permite que o órgão
ambiental tenha plena gestão sobre as terras da UC e põe fim aos conflitos por terra que estimulam o desmatamento para fins especulativos. Entretanto, essa ainda não é a realidade da maioria das UCs da Amazônia, segundo revelou um relatório do TCU no final de 2013.
Sem contar com essas condições básicas de gestão, a manutenção e a fiscalização das UCs
no bioma Amazônia são realizadas de forma bastante precária. A maioria
não tem sede ou um posto de apoio à fiscalização e também não contam um
plano de proteção anual. Em âmbito federal, as fiscalizações ocorrem com
o planejamento de operações anuais para toda a Amazônia com base em
dados do Prodes e Deter. Contudo, por vezes, esse planejamento “macro”
deixa de fora UCs críticas, principalmente aquelas
menores, cuja área desmatada pode não parecer grande na escala
amazônica, mas pode representar um terço ou metade da UC. Em âmbito
estadual, a situação é bastante preocupante, pois os Estados possuem
menos recursos e também priorizam menos as políticas ambientais. Na
maioria das vezes, as fiscalizações só ocorrem se houver denúncias e se
houver recursos.
Para alertar governos e órgãos ambientais a respeito do desmatamento nas 50 UCs críticas da Amazônia,
nós disponibilizamos seus mapas individuais em alta resolução neste mês
de agosto. Eles mostram em que parte da UC o desmatamento ocorreu. Em
algumas UCs, percebemos que ele ocorreu em suas bordas. A ausência de
marcos e sinalização para informar sobre os limites da UC favorece essa
situação. Em outros casos, como em APAs, que permitem ocupação, o
desmatamento ocorreu de forma difusa em toda a extensão da UC. Isso
reflete a ausência de plano de gestão e de uma fiscalização eficaz.
IHU On-Line - A recomendação do
Imazon é de que para evitar o desmatamento, as UCs sejam desenvolvidas
localmente. Em que consiste essa proposta?
Elis Araújo - Na verdade, nós temos três recomendações principais, com ênfase na punição de quem desmata e na regularização fundiária das UCs:
i) punir todos os crimes associados ao desmatamento (como formação de
quadrilha e lavagem de dinheiro), de modo a impor penas mais severas
(como vários anos de prisão e confisco de bens) para dissuadir os
criminosos; ii) retirar ocupantes não tradicionais das UCs em que sua
permanência não é permitida, como Flona, Resex e Rebio; e iii) e retomar terras públicas ocupadas ilegalmente fora das UCs para os reassentamentos necessários.
“A manutenção e a fiscalização das UCs no bioma Amazônia são realizadas de forma bastante precária”
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IHU On-Line - Quais são as dificuldades de punir crimes associados ao desmatamento ilegal?
Elis Araújo - As dificuldades estão relacionadas à falta de pessoal para as ações de fiscalização e de planejamento. Para punir crimes associados ao desmatamento é preciso um trabalho conjunto e de inteligência, como o realizado pela Operação Castanheira em agosto de 2014, no sul do Pará. O combate a organizações criminosas de forma coordenada entre Ibama, Polícia Federal, Receita Federal, Ministério Público Federal e Justiça Federal
foi essencial para o sucesso dessa operação. O resultado foi a prisão
de oito acusados por crimes ambientais, financeiros, de sonegação fiscal
e de ocupação de terras públicas relacionados ao desmatamento ilegal; além de uma punição mais severa, com penas que podem chegar a 56 anos de prisão, e bloqueio de bens.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Elis Araújo - Atualmente, os Tribunais de Contas da União e dos Estados da Amazônia Legal estão exigindo que os órgãos ambientais apresentem planos de ação para a implementação das UCs. Nosso trabalho revela quais UCs devem ser priorizadas. Os governos federal e estaduais devem focar suas ações nas áreas críticas de desmatamento,
que são as mais pressionadas (em torno de projetos que atraem
imigrantes como hidrelétricas e o asfaltamento de estradas) e
vulneráveis por causa de ocupações irregulares.
Por Patricia Fachin
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Fonte: IHU
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